a) Pense na criança:
– ela é instável, de imensa mobilidade;
– o pequeno desenvolvimento da inteligência não lhe permite maior capacidade de reflexão – e não pesa o que faz;
– a vontade em formação é ainda fraca, e ela é tangida pelos instintos e pelo impulso dos interesses imediatos;
– seus horizontes limitados não lhe permitem ver longe, e ela mais se preocupa com o presente que com o futuro, mais com o pessoal que com o geral, mais com os prazeres que com a moral;
– as grandes forças que movem os espíritos verdadeiramente adultos deixem-na fria e imóvel, porque ela ainda não sente a beleza do dever, da consciência, da dedicação ou do sacrifício;
b)Saiba ceder:
– erros de criança não podem ser julgados com rigor;
– suas responsabilidades são limitadas à sua capacidade: ela é uma criança;
– se ela errou, pese as causas de seus erros antes de pensar em puni-los;
– lembre-se que um motivo que para nós é fútil ou inexistente, para ela é irresistível.
Ex: Pequeno de 9 anos chega-me apavorado. Saíra de casa para a Missa das 11, a última que então havia na cidade. Juntou-se aos meninos que acompanhavam um camelô de circo, e, quando caiu em si, estava no outro extremo da cidade. Correu para a igreja, mas a Missa terminara. Seria castigado em casa, se contasse singelamente a verdade. E o pior de tudo: o pecado mortal de ter faltado à Missa! Nunca lhe esquecerei a expressão de alívio quando lhe disse que não pecara (perdeu a Missa sem querer) e lhe propus telefonarmos à mamãe que ele almoçaria comigo. Aquela senhora, que mal lançaria um curioso olhar para o homem de pernas de pau, dificilmente compreenderia que ele arrastasse invencivelmente o seu filho por duas horas de caminhada a pé. Não é uma pena essa incompreensão em pessoas tão bem intencionadas?
– pense nas limitações da criança, nas tolices da idade;
– tratando-se mesmo de adolescentes, lembre-se de sua imaturidade, da facilidade porque se deixam levar por companheiros, da incapacidade para julgar idéias e pessoas, da tendência em ceder à vaidade e aos brilharecos;
– faça o possível para não esquecer do tempo em que foi também criança e adolescente: quando o esquecemos, não podemos mais ser educadores;
– tenha a humildade de recuar, se percebe que errou, mesmo que o erro tenha sido apontado pelas crianças;reconhecer o erro é grande atitude moral;
– e quando ceder, ceda clara e generosamente, confessando que se enganou, não viu o aspecto que as crianças apontaram, que não quer impor um erro aos filhos – faça como o general vencido: tire a espada e a entregue ao vencedor, e crescerá no conceito dos educandos.
7º norma: Apóie-se em Deus
Aqui está uma norma preciosa, que, infelizmente, muitos educadores esquecem. Nenhum daqueles que crêem realmente em Deus … podem menosprezar tão poderosa alavanca de toda a educação, e particularmente da difícil virtude da obediência. É precisamente num cântico que fala da prosperidade da família que o salmista diz: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a constroem” (Sl 126,1).
Apoiar a obediência em Deus é encaminhar a criança para:
a) Obedecer a Deus:
– aqueles que exercem autoridade fazem-no em nome do Senhor, de quem procede todo poder de homem sobre homem: a cada um deles aplicaremos com verdade a palavra de Cristo a Pilatos: “Não terias poder sobre Mim, se não te fosse dado do alto” (Jo 19,11);
– “autoridade” vem de “autor“: se os pais são os autores de seus filhos, Deus é o Autor de todos os homens e de todas a coisas – foi Ele que deu aos pais o poder de gerar e o dever de educar os filhos;
– os que mandam, não só o fazem em nome de Deus, mas devem também fazê-lo para glória de Deus;
– e os que obedecem, mais obedecem a Deus de que aos homens, e mais devem submeter-se por motivos sobrenaturais que por motivos humanos;
– os que se habituam a ver nos homens o poder de Deus (o que não é fácil), obedecerão humildemente, mesmo quando os superiores são antipáticos ou indignos do cargo: não queremos dizer que estejam os pais lembrando aos filhos essas verdades cada vez que os mandam fechar a porta ou desligar o rádio, mas sim que os impregnem desse espírito sobrenatural que facilita e dura toda a vida moral.
