“Qui minor est inter vos, hic major est.” (Luc., IX, 48)
Não se pode escrever um livro sobre a Santíssima Virgem sem falar da predestinação de São José, de sua eminente perfeição, do caráter próprio de sua missão excepcional, de suas virtudes e de seu atual papel na santificação das almas.
Sua preeminência sobre todos os outros santos cada vez mais afirmada na Igreja
A doutrina segundo a qual São José é o maior dos santos depois da Virgem Maria tende a tornar-se uma doutrina comumente aceita na Igreja, que não teme declarar o humilde carpinteiro superior em graça e em beatitude aos patriarcas, a Moisés, aos maiores dos profetas, a São João Batista, e também aos apóstolos, a São Pedro, a São João, a São Paulo, e por mais forte razão superior em santidade aos maiores mártires e aos maiores doutores da Igreja. O menor, por sua profunda humildade, é em razão da conexão das virtudes, o maior pela elevação da caridade: “Qui minor est inter vos, hic major est” (Luc. IX, 48).
Essa doutrina é ensinada por Gerson1 e por São Bernardino de Sena2. A partir do século XIV, torna-se cada vez mais corrente, é admitida por Santa Teresa, pelo dominicano Isidoro de Isolanis, que parece ter escrito o primeiro tratado sobre São José3, por São Francisco de Sales, por Suárez4, mais tarde por Santo Afonso Maria de Ligório5, mais recentemente pelo cônego Sauvé6, pelo cardeal Lepicier7 e por M. Sinibaldi8; essa doutrina está bem exposta no Dicionário de Teologia Católica, no artigo Joseph (saint), por A-M. Michel.
Além disso recebeu a aprovação de Leão XIII na encíclica Quanquam pluries, de agosto de 1899, escrita para proclamar o patrocínio de São José sobre a Igreja universal. Ele diz: “Certamente a dignidade da Mãe de Deus é tão alta que nada pôde ser criado acima dela. No entanto, como José foi unido à bem-aventurada Virgem pelo laço conjugal, não se pode duvidar que ele se tenha aproximado, mais do que ninguém, dessa dignidade supereminente pela qual a Mãe de Deus ultrapassa tanto todas as naturezas criadas. A união conjugal é, com efeito, a maior de todas; em razão de sua própria natureza, ela acompanha-se da comunicação recíproca dos bens dos dois esposos. Se, pois, Deus deu à Virgem José como esposo, certamente não somente o deu como apoio na vida, como testemunho de sua virgindade, guarda de sua honra, mas o fez também participar, pelo laço conjugal, da eminente dignidade que ela recebeu.”9
Tendo Leão XIII afirmado que São José se aproximou mais do que ninguém da dignidade supereminente da Mãe de Deus, segue-se que, na glória, ele está acima de todos os anjos? Não o poderíamos afirmar com certeza; contentemo-nos em exprimir a doutrina cada vez mais aceita pela Igreja, dizendo: De todos os santos, José é o mais elevado no céu depois de Jesus e Maria; ele está entre os anjos e os arcanjos.
A Igreja, na oração A cunctis, nomeia-o imediatamente depois de Maria e antes dos apóstolos. Se não está mencionado no Cânon da missa,10 não só tem um prefácio especial mas todo o mês de março lhe é consagrado como o protetor e defensor da Igreja universal.
A ele, em sentido real, ainda que oculto, é particularmente confiada a multidão de cristãos de todas as gerações que se sucedem. É o que exprimem as belas ladainhas aprovadas pela Igreja que lhe resumem as prerrogativas: “São José, ilustre filho de Davi, luz dos patriarcas, Esposo da Mãe de Deus, guarda da Virgem pura, nutrício do Filho de Deus, zeloso defensor de Cristo, chefe da Sagrada Família, José justíssimo, castíssimo, prudentíssimo, fortíssimo, obedientíssimo, fidelíssimo, espelho de paciência, amador da pobreza, exemplo dos trabalhadores, honra da vida doméstica, custódia das virgens, amparo das famílias, alivio dos miseráveis, esperança dos enfermos, padroeiro dos moribundos, terror dos demônios, protetor da santa Igreja.” Nada é tão grande depois de Maria.
