Outras causas
A esses conflitos afetivos prendem-se os furtos por inveja e ciúme, e principalmente por vingança: crianças que querem privar os pais de objetos que lhe são úteis ou queridos, ou querem desgostá-los, sabendo o desagrado que lhes causam seus furtos. Então, procuram, às vezes, inutilizar os objetos furtados, com evidente desejo de vingar-se.
Relacionemos igualmente aqui o chamado furto generoso ou altruístico, que se encontra também nos adultos, mas que na criança representa mais freqüentemente a compensação pela falta de afeto: ela, com presentes, procura entre colegas, a estima que julga lhe negarem seus pais e mestres. Alguns o praticam por vaidade, ou também compensando-se de uma situação de inferioridade.
Por sugestão
Depois dos conflitos íntimos, creio que a causa mais constante dos furtos infantis é a sugestão. O ambiente é contagioso. Raríssimos, em toda a humanidade, lhe escapam ao influxo. Mais que os adultos, cedem facilmente as crianças à força do exemplo, das palavras, da vida doméstica. Desgraçadas daquelas que não têm no lar sadia atmosfera moral.
Se não é muito alto o padrão de honestidade dos pais, instala-se nos filhos uma deformação que só a muito custo se corrigirá. Raros mandarão, expressamente, os filhos roubarem; muitos, porém, o farão de outras maneiras:
– quando a mãe conta que recebeu o troco a mais, ou que o caixeiro não incluiu na conta tal mercadoria, e ela deixou-se estar;
– quando o pai se gaba do “alto negócio” em que conseguiu enganar a vítima;
– quando o titio fanfarrona suas negociatas; estão ensinando as crianças a serem desonestas.
Quando, à vista dos menores, diz-se que Fulano seria um tolo se não tivesse enriquecido no cargo público que exerceu;
– quando se repete que hoje basta furtar para enriquecer;
– quando se louva o governante que entrou para o governo pobretão e saiu nababo; é lição de desonestidade que se está dando.
Já é demais o ambiente de desonestidade triunfante da sociedade, e o educador deve esforçar-se por desfazê-lo e não reforçá-lo. Cedem também facilmente à sugestão do grupo. Se o grupo a que se filia o menor é dado a essas práticas é quase certo que ele se perverterá.
Como alhures, também aqui são lamentáveis conseqüências os filmes e as histórias de quadrinhos em que se glorifica o roubo sob suas várias modalidades.
Aventuras
Meninos, pré-adolescentes, furtam por espírito de aventura. Divertem-se com aquilo. Contam suas peripécias com gosto, vivendo-as, transbordantes. Como os caçadores. Um esporte apenas.
Doença
Os que furtam por doenças são muito raros. Outros talvez conheçam casos de cleptomania em crianças; não os conheço. Em adultos, sim, embora poucos. A pessoa se sente impelida por força a que não pode resistir. O ato se impõe, consciente. A pobre criatura, às vezes, luta, mas sucumbe.
Alguns epilépticos e epileptóides sentem pronunciadas tendências ao furto. Crianças vítimas de sífilis, ou moléstias infecciosas que lhes atingiram o sistema nervoso central, ou portadoras de perversões instintivas e atrasos mentais, de instabilidade, apresentam, às vezes, essas tendências.
Providenciem imediatamente seus responsáveis os cuidados médicos e psico-pedagógicos indispensáveis pois não são casos para a simples educação doméstica. O mesmo lhes aconselho, quando se trata de pervertido. É também doente: contraiu o mal.
O primeiro cuidado
Apanhada a criança em furto, devemos guardar a maior calma, reprovar-lhe o ato, e fazer um exame da situação.
Pesemos as circunstâncias:
– Que idade tem?
– Sabe que estava “furtando”, ou apenas “tirou escondido”, mais por traquinada, por desobediência, do que por furto?
– Que furtou? (Isto é muito importante).
– Foi a primeira vez?
– O furto foi preparado, ou de improviso?