b) Recorrer a Deus:
– disse Louis Venillat que anda mal o mundo porque os homens ficam mais em pé do que ajoelhados;
– consultado o grande Windhorts por uma senhora cuja vida doméstica andava periclitante, perguntou-lhe se não tinha em casa um genuflexório, e ela lhe respondeu que sim, mas estava velho e sem uso: “Pois é isto que falta a seu lar: voltem a usá-lo, e tudo serenará“;
– os pais deviam mais falar dos filhos a Deus do que de Deus aos filhos;
– quando os filhos se perdem, procurem-nos no genuflexório que os encontrarão, como Santa Mônica encontrou Santo Agostinho;
– quando os filhos tiverem dificuldades, orientem-nos para a oração, lembrando-lhes as promessas de Cristo a quem orar;
– quanto mais difícil acharem a obediência tanto mais devem rezar a Deus: “Pedi e recebereis” (Jo 16,24);
– encaminhá-los para o amor de Deus como supremo móvel de seus atos;
– pôr-lhes na mente a vida de Cristo, como modelo a seguir;
– habituá-los também a esperar de Deus as recompensas: as que se esperam dos homens falham a cada instante, mas as divinas são infalíveis.
c) Examinar-se diante de Deus:
– se os homens nos interrogam, podemos (ás vezes até devemos) negacear, quando são indiscretos ou injustos;
– quando nos acusam, nosso primeiro movimento é de defesa;
– mas se somos nós próprios que nos interrogamos, e o fazemos em face do Senhor “que vê o que é oculto” (Mt 6,6), então é natural que apareça a verdade; sumo valor pedagógico, que os bons educadores nunca deviam dispensar;
– habitue seu filho a examinar, à noite, o dia que viveu, pedindo a luz divina para conhecer-se, relembrando o que fez de bom (para agradecer a Deus) e de mal (para pedir perdão e propor emenda), procurando as causas e as intenções de seus atos bons ou maus;
– dificilmente continuará desobediente, mau filho, mau estudante aquele que for fiel ao exame de consciência;
– os católicos acusem na Confissão as desobediências, pois a confissão inclina à correção, e a absolvição outorga a graça que muito ajudará na emenda.
Os desobedientes
Empregados todos os meios indicados, haverá ainda os desobedientes. São naturalistas e utópicos o que, como Robin (“L’enfant sans defauts“), afirmam que a desobediência infantil não tem expressão em si, e deve ser atribuída à doença da criança ou aos errados processos educacionais da família.
Reconhecendo a grande freqüência destes fatores não pensemos, contudo, que sejam as crianças uns anjos caídos do céu… São filhos de Adão, com os percalços da pobre humanidade, e descendentes de suas famílias com a carga hereditária de gerações e gerações. Ingênuo, pois, quem as quiser reputar angélicas ou atribuir-lhes a sabedoria, de que o próprio Salomão nos deixou mais teoria que exemplos. Falta-lhes o senso para acatarem ordens, ainda as mais ricas de bom senso. Mingua-lhes a visão, mesmo quando se trata de seus melhores interesses presentes e sobretudo futuros.
Claro que os pais cuidadosos e avisados reduzirão muito as desobediências dos filhos, mas só por exceçãoas eliminarão nalgum deles.
Outras indicações
Já dissemos muito a respeito das causas de desobediência. Façamos, juntos, novas considerações.
A correção é lenta
Faz-se aos poucos através de muitas recaídas, mesmo na vida dos santos. Empenhados em corrigir-nos de um defeito, quantas vezes tornamos a cometê-lo? A Imitação de Cristo nos adverte: “Se cada ano corrigíssimos um só vício, dentro de pouco tempo estaríamos perfeitos“. No entanto somos adultos e decididos à correção.