A razão dessa supereminência
Qual é o principio dessa doutrina cada vez mais admitida desde há cinco séculos?
O princípio invocado, e cada vez mais explicitado por São Bernardo, São Bernardino de Sena, Isidoro de Isolanis, Suárez e autores mais recentes, é um principio tão simples quanto elevado; foi formulado por Santo Tomás a propósito da plenitude da graça em Jesus e da santidade de Maria. Ele se exprime assim: uma missão divina excepcional requer uma santidade proporcionada.
Esse princípio explica por que a santa alma de Jesus, estando unida pessoalmente ao Verbo, na fonte de toda a graça, recebeu a plenitude absoluta da graça, que devia transbordar sobre nós, segundo a palavra de São João (I, 16): “De plenitude ejus omnes accepimus.”11
É também a razão por que Maria, tendo sido chamada para ser a Mãe de Deus, recebeu desde o instante de sua concepção uma plenitude inicial de graça, que já ultrapassava a graça final de todos os santos reunidos. Mais, perto da fonte de toda a graça, ela devia beneficiar-se disso mais do que qualquer outra criatura12.
Foi também por essa razão que os Apóstolos, mais perto de Nosso Senhor que os santos que viriam em seguida, conheceram mais perfeitamente os mistérios da fé. Para pregar infalivelmente o Evangelho no mundo, eles receberam em Pentecostes uma fé eminentemente esclarecida e inabalável, princípio de seu apostolado13.
Esse mesmo princípio explica a preeminência de São José sobre qualquer outro santo.
Para compreender bem este ponto, é preciso notar que as obras de Deus que são feitas diretamente por Ele são perfeitas. Não se poderia encontrar nelas nem desordem nem imperfeição sequer.
Assim foi a obra divina no dia da criação, desde as mais altas hierarquias angélicas até as criaturas mais ínfimas14. Ainda é assim para os grandes servidores que Deus mesmo escolhe excepcionalmente e diretamente, sem intermediação de alguma escolha humana, ou que são suscitados por ele para restaurar a obra divina perturbada pelo pecado. No princípio enunciado mais acima, todas as palavras devem ser pesadas: “Uma missão divina excepcional requer uma santidade proporcionada.”
Aqui não se trata de missão humana, por mais alta que seja, nem de missão angélica, mas de missão propriamente divina, e não missão divina ordinária, mas tão excepcional que no caso de São José é de fato única no mundo em todo o decorrer dos tempos.
Percebe-se melhor ainda a verdade desse principio, tão simples quanto elevado, quando se considera, por contraste, como procede muitas vezes a escolha humana. Muitas vezes os homens escolhem para altas funções de um governo difícil pessoas incapazes, medíocres, imprudentes. O que leva um país à ruína se não houver uma reação salutar.
Não se poderá encontrar nada de parecido nos que são diretamente escolhidos por Deus mesmo e preparados por ele para ser ministros excepcionais na obra da Redenção. O Senhor lhes dá uma santidade proporcionada, pois Ele opera tudo com medida, força e suavidade.
Assim como a alma de Jesus recebeu, desde o instante de sua concepção, a plenitude absoluta de graça, que não aumentou em seguida; como Maria, desde o instante de sua concepção imaculada, recebeu uma plenitude inicial de graça que era superior à graça final de todos os santos e que não cessou de aumentar até sua morte; assim, guardadas as devidas proporções, São José deve ter recebido uma plenitude relativa de graça proporcionada à sua missão, já que foi diretamente e imediatamente escolhido não pelos homens, por nenhuma criatura, mas por Deus mesmo e unicamente por Ele para essa missão única no mundo. Não se poderia precisar em que momento teve lugar a santificação de São José, mas o que temos direito de afirmar é que, em razão de sua missão, ele foi confirmado na graça desde seu casamento com a Santíssima Virgem15.
A que ordem pertence a missão excepcional de José?