– Furtou sozinha ou acompanhada?
– Alguém sabia deste ou de outros furtos? Quem era? Por que furtou: para comer, para comprar comida, para guardar, para usar, para dar?
– Houve algum desentendimento mais ou menos recente com o dono da coisa furtada?
– Se é reincidente, que tem furtado? A quem? Para que?
– Vem a criança apresentando dificuldades noutros terrenos?
– Que explicação deu?
– De que modo foi interrogado: com calma (verdadeira, não fingida)? Ou com raiva?
– Mostra-se arrependida?
Não esqueçamos uma pergunta valiosíssima: Que aconteceu de importante em casa, que possa ter determinado essa atitude da criança? (Sim: não esquecer que a criança que furta, antes foi “furtada”). Coloquemo-nos mais do ponto de vista da criança que do nosso…
Que castigo dar?
Não, não é de castigo que a criança precisa; é de correção. Castigo já recebeu, e não pequeno, na vergonha de ser apanhada em furto. Os que pensam em castigá-la, e o mais severamente possível, em surrá-la de modo “exemplar”, esquecem (ou ignoram) que isto lhe vai apenas agravar o problema.
– Se a criança furtou por sentir-se em conflito interior, o castigo lhe aumentará o conflito.
– Julgava-se infeliz por não ser amada, e a surramos para mostrar-lhe— que a amamos?
– Mentimo-lhe quando não cumprimos nossas promessas, e queremos cumpri-las… com pancadas?
– O furto revela a insatisfação da criança, e para contentá-la… aumentamos-lhe as privações?
– Procurou a criança remédio a seus sofrimentos, e nós corremos a… aumentá-los no corpo e na alma?
Em nada disto pensam os pais. Preocupados com o bom nome da família, atiram-se contra a pobre criança, a batê-la e a maltratá-la com mil punições. E pasmam de ver que não veio a desejada correção. Nem podia vir. Pelo contrário, tanto mais infeliz se sente, mais procura compensar-se em novos furtos.
O furto já por si leva à reincidência: como a coisa furtada perece (o doce é comido; o dinheiro, gasto) ou não representa plenamente o que falta, a criança passa a procurar outra compensação. E como, às vezes, lhe vem o remorso e a angústia do mal que fez, a insatisfação se agrava, e ela sente necessidade de furtar mais. Se a isto acrescentarem mais castigos, negando-lhe ainda o afeto que procura, afligindo-a com recriminações, é claro que estimulam a reincidência, embora procurem precisamente o contrário.
Que fazer então?
Diga-se-lhe (com a maior calma e carinho) que fez mal, que o objeto vai ser entregue ao dono (sem outra atitude que possa humilhar mais a criança). E, em seguida, aquelas conversas, acima descritas como o primeiro cuidado.
Descoberta a causa do conflito, procure-se satisfazer a tendência fraudada – o que também há de ser feito com tato e prudência, para não se abrir a porta a outros abusos. E quando essa satisfação não for possível, fazer que a criança compreenda a sua situação, a fim de evitar-se a frustração e suas lamentáveis conseqüências…
Senso de justiça
Os meios para a formação do senso de justiça e honestidade são conhecidos. Dar exemplo de respeito aos bens alheios, nas grandes e pequenas coisas, e tanto com estranhos como com os da família, notadamente as crianças;
– falar sempre da honestidade como de excelente virtude, necessária à segurança e tranquilidade dos homens;
– inculcar o direito de propriedade como vantajoso e amável;
– infundir amor aos sentimentos nobres e à coragem moral;
– reprovar tudo o que fere a moral no que toca à propriedade, na esfera particular ou pública, em grandes ou diminutas proporções;
– desenvolver nos filhos o senso social, salientando quanto importam aos homens o conceito da dignidade pessoal e a confiança recíproca.