Que diremos então dos que estão em formação, fracos de convicções morais, fraquíssimos de vontade? Ainda os melhores recairão muitas vezes. É comum desculparem-se: “Foi sem querer“. Os que não os acreditam vejam-se a se afligirem das próprias faltas: “Ih! E eu tinha prometido a Deus não fazer mais isto!”
Crianças precisam de nossa paciência e ajuda. A compreensão que nos pedem é esta. Não sejamos mais exigentes com as crianças do que conosco! Lembremo-nos de que a verdadeira obediência não é fácil: deixar de querer o que queremos para querermos o que o outro quer! Fazer o que o outro quer é mais fácil: mas esta não é a finalidade do educador, nem isto pode contentá-lo. Os que se impacientam caem no erro de preferir a submissão à obediência.
Seja constante a ajuda
Não se impaciente com a criança, mesmo que a falta seja propositada. Mantenha a calma, e exija de novo o cumprimento da ordem dada. Obrigada mil vezes a repetir a mesma ordem ou a lembrar o cumprimento de uma determinação, façamo-lo sem nos perturbarmos, como se estivéssemos falando pela primeira vez. Sei que isto nos custa, mas se não sabemos conter-nos, como queremos corrigir os outros?
Não desanimemos: cada vez que a criança precisa realmente de correção, corrijamo-la, ajudemo-la a emendar-se, sem recriminações (que podem desanimá-la), sem alegação das faltas anteriores.
Dos maiores inimigos da correção, é a falta de continuidade: permite hoje o que proibia ontem. Guarde fidelidade aos princípios, e coerência nos atos. Creio não ser preciso repetir o que disse a 5ª norma sobre a necessidade de velar pela execução das ordens, e exigir o seu cabal cumprimento, tranqüila mas inflexivelmente.
A perseverança do educador termina conseguindo a do educando: a gota cava a pedra, não pela força mas pela repetição da queda.
Estude cada criança
Cada criança é um mundo diferente. É importantíssimo saber por que desobedeceu…
Cada criança é um caso para encaminhamento diferente. A mesma solução não pode servir para todos. Infelizmente, na maioria dos colégios, a solução será uma só – e não será solução. Todos irão de castigo, agravando as causas da desobediências, punidos, mas não corrigidos.
Este não há de ser o caminho do verdadeiro educador, principalmente dos pais. Ele examinará cada caso e lhe aplicará a conveniente terapêutica, levando a criança a mudar as disposições interiores e dispor-se a agir corretamente na próxima oportunidade. Sem isto, a correção não tem sentido: a criança será subjugada, mas a causa da desobediência permanece e até se agrava.
Não haverá castigos?
A idéia é tão arraigada que me escusarão a insistência. Se a preocupação é educar, a correção basta. Ela pode tomar, no entanto, várias feições, conforme o caso.
– A ordem não foi cumprida; pois o será agora.
– O trabalho foi mal executado: será feito de novo, com o cuidado devido. E será repetido até que corresponda às possibilidades da criança (que o educador conhece).
– O mesmo acontecerá, quando a criança propositadamente modificou a ordem, para beneficiar-se.
– Houve transtorno em virtude da desobediência: a criança o reparará, na medida de suas possibilidades.
– Os casos de obstinação serão raríssimos nas crianças bem educadas. Mas se aparecerem, os pais os enfrentarão com calma e energia:
a) informando-se primeiramente do obstinado sobre as razões do seu procedimento e procurando desfazê-las;
b) fazendo-o recolher-se sozinho algum tempo, para pensar melhor;
c) recorrendo ao auxílio de pessoa da confiança da criança;
d) impondo outras sanções educativas que a situação do educando comporte.
Vantagens da desobediência
Aos que tanto se desgotam e se irritam com as desobediências do filho dou-lhes uma palavra de conforto. É bom sinal! Sinal de personalidade forte, que deve ser bem orientada para dar frutos dos melhores.
– Se não quer obedecer porque não vê a razão da ordem, parabéns: ele demonstra consciência de si, e promete ser um homem digno.