É evidente que ela ultrapassa a ordem da natureza, não somente a da natureza humana mas a da natureza angélica. Será somente da ordem da graça como a de São João Batista, que prepara as vias da salvação, como a missão universal dos Apóstolos na Igreja para a santificação das almas ou como a missão particular dos fundadores de ordens?
Se a olharmos de perto, vê-se que a missão de São José ultrapassa a própria graça, e que confina por seu termo com a ordem hipostática constituída pelo próprio mistério da Encarnação. Mas é preciso compreendê-lo bem, evitando qualquer exagero como qualquer diminuição.
A ordem hipostática limita-se à missão única de Maria, a maternidade divina, e também em certo sentido à missão escondida de São José. Esse ponto de doutrina é afirmado por São Bernardo, por São Bernardino de Sena, pelo dominicano Isidoro de Isolanis, por Suárez e, cada vez mais, por vários autores recentes.
São Bernardo diz de José: “Ele foi o servidor fiel e prudente que o Senhor constituiu como o sustentador de sua Mãe, o pai nutrício de sua carne, e o único cooperador fidelíssimo na terra do grande desígnio da Encarnação.”16
São Bernardino de Sena escreve: “Quando Deus escolhe alguém para uma missão muito elevada, confere-lhe todos os dons necessários para essa missão. É o que se verifica eminentemente com São José, pai nutrício de Nosso Senhor Jesus Cristo e esposo de Maria…”17.
Isidoro de Isolanis chega a pôr a vocação de São José acima da dos Apóstolos. Ele nota que a vocação dos Apóstolos tem por fim pregar o Evangelho, esclarecer as almas, reconciliá-las, mas que a de José é mais diretamente relativa ao próprio Cristo, já que é o esposo da Mãe de Deus, o pai nutrício e defensor do Salvador18.
Suárez também diz: “Alguns ofícios saem da própria ordem da graça santificante, e, no gênero, os Apóstolos tiveram a graça mais elevada, e também tiveram necessidade de mais socorro gratuito que os outros, sobretudo no que concerne aos dons gratuitamente dados e à sabedoria. Mas há outros ofícios que confinam com a ordem da união hipostática, em si mais perfeita, como se vê claramente na maternidade divina da bem-aventurada Virgem Maria; é a essa ordem de ofícios que pertence o ministério de São José.”19
Há alguns anos Mons. Sinibaldi, bispo titular de Tiberíades e secretário da Sagrada Congregação dos Estudos, especificou este ponto de doutrina. Observou que o ministério de São José pertence, em certo sentido, por seu termo, à ordem hipostática: não que São José tenha intrinsecamente cooperado, como instrumento físico do Espírito Santo, na realização do mistério da Encarnação; deste ponto de vista seu papel é muito inferior ao de Maria, Mãe de Deus; mas, enfim, ele foi predestinado a ser, na ordem das causas morais, o guarda da virgindade e da honra de Maria e ao mesmo tempo o pai sustentador e protetor do Verbo feito carne. “Sua missão pertence, por seu fim, à ordem hipostática não por uma cooperação intrínseca, física e imediata, mas por uma cooperação extrínseca, moral e mediata (por Maria), o que é ainda, no entanto, verdadeira cooperação20.
A predestinação de José nada mais é que o próprio decreto da Encarnação
O que acabamos de dizer aparecerá mais claramente ainda se considerarmos que o decreto eterno da Encarnação não se refere apenas à Encarnação em geral, abstração feita às circunstâncias de tempo e de lugar, mas à Encarnação hic et nunc, quer dizer, a Encarnação do Filho de Deus que, em virtude da operação do Espírito Santo, deve ser concebido em tal instante pela Virgem Maria, unida a um homem da casa de Davi que se chama José: “Missus est angelus Gabriel a Deo in civitate Galileæ, cui nomem Nazareth, ad virginem desponsatam viro, cui nomem erat Joseph, de domo David – Foi enviado por Deus o anjo Gabriel a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão, que se chamava José, da casa de Davi.” (Luc., 1, 26-27).