Nas famílias cristãs … salientar o Mandamento divino que manda não furtar (Ex 20,15);
– mostrar como o Senhor ordenou a punição do furto (Ex 21,16) e a restituição dos objetos furtados (Ex 22,1);
– contar o cuidado de Tobias, ao ouvir em casa o balido da ovelhinha, temendo fosse furtada (Tob 2,21). E nos exames de consciência com as crianças fazer a respeito uma pergunta, a fim de manter vivo e delicado o sentimento de honestidade.
A criança e o dinheiro
Deve-se, ou não, dar dinheiro às crianças? Sou dos que afirmam que sim, desde que elas sejam para isto preparadas. Antes do dinheiro, apresentemo-lhes o seu justo valor. É um meio universal de aquisição. Não será nunca o principal bem da vida: “Vale quem tem“; “Vale quanto tem“; “É gente de bem porque é rica“. Nunca! Mas é necessário, útil, agradável, e custa ganhá-lo. Não acrescento: “honradamente”, porque, em hipótese alguma admitiremos o contrário.
Em segundo lugar, sejamos prudentes e metódicos ao dar-lhes dinheiro. Se lhes dermos ora muito, ora pouco demais, segundo os caprichos nossos ou delas, desorientamo-las, e elas não acertarão o critério de bem avaliar o dinheiro.
Se dermos com leviandade, mandando que vão apanhá-lo na gaveta ou em nossa carteira, dar-lhe-emos a falsa impressão de que dinheiro é fácil, e é só meter a mão e tirar. Se o dermos somente para seus surpéfluos (… passeios, balas, sorvetes), acreditarão que quanto lhes dermos é para isso, e gastarão com surpérfluos tudo que receberem.
Sou partidário da mesadinha, em quotas semanais para os menores, quinzenais para os maiores que já tiverem melhor capacidade de controle. Feita a preparação da criança, dá-se-lhe certa quantia, explica-se-lhe em que há de ser gasta.
Primeiro, o necessário: lápis, caderno, cordão do sapato, donativo do culto, condução para a escola e a igreja, etc. (Se a criança é muito pequena, ainda não permitirá tantos necessários: dá-se menos).
No começo, controla-se mais de perto o gasto. Se a criança corresponde à confiança, alarga-se o controle. Se ela desperdiçou o dinheiro, e não o tem para o necessário, é preciso deixá-la sofrer a necessidade: irá a pé para a escola, ficará sem cordão no sapato até a próxima semana, etc. E na próxima semana tirará do seu surpéfluo para o necessário que não comprou na anterior.
Parece rigoroso, mas é educativo, e sem isto virão as facilidades perigosas. Em dias festivos, ou quando o pai tiver um luvro fora do ordinário (os filhos devem saber que recebeu segundo as possibilidades do pai), pode haver uma distribuição mais farta.
E o pecado?
Há o pecado material, isto é: o ato em si é matéria para pecado; mas haverá pecado formal? isto é: terá havido malícia de pecado – advertência e desejo de violar a Lei de Deus?
Para isto deve a criança ter um senso de propriedade, que nem sempre nela encontramos – mesmo porque não lho deram. As crianças tiram o que não lhes pertence, mais como desobediência aos pais do que como furto. Isto se observa no próprio modo de se acusarem: “tirar coisas escondido”.
Mesmo que se trate de quantias elevadas, ou objetos valiosos (que tanto impressionam os adultos), só lhes distinguem o valor na adolescência. Tiram o brinquedo de matéria plástica ou o anel de brilhantes, pois geralmente não medem os valores.
Quando a criança for à Confissão, é bom lembrar-lhe que confesse seu pecado, sem insistir nisto, para não lhe agravar a culpa, que se existir, Deus sabe que não é tão grave… Nas orações façam-na pedir a Deus a graça de não cometer qualquer pecado, mas não frisem o furto. Ensinem-lhe a resistir às tentações, não especificando também a sua especial fraqueza. Evite-se tudo o que pode fixar a mente infantil na falta que se quer corrigir.
Corrija o seu filho – Pe. Álvaro Negromonte