COMO EDUCAR A CRIANÇA QUE FALTA À VERDADE? – PARTE 1

ment1Mentir é falar contra o que se pensa, com intenção de enganar. Quem falta à verdade por não conhecê-la, erra; mas não mente. Quem mistura os fatos com cenas da imaginação, por falta de idade (ou por excesso…), não mente: altera a verdade.

O teor prático do nosso estudo não discutirá se as crianças são naturalmente verdadeiras ou mentirosas. Se umas vezes elas nos vexam com suas fraquezas, outras são incapazes de repetir o que vêem e ouvem sem misturá-lo a seus desvaneios.

Ao educador o que mais importa é distinguir dos naturais enganos infantis as verdadeiras mentiras, conhecer-lhes as causas, saber como haver-se em face de uns e das outras.

Mentiras infantis

Ante a inverdade duma criança, nosso primeiro cuidado é indagar-lhe a causa, para nos inteirarmos da verdadeira situação da criança, avaliar a sua condição psíquica ou moral, e proporcionar-lhe os meios de cura…. Vejamos por que mentem as crianças e como acudi-las.

Medo

A)Eis a mais abundante fonte da mentira infantil. O Dr. Gilbert Robin (“L’enfant sans défauts“) cita o resultado de um inquérito entre escolares na França: o medo figura com 72,9%, enquanto o interesse apenas com 7,6%, a ficção com 3,5%, e a maldade (como o altruísmo) com 2,6%. Afora outras causas.

Já de si é a criança insegura; muitas vezes, tímida o intimidável. Quando os pais são inclinados a castigar com freqüência e severidade ela, numa justificada atitude de defesa, nega as faltas cometidas. Desenganem-se os que apelam para a dureza, na ilusão de corrigir os filhos: conseguem apenas multiplicar os males. Da criança que desobedeceu, bateu num colega, quebrou uma vaso, enguiçou a radiola, etc., farão também a mentirosa.

B)Procurem corrigir por meios suaves. Mostrem calma e compreensão. Convivam com os filhos, em relações de respeitoso e terno amor. Isto não significa fraqueza: a criança o compreenderá, se os pais souberem manter-se. Saibam ouvir, ponderar, discernir. Perdoem muita coisa, em vista da fraqueza da criança, para que ela veja que vale a pena ser leal.

Suprime-se, assim, a mais freqüente causa da mentira.

Interesse

A)Mesmo tratadas com brandura e compreensão, há crianças que mentem por interesse. Para alcançar dos pais o que de outro modo não alcançariam. Para sair da escola mais cedo. Para manter um bom nome: negam faltas cometidas, mesmo que sejam usuais castigos fortes. Etc.

Tornam-se, às vezes, irritantes: apanhadas em flagrante, negam o que as vimos fazendo. Dão explicações esfarrapadas, contraditórias.

B)É preciso revestirmo-nos de imensa calma ante casos assim. Não podemos deixar que elas nos julguem cúmplices de suas atitudes; mas não podemos ceder à irritação. A correção acertada exige calma e autodomínio.

– Alarmam-se os pais, pensando em falta de senso moral, irresponsabilidade, cinismo. Não; a criança revela antes, como diz René Allendy, no seu excelente “L’enfance méconnue“, “a falta de lógica do ato, e, portanto, seu caráter reflexo ou instintivo“.

Compensação

A)Inventam as histórias mais inesperadas. Muitos pais não acreditam que aquilo lhes seja convicção. É outro mundo no qual se refugiam, batidas das realidade em que vivem.

– Maus alunos, alardeiam-se os primeiros da classe.

– Gabam-se – pobrezinhos! – de passar a queijo, doces e frutas caras.

– Dizem-se órfãos, sem o serem.

– Sendo já crescidos, “promovem-se” a séries adiantadas, quando estão ainda nas primeiras. E assim por diante.

Sentem-se insatisfeitos com sua realidade exterior ou íntima. Buscam no irreal o apoio que lhes falta. Suas inverídicas histórias de grandeza, riqueza, êxito ou liberdade resolvem-lhes as tensões ou carências psíquicas ou materiais.

B) Um educador avisado, em lugar de dizer: “Um menino deste tamanho não tem vergonha de mentir assim“, deve perceber que a criança está procurando (o mais das vezes, inconscientemente) uma compensação pela “vida infeliz” que leva… Vive de “faz de conta”; faz-de-conta que é a primeira da aula, que se alimenta bem, etc. Então, vejam os pais como isto é grave: há filhos que desejam ser órfãos…
– Que haverá na base dessas mentiras? São compensações de que? Em face de embustes assim, importa distinguir a causa (que é legítima) do meio (ilegítimo) a que a criança recorre. E encaminhar o problema por outros rumos, de modo prático e cordial.

Sugestão

A) Desgostam profundamente aos pais as mentiras dos filhos… Dir-se-ia que a mentira é… privilégio de adultos. Sim, porque, censurando tanto as mentirinhas infantis, dão os mais eficazes exemplos de enganos, simulações e descabidas “restrições mentais“.
– Mentem os pais por comodismo, interesse e esperteza comercial. Mentem as mães diminuindo a idade, exagerando o custo das jóias, encobrindo os malfeitos da família. Impregnam de mentira o ambiente doméstico.

