Essa criança constantemente preocupada em mostrar as suas qualidades, inclinada a exagerar o seu valor e a fingi-lo quando não existe, a chamar atenções sobre si, sempre disposta a aparecer e ser notada, e que chega a tomar atitudes singulares no andar, na fala, nos gestos, é, sem dúvida alguma, uma criança orgulhosa.
Seu grande cuidado é impor-se à consideração alheia, salientar-se onde se encontre, estadear suas “altas qualidades”, da inteligência privilegiada aos cabelos bem penteados, da bonita voz aos vestidos, dos “variados” conhecimentos às habilidades esportivas.
Seu orgulho pode tomar variadas formas, mas ao termo refere tudo a si, e a si o atribui consciente ou inconscientemente, merecida ou imerecidamente. Na sua sede e louvor, louva-se quando ninguém a louva; e até de defeitos se gaba, quando já não há qualidade e virtudes a realçar.
Outras vezes, conforme as circunstâncias, finge qualidades que não têm, jacta-se do que não fez, excede-se nas medidas e nos modos, sem perceber o descrédito a que se lança, e o ridículo que se avizinha.
Ainda bem quando, para engrandecer-se, não desmerece a outrem nem o despreza.
O paranóide
Não é o orgulho simples, a vaidade infantil (mais tangida por adultos), a bobice da menina que exibe os cachos de cabelo ou do menino que mostra a força física. É o ensimesmado, permanentemente voltado para si, supervalorizando-se em tudo, egoísta profundo, centro do mundo, convencido de sua superioridade, que ele procura manter, exagerando seus merecimentos e diminuindo os alheios.
Presunçoso, sabe tudo, nada precisa que lhe ensinem, profere sentenças, reputa ignorantes os que não o aplaudem, quer sempre dar a última palavra nas discussões, porque não admite que contra ele possa alguém ter razão. Discute até com os professores, e, como não os pode calar, gritar-lhes ou ridicularizá-los (como faz aos colegas), explica depois aos companheiros que “o professor se enganou“.
E para sempre ter ocasião de exibir-se, cultiva a mania de oposição, atacando o que outros louvam, ou louvando o que atacam, sem qualquer preocupação de coerência.
Para sustentar a falsa posição em que se coloca, amplia insignificantes vantagens reais, deforma os fatos em seu favor, completa-os com a imaginação, ou simplesmente entra na fabulação em que figura como herói, predestinado, necessário.
Inadaptado, hipersensível, não estabelece duradoura harmonia senão com os que se lhe sujeitam e reconhecem sua superioridade. Brigão, desobediente, insubordinado em casa e na escola, faz praça de sua indisciplina, reputando fracos os que odebecem (“porque não têm força de vontade“). É freqüentemente também terror da vizinhança.
Insatisfeito quando não é o primeiro, taxa de injusta as notas escolares, acusa os mestres de parciais, reputa-se perseguido quando não vence, gosta de dominar nos jogos, sempre pronto a agravar as faltas alheias e desculpar as suas, embora mais graves e mais freqüentes.
O retrato é severo, mas fiel. Mercê de Deus, pouco freqüente com todos os característicos apontados. Mais encontradiços são os tipos atenuados, com alguns desses sinais, notando-se sempre a tendência à dominação, a mania de grandeza, a preocupação de transformar em escravos os que o rodeiam, e a facilidade de explodir à mínima contrariedade.
Trazendo do berço a constituição, manifesta-a desde pequenino, mas é na idade escolar e na adolescência que ela se pronuncia com mais clareza.
Fontes do orgulhoso
– Procede o orgulho do amor-próprio, que, sendo tão necessário e valioso em nossa vida, pode degenerescer nesses excessos.
– Manifesta-se em pessoas medíocres e inteligentes; mas nestas revela falta de reflexão: pensando melhor no valor das coisas, mais se encontrar razões para a humildade que para o orgulho.