Tudo leva a crer que José foi predestinado a ser o pai adotivo do Verbo feito carne antes de ser predestinado à glória. A razão é que a predestinação do Cristo como homem à filiação divina natural é anterior à de qualquer homem eleito, pois o Cristo é o primeiro dos predestinados21. Ora, a predestinação do Cristo à filiação divina natural não é outra senão o próprio decreto da Encarnação, o qual se refere à Encarnação hic et nunc. Esse decreto implica por si mesmo a predestinação de Maria à maternidade divina, e a de José a ser pai adotivo e protetor do Filho de Deus feito homem.
Assim como a predestinação do Cristo à filiação divina natural é superior à sua predestinação à glória e a precede, como admitem os tomistas (in IIIam.,q. 24, a. 1 e 2); e como a predestinação de Maria à maternidade divina precede (in signo priori) sua predestinação à glória, como vimos no principio desta obra; assim a predestinação de José a ser pai adotivo do Verbo feito carne precede para ele a predestinação à glória e à graça. Em outros termos, José foi predestinado ao mais alto grau de glória depois de Maria e, em seguida, ao mais alto grau de graça e de caridade, porque seria chamado a ser o digno pai adotivo e protetor do Homem Deus.
Vê-se por aí a elevação de sua missão, única no mundo, já que sua predestinação primeira pertence ao próprio decreto da Encarnação. É o que se diz correntemente quando se afirma que José foi criado e posto no mundo para ser o pai adotivo do Verbo feito carne, e, para que fosse digno pai, Deus quis para ele um altíssimo grau de glória e de graça.
O caráter próprio da missão de São José
Esse ponto é admiravelmente bem exposto por Bossuet no seu primeiro panegírico desse grande santo (3° ponto), quando diz: “Entre todas as vocações, chamo a atenção para duas que, nas Escrituras, parecem diametralmente opostas: a primeira, a dos apóstolos, a segunda a de São José. Jesus foi revelado aos apóstolos para anunciá-lo por todo o universo; foi revelado a José para calá-lo e para escondê-lo. Os apóstolos são as luzes para mostrar Jesus Cristo ao mundo. José é um véu para cobri-lo; e sob esse véu misterioso se esconde a virgindade de Maria e a grandeza do Salvador das almas… Aquele que glorifica os apóstolos com a honra da pregação glorifica José pela humildade do silêncio.” A hora da manifestação do mistério da Encarnação não chegara ainda; essa hora deve ser preparada por trinta anos de vida escondida.
A perfeição consiste em fazer aquilo que Deus quer, cada um segundo a sua vocação; mas no silêncio e na obscuridade a vocação de José ultrapassa a vocação dos apóstolos, porque toca mais de perto o mistério da Encarnação redentora. José, depois de Maria, foi quem esteve mais próximo do autor da graça, e, no silêncio de Belém, durante a estada no Egito e na casinha de Nazaré, recebeu mais graça do que nenhum outro santo jamais recebeu.
Sua missão foi dupla.
Em relação a Maria, ele preservou-lhe a virgindade contratando com ela um verdadeiro casamento, porém absolutamente santo. O anjo do Senhor lhe disse: “José, filho de Davi, não temas receber Maria como esposa, porque o que nela foi concebido é obra do Espírito Santo” (Mat.,1, 20; Luc., 2, 5). Maria é sua esposa, é um verdadeiro casamento, como explica Santo Tomás (IIIª, q. 29, a. 2) mostrando suas conveniências: nenhuma suspeita devia surgir, por menor que fosse, quanto à honra do Filho e à de sua Mãe; se alguma vez essa honra estivesse em causa, José, o testemunho mais autorizado e menos suspeito, estaria lá para atestar-lhe a integridade. Além disso, Maria encontrava em José ajuda e proteção. Ele a amou com o amor mais puro, mais devotado, um amor teologal, pois a amava em Deus e por Deus. Era a união sem mancha mais respeitosa com a criatura mais perfeita que jamais existiu, no mais simples contexto, o de um pobre operário de aldeia. Assim, José se aproximou mais intimamente do que qualquer santo daquela que é a Mãe de Deus e a Mãe espiritual de todos os homens, dele mesmo, José, e a distribuidora de todas as graças. A beleza de todo o universo não é nada ao lado da sublime união dessas duas almas, união criada pelo Altíssimo, que enche de admiração os anjos e alegra o próprio Senhor.
