COMO ENTENDER A DIVINA PROVIDÊNCIA

Fonte: FSSPX México – Tradução: Dominus Est

Se considerarmos as coisas à luz de Deus, chegaremos à conclusão de que muitas vezes os males deste mundo não são males, os bens não são bens, há desgraças que são golpes da Providência e êxitos que são punições.

“Os pensamentos de Deus não são como os nossos; assim como o céu se eleva sobre a terra, os caminhos do Senhor superam os nossos.” 

A partir daí, surgem vários pensamentos errôneos sobre a Providência e o homem que não é muito rico em fé e abnegação. Apontaremos quatro:

1º Providência se mantém na sombra para dar lugar à nossa fé, mas nós gostaríamos de vê-la

Deus se esconde atrás de causas secundárias, e quanto mais estas são mostradas, mais Ele se oculta. Sem Ele nada poderiam fazer; nem mesmo existiriam. Sabemos disso e, no entanto, em vez de nos elevarmos a Ele, cometemos a injustiça de nos deter no fato exterior, agradável ou incômodo, mais ou menos envolto no mistério. Evita revelar-nos o fim particular que persegue, os caminhos que nos conduz e o trajeto já percorrido.

Em vez de confiar cegamente em Deus, gostaríamos de saber, quase ousaríamos pedir-Lhe explicações. Acaso uma criança se preocupa em saber para onde sua mãe a está levando, por que escolhe esse caminho em vez de outro? Por acaso, o doente não chega ao ponto de confiar sua saúde, sua vida, a integridade de seus membros ao médico, ao cirurgião? Ele é um homem como nós, mas há confiança nele por causa de sua abnegação, sua ciência e sua habilidade. Não deveríamos confiar infinitamente mais em Deus, médico onipotente, Salvador incomparável? Pelo menos quando tudo está sombrio ao nosso redor e nem sabemos para onde andamos, gostaríamos de um raio de luz. Ah, se soubéssemos perceber que é a graça que atua e que tudo vai bem! Mas, normalmente, ninguém notará o trabalho do decorador divino antes que esteja terminado. Deus quer que nos contentemos com uma fé simples e que confiemos Nele, com um coração tranquilo, em plena escuridão. Primeira causa de pesar!

2 ° A Providência tem visões diferentes das nossas, seja quanto ao fim que se propõe, seja quanto aos meios destinados à sua realização 

Enquanto não despojarmos completamente de nosso amor desordenado às coisas terrenas, iremos querer encontrar o céu aqui embaixo, ou pelo menos ir até ele por um caminho de rosas. Daí essa ficção, mais do que o justo, pela estima das pessoas de bem, pelo afeto próprio, pelos consolos da piedade, pela tranquilidade interior, etc., e que se saboreie tão pouco a humilhação, as contrariedades, a doença, as provações em todas as suas formas.

As consolações e êxitos nos são apresentados mais ou menos como recompensa da virtude, a aridez e a adversidade como punição do vício; nos maravilhamos ao ver, frequentemente, os ímpios prosperarem e os justos sofrerem aqui em baixo.

Deus, ao contrário, não se propõe a nos dar o paraíso na terra, mas a nos fazer merecer o mais perfeitamente possível. Se o pecador é obstinado em perder a si mesmo, é necessário que ele receba a tempo a recompensa pelo pouco que faz bem.

Quanto aos eleitos, eles terão sua recompensa no céu. O essencial, enquanto esperam por ela, é que se purifiquem, que se tornem ricos em méritos. É tão boa a prova com este propósito! Não escutando senão seu austero e sapientíssimo amor, Deus trabalhará para reproduzir Jesus Cristo em nós, a fim de nos fazer reinar com Jesus glorificado. Quem não conhece por demais as bem-aventuranças anunciadas pelo divino Mestre?

Assim, a cruz será o presente que Ele oferecerá com muito prazer aos Seus amigos. “Considera a minha vida toda cheia de sofrimentos” – disse a Santa Teresa -, “persuade-te de que é mais amado por meu Pai o que recebe maiores cruzes; a medida de Seu amor é também a medida das cruzes que envia. Como eu poderia demonstrar melhor a minha predileção do que desejar para ti o que eu desejei a mim mesmo? ” Linguagem divina e sapientíssima, mas quão poucos a entendem! E esta é a segunda causa dos equívocos.

3 ° Providência profere duros golpes e a natureza lamenta

Fervem nossas paixões, o orgulho nos reduz, nossa vontade se deixa arrastar. Profundamente feridos pelo pecado, somos como um doente que tem um membro gangrenado. Estamos persuadidos de que não há remédio para nós a não ser na amputação, mas não temos coragem de fazê-la com nossas próprias mãos.

Deus, cujo amor não conhece fraqueza, está disposto a nos prestar esse serviço doloroso. Consequentemente, nos enviará contradições imprevistas, abandonos, desprezos, humilhações, a perda dos nossos bens, uma doença que nos debilita: são muitos outros instrumentos com que Ele se liga e aperta o membro gangrenado, fere a parte mais conveniente, corta e se aprofunda bem até chegar à parte viva.

A natureza lança gritos; mas Deus não a escuta, porque esse duro tratamento é curativo, é vida. Esses males que vêm de fora para nós são enviados para derrubar o que se revolta dentro de nós, para estabelecer limites em nossa liberdade que desvia e para restringir nossas paixões sem limites.

Eis porque Deus permite que se levantem por toda parte obstáculos aos nossos desígnios, porque nossos trabalhos terão tantos espinhos, porque não gozaremos jamais da tranquilidade tão desejada e nossos superiores farão, frequentemente, o contrário de nossos desejos. É por isso que a natureza tem tantas doenças; os negócios, tantos dessabores; os homens, tantas injustiças e seu caráter tem tantas e tão inoportunas desigualdades. Por todos os lados somos acometidos por mil oposições diferentes, de modo que nossa vontade, demasiada livre, assim tentada, restringida e cansada por todos os lados, finalmente se despoje de si mesma e busque apenas a vontade de Deus. Mas ela resiste à morte, e esta é a terceira causa do desagrado.

4. A Providência, por vezes, emprega meios desconcertantes

Seus juízos são incompreensíveis”. Não podemos penetrar seus motivos, nem podemos compreender as formas que se escolhe para realizá-los. “Deus começa por reduzir a nada aqueles a que confia algum empreendimento, e a morte é o caminho ordinário pelo qual Ele conduz à vida; ninguém sabe por onde passa.” E, por outro lado, como sua ação contribuirá para o bem de seus fiéis? Não o vemos e até, frequentemente, pensamos o contrário. Mas adoremos a Sabedoria divina que combinou perfeitamente todas as coisas, estejamos bem persuadidos de que os mesmos obstáculos servirão como meios e que sempre se conseguirá tirar dos males aquele bem invariável que propõe, isto é, o progresso da Igreja e das almas para a glória de seu Pai.

Consequentemente, se considerarmos as coisas à luz de Deus, chegaremos à conclusão de que muitas vezes os males deste mundo não são males, os bens não são bens, há desgraças que são golpes da Providência e êxitos que são punições.

Retirado do livro “El Santo Abandono”, de Dom Vital Lehodey, OCR