Segunda acusação contra a FSSPX: ausência de regularidade canônica. Continuação do primeiro post: D. LEFEBVRE, CAUSA DA CRISE NA IGREJA?
Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est
Haveria pouco a dizer sobre a prosa do Cônego Albert Jacquemin se não fosse pelo fato de que ele faz duas afirmações surpreendentes.
Pouco há a dizer, porque o bom cônego se contenta em repetir – usque ad nauseam – todos os argumentos sofísticos que negariam a D. Lefebvre a legitimidade do ato que realizou em 30 de junho de 1988.
Sagrar um bispo sem um mandato do Papa, e mesmo in casu contra a sua vontade explícita, constitui uma violação à primazia de jurisdição do Romano Pontífice, a quem pertence o direito exclusivo de instituir bispos livremente (p. 18).
O que falta aqui é a distinção crucial que seria de se esperar, e que D. Lefebvre teve o cuidado de tornar explícitar no Sermão proferido durante as sagrações em Ecône. “Sagrar um bispo, sem mandato do Papa, ou mesmo in casu contra sua vontade explícita “constitui” uma violação “de direito ou de fato” à primazia de jurisdição do Romano Pontífice“? Se se tratar de uma violação de direito, isso significa que a exceção nunca é possível e que nenhuma circunstância pode justificar tal ato. Se se trata de um ataque apenas de fato, isso significa que a exceção é possível, mesmo que seja rara e mesmo que seja justificada em uma circunstância excepcional: embora na maioria dos fatos haja violação à primazia do Papa, pode não haver uma violação em um fato isolado.
A questão toda, então, é saber em que título…
”…o poder de instituir ou confirmar um bispo sempre pertence propriamente ao Romano Pontífice ” (p. 18).
Se esse poder pertence ao Papa em virtude de um direito divino, então sim, nunca é legítimo sagrar um bispo contra a vontade explícita do Papa – da mesma forma que nunca é legítimo (mesmo em casos de necessidade, quando a vida comum dos cônjuges se torna fonte de sério prejuízo) dissolver um matrimônio validamente contraído e legitimamente consumado. Haveria aqui uma violação de direito (ao colocar em questão o próprio princípio) à primazia do Papa. Se esse poder pertence adequadamente ao Papa em virtude de um direito eclesiástico, então não, nem sempre é ilegítimo sagrar um bispo contra os desejos explícitos do Papa – da mesma forma que nem sempre é ilegítimo para um menor contrair um matrimônio contra o conselho de seus pais. Haveria aqui apenas um ataque de fato, devido a uma circunstância particular, a esta primazia do Papa. O que se verifica na maioria dos casos nem sempre é verdade, pode haver exceções. Anular o preceito da lei eclesiástica não é, em si mesmo, colocar em questão o princípio da primazia do Papa, tal como definido e imposto pela lei divina.
O ponto crucial da objeção que nos foi feita, portanto, está aqui: é ou não é um direito divino que o poder de sagrar um bispo dependa da vontade explícita ou implícita do Papa? Os canonistas respondem que não se trata de um direito divino. O Pe. Félix Cappello, por exemplo, diz em seu Tractatus canonico-moralis de sacramentis, vol . IV “De sacra ordinatione”, Marietti, 3ª edição, 1951, n.º 320, p. 215–216, que esse direito não surgiu antes do século XI e que se aplica apenas à Igreja Latina. E a violação do primado do Papa está tanto menos em jogo aqui quanto, como D. Lefebvre afirmou claramente, esse fato das sagrações episcopais exclui absolutamente a concessão de qualquer jurisdição e de forma alguma pretende separar-se de Roma para constituir uma espécie de Igreja paralela.
A surpreendente dupla afirmação é, portanto, a seguinte:
Um cisma, para um católico, não consiste em não reconhecer a autoridade do Romano Pontífice, mas na recusa deliberada e voluntária, por um ato externo, de se submeter a ela (cânon 751) (p. 18).
O que diz o cânon 751 do Código de 1983?
Cânon 751 – Cisma é a recusa de submissão ao Sumo Pontífice ou de comunhão com os membros da Igreja que lhe estão sujeitos.
O cânon não especifica em que consiste a recusa da submissão, mas todos os teólogos fazem a distinção entre desobediência (que é a recusa do ato de submissão) e cisma (que é a recusa da autoridade que é o princípio do ato de submissão). Surpreendentemente, o Cônego Jacquemin aqui parece reduzir o cisma à desobediência, ou confundir os dois.
O cônego, então, distingue entre o cisma e um ato de natureza cismática:
O decreto de excomunhão, em 1º de julho de 1988, declarou que D. Lefebvre não cometeu um cisma, no sentido de um cisma consumado, mas “uma ação em si mesma de natureza cismática” da qual poderia resultar um cisma consumado. No motu proprio Ecclesia Dei, em 2 de julho de 1988, João Paulo II denunciou um ato de “desobediência ao Sumo Pontífice em uma questão gravíssima e de capital importância para a unidade da Igreja. […]. É por isso que tal desobediência, que em si mesma constitui uma verdadeira recusa da primazia do Bispo de Roma, constitui um ato cismático” (ED, 3); desobediência, recusa da primazia do Papa, todos elementos que carregam consigo uma orientação natural para o cisma.
Ora, o cisma é um ato (não um poder ou um habitus, exceto por analogia de atribuição e no sentido de um estado de cisma). Precisamente, o cisma é um ato de natureza cismática… como o bom Pierre Larousse gostaria de defini-lo! E o ato leva ao estado. Surpreendentemente, o Cônego Jacquemin parece ler o decreto e o Motu proprio de João Paulo II de uma forma que não é totalmente clara. Mesmo se se aceitar a distinção entre o ato de cisma e o estado de cisma, o último parece ter sido estigmatizado pela Santa Sé, tanto quanto o primeiro, pelo menos a longo prazo.
De qualquer forma, permanece o fato de que a realidade canônica está separada da realidade teológica, que deveria servir como seu fundamento. O direito canônico é, de fato, destinado pelo legislador a determinar as condições necessárias para a unidade da fé e do culto, e são essas condições que o ato de D. Lefebvre pretende salvaguardar ao realizar a sobrevivência da Tradição.
Pe. Jean-Michel Gleize, FSSPX
Continua…