– Se recusa obedecer porque se sente cerceado na sua personalidade, parabéns: ele não será “o caniço agitado pelo vento” que o Evangelho reprova (Mt 11,7).
– Se nega obediência porque o modo de mandar lhe ofende os brios, parabéns: ele sabe preservar sua dignidade.
– Se ele não aprecia as ordens supérfluas, parabéns: será na certa um homem do dever e de iniciativa.
– Se repele a ordem porque é contrária à moral, parabéns: este menino começa onde muitos infelizmente não chegaram.
Ele pode ter erros de forma, devidos à idade; mas a substância é excelente, e só peço a
Deus que não lhe cortem a perspectiva, mas o ajudem a crescer: o futuro dirá quanto ele vale.
Perigos da obediência (indiscriminada)
Folgam imensamente os pais dos filhos muito obedientes. “É tão bem mandado! – Basta dizer uma vez, logo imediatamente obedece! Não me dá trabalho! Quem dera que todos fossem assim“.
Uma obediência baseada no respeito e no afeto aos pais, no sentimento de inferioridade que em face deles experimenta o filho, e na confiança inteira que neles deposita, é digna de louvor. Mas é rara, porque essa piedade filial em tão alto grau é muito adulta e perfeita para se encontrar em crianças.
Nem me parece muito normal a obediência imediata. Em geral se deixa um compasso de espera, como satisfação ao amor-próprio… Essa obediência, só a encontramos numa visão plenamente sobrenatural ou no fanatismo… Costumo dizer aos pais que não exijam dos filhos a obediência da lâmpada elétrica, que se apaga ao viramos o interruptor, mas se contentem com a do ventilador, que ainda dá umas voltinhas antes de parar…
Exceto em casos privilegiados, tem a demasiada obediência não pequenos perigos. Anula-se a vontade da criança, e depois? Essa obediência excessiva pode ser de má procedência e péssimos efeitos.
a) Pode ser preguiça mental: para não ter o trabalho de pensar, entrega-se, fazendo o que lhe mandam, sem repetir, sem medir conseqüências, pronta e automaticamente, como animal amestrado ou como máquina.
b) Por sentimento de inferioridade, não em face dos pais, mestres e outros adultos em que tenha razões de confiar, mas em face de qualquer outro, pode ainda a criança entregar-se à obediência absoluta.
c) Há também o perigo de aviltamento de caráter, se se obedece sem respeito à própria personalidade, contra suas convicções, contra os ditames da lei e até da moral, e, mais tarde, com medo ao chefe poderoso, à perda da colocação, do prestígio social e político.
Apontados assim, são claros por demais os perigos de uma obediência indiscriminada, todos de evidente gravidade… Ela mataria os germes da dignidade, da altanaria e da honra. Não é disciplina, mas servilismo e emasculação moral, que formará não homens, mas poltrões que se deixarão tanger pelos tiranos, subornar pelos corruptos, comprimir pelos prepotentes, sem ânimo para protestos, sem vigor para resistência, sem coragem para a revolta, sem fibra para salvar sequer a honra.
É dessa “educação para a morte” que saem as massas das eleições unânimes dos países tiranizados, os rebanhos submissos que os totalitários tangem a vara, os funcionários acovardados que cometem as ilegalidades ordenadas pelos chefes, os que cumprem sem pestenejar as ordens criminosas matando companheiros ou estrangulando jovens indefesas…
Nem os censurem: aprenderam apenas a obedecer, e obedecem! É o que fazem os que infamam a serviço de terceiros, os que executam os crimes forjados pelos chefes de “gang“, os menores que servem aos interesses de contraventores profissionais, as míseras moçoilas que funcionam como chamarisco para roubos e latrocínios, os “homens de confiança” que transbordam bens e valores públicos para as propriedades e contas de suas próceres, e muitos outros que em semelhantes empresas figuram com deplorável freqüência nas seções policias das gazetas.
Não é esta, evidentemente, a obediência que preconizamos.
Precisamos de homens – e estes só a obediência consciente é capaz de formar.
Corrija o seu filho – Pe. Álvaro Negromonte