Em relação ao Verbo feito carne, José velou por ele, protegeu-o, contribuiu para sua educação humana. Chamam-no pai nutrício, ou melhor, pai adotivo, mas esses nomes não podem exprimir plenamente essa relação misteriosa e cheia de graça. É acidentalmente que um homem se torna pai adotivo, ou alimentador de uma criança, ao passo que não foi por acidente que José se tornou o pai adotivo do Verbo feito carne; ele foi criado e posto no mundo para isso; esse é o objeto primeiro de sua predestinação e a razão de todas as graças que recebeu. Bossuet exprime-o admiravelmente22: “Quando não é a natureza que dá um pai paternal, onde encontrar um coração paternal? Em uma palavra, São José, não sendo pai natural, como teria um coração de pai por Jesus? É aí que é preciso entender que o poder divino age nessa obra. É por um efeito desse poder que José tem um coração de pai, e, se a natureza não lho dá, Deus lhe faz um com suas próprias mãos. Pois é d’Ele que está escrito que dirige como quer as inclinações… Ele faz um coração de carne em alguns quando os enternece pela caridade… E não faz em todos os fiéis um coração não de escravo, mas de criança, quando lhes envia o Espírito de seu Filho? Os apóstolos tremiam ao menor perigo, mas Deus lhes deu um coração novo, e sua coragem tornou-se invencível… Pois foi essa mesma mão que deu um coração de pai a São José e um coração de filho a Jesus. Por isso Jesus obedecia a São José, e José nele mandava sem temor. E de onde vem essa ousadia de mandar em seu Criador? É que o verdadeiro pai de Jesus Cristo, esse Deus que o engendra desde toda a eternidade, tendo escolhido o divino José para servir de pai, no meio dos tempos, a seu Filho único, fez de alguma maneira correr no seio de José um raio ou um brilho desse amor infinito que Ele tem por seu Filho; foi o que lhe mudou o coração, foi o que lhe deu um amor de pai; de tal modo, que o justo José, que sente em si mesmo um coração paternal, formado de uma vez pela mão de Deus, sente também que Deus lhe ordena usar de autoridade paternal, e ousa assim comandar aquele que reconhece ser o seu mestre.” Quer dizer, José foi predestinado primeiramente para “servir de pai ao Salvador, que não podia ter um aqui em baixo”, e depois todos os dons lhe foram concedidos para que ele fosse o digno protetor do Verbo feito carne.
Ademais, há que dizer com que fidelidade José guardou o triplo depósito que lhe fora confiado: a virgindade de Maria, a pessoa de Jesus Cristo e o segredo do Pai eterno, o da Encarnação de seu Filho, segredo para ser guardado até que chegasse a hora da manifestação desse mistério23.
O Papa Pio XI, em discurso pronunciado na sala do consistório no dia da festa de São José, em 19 de março de 1928, dizia, após ter falado da missão de João Batista e da de são Pedro: “Entre essas duas missões aparece a de José: recolhida, tácita, quase despercebida, desconhecida, que não devia iluminar-se senão alguns séculos mais tarde, um silêncio a que devia suceder, sem dúvida, mas muito tempo depois, um esplendoroso cântico de glória. E, de fato, lá onde é mais profundo o mistério, onde mais espessa é a noite que o cobre, e maior o silêncio, é justamente lá que está a mais alta missão, mais brilhante o cortejo de virtudes requeridas e de méritos chamados, por uma feliz necessidade, a lhe fazer eco. Missão única, altíssima, a de guardar o Filho de Deus, o Rei do mundo, a missão de guardar a virgindade, a santidade de Maria, a missão única de entrar em participação no grande mistério escondido aos olhos dos séculos e de cooperar assim na Encarnação e na Redenção!” – O que quer dizer que foi em vista dessa missão única que a Providência concedeu a José todas as graças que ele recebeu; em outros termos: José foi predestinado primeiramente a servir de pai ao Salvador, depois à glória e à graça que convinham a tão excepcional vocação.