– Bem analisado, o orgulhoso denuncia sentimento de inferioridade. De fato, quem tem real valor não precisa trombeteá-lo: depressa ele será reconhecido; e quem tem valor, não há por que fingi-lo; se é grande não precisa exagerar; quem está certo de sua superioridade, até se vexa de alegá-la; e aquele que se gaba, é que não confia em si.
– Revela também o orgulhoso grande ignorância do real valor das coisas, prezando o que pouco ou nada vale e cedo fenece, o que lhe foi gratuitamente dado por Deus, e de que nenhum merecimento tem, ou aquilo que nada representa de valor humano.
Os motivos
Os mais freqüentes motivos do orgulho são:
– dotes físicos, que variam segundo a idade e o sexo;
– a inteligência, com a qual confundem também a memória e mesmo simples habilidades manuais;
– a riqueza, com as facilidades que proporciona à criança que a separam das menos afortunadas;
– a posição social, que enche de empáfia sobretudo os filhos dos figurões que perguntam aos “plebeus” se “sabem com quem estão falando“;
– a família, cujo renome tradicional se cultiva através de sucessivos “varões assinalados”;
– finalmente os êxitos pessoais, únicos que na verdade revelam às vezes algum esforço e valor.
O ambiente
A natureza da criança orgulhosa é freqëntemente ajudada pelo meio em que vive. Os pais
– a mãe especialmente – não se cansam de louvar-lhe a beleza e a inteligência.
Compreende-se e aplaude-se que sejam encantados com os filhos; mas também se exige que sejam discretos, para não prejudicá-los. Quando a criança é realmente encantadora, parece maiores perigos: ninguém resiste ao gosto de provar-lhe e elogiar-lhe as graças.
Que Deus as proteja!
Os pais fomentam
– Há pais que não sabem pôr termo à sua vaidade: vão das gracinhas dos pequeninos ás exibições de inteligência dos escolares.
“Vá buscar o seu boletim para me mostrar“.
“Diga as capitais dos estados do Brasil“.
“Vamos fazer uma viagem de navio em redor da Terra“.
“Quais são os presidentes da República, com as suas datas“.
E as visitas se desfazem em louvores, mesmo avaliando a quanto custo foi aquilo estereotipado.
– Outros compram, a peso de elogios, a magra obediência dos filhos.
“Vá, meu bem; uma menina bonita como você não desobedece ao papai.” Ou: “um menino inteligente como você“…
Subversão de valores
Parte freqüentemente o orgulhoso de errada noção de valores. A mãe, excessivamente preocupada com vestes, o pai a gabar-se de que foi convidado para jantar com o ministro tal, dão aos filhos eficazes lições de … vaidades. A pobre senhora que vive em cafés “soçaites”, exibindo futilidades, fruindo os sucessos de que jornais e revistas estampam os clichês, só por milagre pode ver a filha em caminhos de modéstia e bom senso.
– Na exurria de concursos de beleza, rainhas de fancaria e desfiles de modas, vão as meninas perdendo a hierarquia dos valores e sendo arrastadas nas exibições em que as mães, insensatas, as precipitam sem perceberem o mal que lhes fazem.
E fazem também a si, porque, mais tarde, serão elas mesmas as vítimas da desobediência, da arrogância, da falta de senso dessas filhas “educadas” assim. Em vão procurarão fazer valer a sua autoridade: ela está enfraquecida, senão anulada; e no espírito dos filhos não há condições para a desejada ressonância.
Orientar o orgulhoso
O intuito do educador não é destruir o orgulho: como todas as paixões, ele é uma força necessária, restando-nos moderá-lo e orientá-lo no sentido do bem. O brio, a estima de si, o cuidado do bom nome, (“Cuida de teu bom nome, pois esse bem te será mais estável que mil tesouros grandes e preciosos” – Ecl. 31,15) o apreço à dignidade pessoal, o sentimento de honra, as tradições de família encontram forte estímulo num comedido orgulho.
Este será para crianças e adolescentes fácil apoio, de que se libertarão aos poucos, na medida em que o espírito amadurecer e se firmar em valores mais altos e definitivos.