– Ensinam aos filhos como devem mentir: “Como é que vai dizer?” Obrigam-nos a mentir: “Diga que eu não estou em casa.” Freqüentemente os enganam. “Dê a boneca a ela que eu lhe dou outra“; e nunca deu. “Vamos passear“: e leva a criança ao dentista.

– Censuram-nos, quando falam a verdade. “Para que disse que eu estava? Idiota!” …
Depois, fingem de indignados, quando os filhos mentem. Ou se desagradam mesmo, esquecidos de que são culpados.

B) Importa dar sempre e em tudo o exemplo da verdade. Ser neste ponto mais que cuidadoso: escrupuloso.

– Eliminar a própria restrição mental, quando as crianças não são capazes de compreendê-la, para que não queiram usar dela também e indiscriminadamente…

Fantasia

A) O mundo da criança não é  o nosso. Ela tem o seu mundo, no qual as nossas realidades figuram deformadas, acrescidas, enfeitadas pela sua imaginação. Esse seu mundo gira em torno dela (egocentrismo), mesmo porque foi criado por ela…

Falta-lhe objetividade – que falta tantas vezes aos próprios adultos. Contando o que viu ou ouviu (sobretudo quando isso a emociona), mistura o real e o imaginário, sem saber discerni-los. E modifica a narrativa, cada vez que a repete, segundo os caprichos da fantasia, com a maior sem-cerimônia, cedendo às impressões subjetivas com inteira liberdade. As minúncias ou lhe escapam de todo ou tomam mais proporções que superam o principal.

Chamar por isso às crianças de mentirosas é xingar, de uma só vez, todos os romancistas e teatrólogos do mundo. Acusá-las de estarem convencidas, enquanto os outros sabem que inventam, é-lhes mais defesa que acusação. E, às vezes, os adultos, que estragam ou censuram as crianças que tomam o imaginário como real, são os mesmos que choram lendo romances e vendo filmes…

B) Dizem que a diferença entre um louco e uma criança é que o tempo cura à criança e nem sempre ao louco. Aqui o tempo a melhor terapêutica. Com a idade vai passando a fase fantasiosa, chega aos poucos a objetividade, aumenta paulatinamente a capacidade de perceber e comparar, amplia-se o campo da objetividade, enquanto diminui a defeituosa apreensão dos fatos e das coisas.

– Mas o educador ajudará suavemente a idade: ensinando a verdade; fazendo pequenas e freqüentes chamadas à realidade.Sem fixação no real, a criança baralha os acontecimentos, nega o que disse há pouco, inventa novas circunstâncias.

Ex: O Jorginho, de 6 anos, contando os passeios que fizera a Paquetá e ao Jardim Zoológico, disse que, neste, viu cavalos. Retificou depois que vira os cavalos em Paquetá, e negou ter dito que os viu no Zoológico. Tínhamos gravado a conversa, que lhe foi dada a ouvir para que se convencesse do seu engano. Pudera! Ele se explicou: “Eu não disse isso, não.” E apontando o gravador: “Ele se enganou“…

Por isso, alguns pedagogos chamam a essas narrativas “alterações da verdade“, porque lhes falta o desejo de enganar, que é o colorido próprio da mentira.

– Outras vezes, estamos em face de poetas e romancistas… Criam histórias maravilhosas e inverossímeis. Guardam-lhes os episódios. Explicam o que reputamos difícil. Irritam-se, quando duvidamos de sua narrativa. Inventam novas circunstâncias, quando se vêem em perigo.

Ex: O mesmo Jorginho conta como o pai cria uns índios em casa. A tia, que conhece a casa, pergunta em que quarto. Apertado, ele localiza os índios na garagem. Disse-lhe o tio que ia ao Recife e queria ver os índios. Mas ele explica que não pode abrir a porta, senão eles saem. E a imaginação vai trabalhando.

Ex: “Papai, estão na sala mais de 100 homens procurando o senhor“, disse a filhinha anunciando uma comissão que chegara. Tranqüilamente, o pai lhe pediu: “Vá contar quantos homens são, e venha me dizer“. Volta a menina, meio sem graça: “São 8 homens, papai“.

Excelente lição. Não se falou em mentira, não se repreendeu nem humilhou a criança, mas se lhe ensinou a dominar as impressões e submeter-se à realidade.

– Esta fase, forte dos 5 anos 6 anos, declina em seguida, extinguindo-se geralmente aos 8, conservando resquício, às vezes, até os 10 anos.

– O educador ensinará à criança a ver, a observar, a precisar conjunto e minúcias. Educar a atenção e a memória: há exercícios interessantes, fáceis e eficientes para isto. O desenho e os trabalhos manuais são também valiosos neste particular.

– Foerster (“Instrucción ética de la juventud“) observa que o ensino da matermática se pode tornar excelente corretivo desta espécie de “mentira”. As exigências “exatas” dos números irão dando à criança o senso de medida, avaliação e precisão que lhe falta. Mas, para isto é preciso que a escola tenha a preocupação de educar, e não apenas de dar os programas.

Corrija o seu filho – Pe. Álvaro Negromonte