As virtudes e os dons de São José
As virtudes de São José são sobretudo as virtudes da vida escondida, em grau proporcionado ao da graça santificante: a virgindade, a humildade, a pobreza, a paciência, a prudência, a fidelidade, que não pode ser abalada por nenhum perigo, a simplicidade, a fé esclarecida pelos dons do Espírito Santo, a confiança em Deus e a caridade perfeita. Ele guardou o depósito que lhe foi confiado com uma fidelidade proporcionada ao valor desse tesouro inestimável. Cumpriu o preceito: Depositum custodi.
Sobre essas virtudes da vida escondida Bossuet faz este apanhado geral24: “Um vicio ordinário nos homens é dar-se inteiramente às coisas de fora e negligenciar as de dentro; trabalhar para se mostrar e para aparecer, desprezar o efetivo e o sólido; sonhar muitas vezes com o que querem parecer e não pensar no que devem ser. É por isso que as virtudes que são estimadas são aquelas que se misturam nos negócios e que entram no comércio dos homens; ao contrário, as virtudes escondidas, interiores, onde o público não toma parte, onde tudo se passa entre Deus e o homem, não só não são seguidas mas nem sequer compreendidas. E no entanto é nesse segredo que consiste todo o mistério da verdadeira virtude… É preciso considerar um homem em si mesmo, antes de meditar qual o lugar que se lhe dará entre os outros; e, se não trabalharmos sobre esse fundo, todas as outras virtudes, por mais brilhantes que sejam, não passarão de virtudes de vitrina… elas não fazem o homem segundo o coração de Deus. – Ao contrário, José, homem simples, procurou Deus, José, homem retraído, encontrou Deus.”
A humildade de José deve ser confirmada pelo pensamento da gratuidade de sua vocação excepcional. Ele devia perguntar-se: Por que o Altíssimo me deu seu filho único para guardar, a mim, José, e não a qualquer outro homem da Judéia, da Galiléia, ou de qualquer outra região ou de outro século? Foi unicamente pelo livre agrado de Deus, prazer que é em si mesmo sua razão, e pelo qual José foi livremente preferido, escolhido, predestinado desde toda a eternidade antes de tal ou qual outro homem, a quem o Senhor poderia ter concedido os mesmos dons e uma mesma fidelidade a fim de o preparar para essa excepcional missão. Vemos nessa predestinação um reflexo da gratuidade da predestinação do Cristo e da de Maria.
O conhecimento do valor dessa graça e de sua gratuidade absoluta, longe de prejudicar a humildade de José, confirmou-a. Pensava em seu coração: “O que tens que não recebestes?”
José aparece como o mais humilde de todos os santos depois de Maria, mais humilde do que qualquer dos anjos; e, se é o mais humilde, é por isso mesmo o maior de todos, pois, sendo conexas as virtudes, a profundeza da humildade é proporcionada à elevação da caridade, como a raiz da árvore é tanto mais profunda quanto mais alta é a árvore: “Aquele dentre vós todos que é o menor”, disse Jesus, “este será o maior” (Luc., 9, 48)
Como nota ainda Bossuet: “Possuindo o maior tesouro, por uma graça extraordinária do Pai eterno, José, longe de se vangloriar dos seus dons ou de mostrar suas vantagens, esconde-se tanto quanto pode aos olhos dos mortais, gozando pacificamente com Deus do mistério que lhe foi revelado, e das riquezas infinitas que Ele lhe deu para guardar.”25 – “José tem em casa o que atrairia os olhos de toda a terra, e o mundo não o conhece; possui um Deus-Homem, e não diz palavra; é testemunha de um grande mistério, e saboreia-o em segredo, sem o divulgar.”26
Sua fé é inabalável apesar da obscuridade do inesperado mistério. A palavra de Deus transmitida pelo anjo esclarece acerca da concepção virginal do Salvador: José poderia ter hesitado em crer em coisa tão extraordinária; acreditou firmemente com a simplicidade de seu coração. Por sua simplicidade e sua humildade ele ascende às alturas de Deus.