– Há mesmo um nobre orgulho a cultivar nas crianças, como o de uma família bem constituída e feliz, da felicidade da fé católica …
– Bem orientado, o orgulhoso será um líder – e a formação de líderes é premente necessidade da pátria. Pôr a serviço do próximo esses pequenos ambiciosos de glória será expediente valioso. As obras sociais de realização imediata, as organizações religiosas, a ajuda às missões, etc., ser-lhe-ão agradáveis. Os esportes são derivativo.
Hierarquizar os valores
Dar às crianças o justo valor das coisas é cuidado perene na educação: – beleza, força, habilidades são demasiado perecíveis; roupas e dinheiro nem sequer fazem parte de nossa pessoa; posição social e riqueza mais nos dão responsabilidade que honras: mais nos obrigam a ajudar o próximo;boa família aumenta-nos os compromissos, pois temos de mostrar-nos à altura dela.
“Somos fillhos de santos e não devemos viver como pagãos que não conhecem a Deus“. (Tob 8,5)
Não formentar o orgulho
– Evitem os pais os elogios aos dotes físicos das crianças; e quando estranhos os fizerem, ponderem que mais valem as qualidades morais, pois as pessoas valem não pela beleza, pela força ou pela inteligência, mas por suas virtudes;
– elogiem o uso das faculdades, o esforço feito, mas o façam com discrição, sem lisonja, emulando para o dever, porque pequenos e discretos elogios são por vezes proveitosos ou mesmo necessários;
– ensinem a prelibar a alegria de consciência que fez o bem, cumprindo o dever, ajudando o próximo, praticando a virtude: não há elogios nem prêmios que valham essa íntima satisfação;
– mostrem-lhes sobretudo que nós valemos o que somos aos olhos de Deus, e não nos modificam os juízos jumanos: “Pouco se me dá de ser julgado por vós ou por tribunal humano. Meu juiz é o Senhor“. (I Cor 4,3-4)
Assim, aos poucos, irão corrigindo as crianças orgulhosas.
Falar ao bom-senso
É preciso chamar a atenção do orgulhoso:
– mostrar-lhe a sem-razão da vaidade, o ridículo a que conduz, a humilhação que pode produzir;
– ponderar que mais se preza a pessoa modesta e simples que a emproada e soberba;
– falar-lhes a sós, bondosamente, apontando-lhe os erros que comete, tratando-o com mansidão mas com firmeza, sem humilhá-lo porque então se revolta, mas sem escusá-lo (ele se defende muito bem).
A sanção natural
Quando a criança vaidosa se vir nalgum embaraço por suas gabolices ou exibições, convém deixar que amargue, sem socorrê-la por muito que isto custe: aí está uma punição forte e natural. Depois o educador lhe falará a respeito.
Recursos sobrenaturais
Nós, cristãos, temos os elementos sobrenaturais da educação, e não podemos esquecê-los:
– as numerosas lições de humildade que nos deu Cristo. (ver: Mt. 11,29; Mt. 18,4; Lc. 14,14; Mt. 8,8; Lc. 18,14 e Mt. 8,10)
– os perigos espirituais que nos acarreta o orgulho, porque “Deus resiste aos soberbos, e dá sua graça aos humildes”. (Tg. 4,6), e a soberba é uma fonte de numerosos pecados;
– o cuidado de fazer todas as coisas para glória de Deus, e não para nossa glória, porque o Senhor é o princípio e o fim de todas as criaturas (reta intenção);
– o exame de consciência até diário (e não apenas para as Confissões), procurando não somente as faltas mas também suas causas, encerrando-o com a detestação e o propósito de evitá-los;
– a freqüente oração, para pedir a Deus a graça de resistir às tentações e de praticar uma sincera humildade;
– a prática dos Sacramentos da Penitência, que nos purifica, e da Eucaristia, que nos dá forças.
Corrija o seu filho – Pe. Álvaro Negromonte