A obscuridade não tarda a reaparecer: José era pobre antes de ter recebido o segredo do Altíssimo; torna-se mais pobre ainda, observa Bossuet, quando Jesus vem ao mundo, pois vem com seu despojamento e desapegado de tudo para unir-se a Deus. Não há lugar para o Salvador na última das hospedarias de Belém. José deve ter sofrido por não ter nada para dar a Maria e seu Filho.
Sua confiança em Deus manifesta-se na provação, pois a perseguição começa pouco depois do nascimento de Jesus. Herodes quer matá-lo. O chefe da Sagrada Família deve esconder Nosso Senhor, partir para um país longínquo, onde ninguém o conhece e onde não sabe como poderá ganhar a vida. Ele parte, pondo toda a confiança na Providência.
Seu amor de Deus e das almas não cessa de crescer na vida escondida de Nazaré, sob a constante influência do Verbo feito carne, lar de graças sempre novas e sempre mais altas para as almas dóceis que não põem obstáculo naquilo que Ele lhes quer dar. Dissemos mais acima, a propósito do progresso espiritual de Maria, que a ascensão dessas almas é uniformemente acelerada, quer dizer, elas voltam-se tanto mais ligeiramente para Deus quanto mais d’Ele se aproximam ou quanto mais são atraídas por Ele. Essa lei da gravidade espiritual das almas justas se realiza em José; a caridade não cessa de crescer nele cada vez mais prontamente até a morte; o progresso de seus últimos anos foi muito mais rápido do que o dos primeiros anos, pois, encontrando-se mais perto de Deus, era mais fortemente atraído por Ele.
Com as virtudes teologais cresceram também incessantemente nele os sete dons do Espírito Santo, que são conexos com a caridade. Os dons de inteligência e de sabedoria tornaram-lhe viva a fé viva, e, cada vez mais encantada, sua contemplação voltava-se para a infinita bondade do Altíssimo, de modo muito simples, mas muito elevado. Foi, em sua simplicidade, a contemplação sobrenatural mais alta depois da de Maria.
Essa contemplação amorosa lhe era muito doce, mas lhe pedia a mais perfeita abnegação e o mais doloroso sacrifício, quando se lembrava das palavras do velho Simeão: “Essa criança será um sinal de contradição”, e das que disse a Maria: “E a vós uma espada vos traspassará a alma.” A aceitação do mistério da Redenção pelo sofrimento aparecia a José como a consumação dolorosa do mistério da Encarnação, e ele precisava de toda a generosidade de seu amor para oferecer a Deus, em sacrifício supremo, o Menino Jesus e sua santa Mãe, aos quais ele amava incomparavelmente mais do que a sua própria vida.
A morte de São José foi uma morte privilegiada; como a da Santíssima Virgem, foi, como diz São Francisco de Sales, uma morte de amor27. Ele admite também, com Suárez, que José estaria entre os santos que, segundo São Mateus (27, 52 e ss), ressuscitaram depois da ressurreição do Senhor e se manifestaram na cidade de Jerusalém; e sustenta que essas ressurreições foram definitivas e que José entrou no céu de corpo e alma. São Tomás é muito reservado quanto a este ponto: depois de ter admitido que as ressurreições que se seguiram à de Jesus foram definitivas (in Mt 27, 52, e IV Sent., 1, IV, dist. 42, q. 1, a. 3), mais tarde, examinando as razões inversas dadas por Santo Agostinho, achou que estas eram muito mais sólidas (cf. IIIª, q. 53, a. 3, ad. 2).
O atual papel de São José na santificação das almas
Tanto o humilde carpinteiro teve uma vida escondida na terra quanto é glorificado no céu. Aquele a quem o Verbo feito carne foi submisso aqui em baixo conserva no céu um poder de intercessão incomparável.
Leão XIII, na encíclica Quamquam pluries, encontra na missão de São José em relação à Sagrada Família “as razões por que ele é o padroeiro e protetor da Igreja Universal… Assim como Maria, Mãe do Salvador, é Mãe espiritual de todos os cristãos… assim a José lhe foi confiada a multidão dos cristãos… Ele é o defensor da Santa Igreja, que é verdadeiramente a casa do Senhor e o reino de Deus na terra.”
O que impressiona nesse papel atual de São José até o fim dos tempos é que ele une admiravelmente prerrogativas aparentemente opostas.
Sua influência é universal sobre toda a Igreja, que ele protege, e no entanto, a exemplo da Providência, se estende aos menores detalhes; “modelo dos operários”, interessa-se por cada um que lhe implora. É o mais universal de todos os santos pela sua influência e faz encontrar um par de sapatos a um pobre que os esteja precisando.
Evidentemente, sua ação é sobretudo de ordem espiritual, mas estende-se também às coisas temporais; é o “sustentáculo das famílias, das comunidades religiosas, a consolação dos infelizes, a esperança dos doentes”.
Vela pelos cristãos de todas as condições, de todos os países, pelos pais de família, pelos esposos, como pelas virgens consagradas; pelos ricos, para lhes inspirar uma distribuição caridosa de seus bens, como pelos pobres, para socorrê-los.
Está atento aos maiores pecadores como às almas mais avançadas. É o padroeiro da boa morte, o das causas desesperadas, é terrível para com os demônios que parecem triunfar, e é também, diz Santa Teresa, o guia das almas interiores nas vias da oração.
Ele tem em sua influência um reflexo maravilhoso da “Sabedoria divina que atinge com força de uma à outra extremidade do mundo e dispõe tudo com doçura” (Sb 8, 1).
O esplendor de Deus esteve e permanece eternamente sobre ele; a graça não cessou de frutificar nele, e ele quer que dela participem todos os que aspiram verdadeiramente à “vida escondida em Deus com Cristo” (Col 3, 3.).
(Capítulo VII do livro A Mãe do Salvador e seu amor por nós. Tradução: PERMANÊNCIA)
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1. Sermo in Nativitatem Virginis Mariæ, IVª consideratio.
2. Sermo I de S. Joseph, c. III. Opera, Lion, 1650, t. IV, p. 254.
3. Summa de donis S. Joseph, 1522, nova edição do p. Berthier, Roma, 1897.
4. In Summam S. Thomæ, IIIª, q. 29, disp. 8, sect. I.
5. Sermone de S.Giuseppe. Discorsi morali, Nápoles, 1841.
6. Saint Joseph intime, Paris, 1920.
7. Tractatus de S. Joseph,Paris, s.d. (1908).
8. La Grandezza di San Giuseppe, Roma,1927, pp. 36 ss.
9. Epist. Encíclica “Quanquam pluries”, 15 de agosto de 1899.
10. Ainda não o estava na época em que este livro foi escrito. [N. do T.]
11. Cf. Santo Tomás, IIIª, q. 7ª, 9.
12. Cf. ibidem, q. 27, a. 5.
13. Cf. ibidem, IIª IIæ, q. 1, a. 7, ad. 4.
14. Cf. Santo Tomás, Iª, q. 94, a. 3.
15. Cf. Dic. Teol. Cat., art. José (São), col. 1518.
16. Homil. II super Missus est, prope finem.
17. Sermo I de S. Joseph.
18. Summa de donis sancti Joseph (obra muito louvada por Bento XIV), Paris IIIª, c. XVIII. Todo esse capítulo expõe a superioridade da missão de São José sobre a dos Apóstolos. – Ver também ibidem, c. XVII: “De dono plenitudinis gratiæ (in S. José).”
19. In Summum S. Thomæ, IIIª, q. 29, disp. 8, s. 1.
20. Cf. Mons. Sinibaldi, La grandessa di San Giuseppe, Roma, 1927, pp. 36 ss.
21. Cf. Santo Tomás, IIIª, q. 24, a. 1, 2, 3, 4.
22. Primeiro panegírico de São José, 2° ponto, ed. Lebarcq, t. II, pp. 135 ss.
23. Cf. Bossuet, ibidem, preâmbulo.
24. Segundo panegírico de São José, preâmbulo.
25. Primeiro panegírico de São José, preâmbulo.
26. Segundo panegírico de São José, 3° ponto.
27. Tratado do amor de Deus, I. VII, cap.XIII.