Dissemos que a Fé é um dom de Deus. Vamos examinar como este dom tão precioso chega até nós. Para começar, notemos que este dom, sendo sobrenatural, é sempre inteiramente gratuito. Não podemos merecê-lo e nenhum homem pode merecê-lo por nós. Se ele nos vem é unicamente pelos méritos de Nosso Senhor e por pura misericórdia de Deus.
Mas como a Fé chega até nós? Para nós, que fomos batizados criancinhas, o dom da Fé nos chega no meio deste magnífico cortejo de graças que se chama Batismo. Neste momento Deus, adotando-nos como filhos, derrama em nossa alma o dom da Fé; quer dizer que ele dispõe interiormente as potências da alma, nossa inteligência e nossa vontade do modo necessário para que esta alma produza facilmente, alegremente o ato de Fé. E mais tarde, já dispondo do uso da razão, o espírito da criança poderá receber a verdade revelada, dela se alimentar e corresponder, pelo ato de Fé: Creio em Deus Pai, etc.
Assim, a criancinha batizada trás em sua alma o gosto pela verdade revelada, a inclinação para esta verdade, a necessidade desta verdade. Desta disposição, deste hábito sobrenatural a senhora fará uma justa idéia comparando-o à disposição, à inclinação natural que tem a criancinha pelo peito de sua mãe. Ela precisa dele, ela o reclama: se o encontra, está bem, se lhe é recusado será sua morte. Do mesmo modo a criança batizada, em virtude de seu batismo, tem fome e sede de ensino cristão; ela quer seu leite, aquele do qual fala o intróito Quasimodo. É aí que está a sua vida, pois o justo vive da fé, diz a Escritura. Com instrução cristã, a criança batizada está praticando atos de fé, a fé que recebeu no seu batismo e que, pondo em prática, desenvolve; toma conhecimento de Deus seu Pai, da Igreja sua Mãe, dos santos do Paraíso que são seus pais e irmãos; exatamente como na ordem natural a criança que a senhora alimenta, sorri primeiro para sua mãe, depois para seu pai, depois para seus irmãos e depois toma conhecimento do mundo exterior e torna-se homem. Por um caminho análogo, porém superior já que sobrenatural, a criança batizada cresce como filho de Deus e de sua Igreja, e torna-se um membro vivo de Jesus Cristo sobre a terra, para ser mais tarde co-herdeiro de seus bens no Céu.
Assim veja, nós que fomos batizados criancinhas, recebemos primeiramente no Batismo a disposição de crer; depois, quando já tínhamos algum raciocínio nos deram a conhecer as verdades da Fé e começamos a praticar o ato de Fé. Deste modo recebemos primeiramente a Fé habitual, em seguida a Fé atual, quer dizer, a Fé que é exercida.
Foi segundo esta economia divina que Deus nos deu a Fé. E a fim de que possa perceber melhor a natureza deste dom, direi como ele chega por um caminho diferente até os adultos que receberam o batismo depois de terem o uso da razão. Preste atenção, porque assim receberá alguma luz sobre o dom da Fé.
Vejamos pois, a obra de um missionário entre os chineses ou os índios da América. Ele fala, não é ouvido.
Fala outra vez, não é ouvido. Ah! aqueles que o escutam não são batizados, são surdos. O padre não diz, tocando-lhes as orelhas: Ephpheta! Abri-vos! como ele disse no nosso Batismo. No entanto, o homem de Deus não desanima; reza, pede a Deus a graça da Fé para seus pobres infelizes, fala de novo. Duas ou três pobres almas parecem escutar com atenção; ele percebe, vai até elas, elas vêem a ele. Deus lhes deu um bom impulso para a Fé. Ah! como é precioso esse impulso; será a salvação dessas almas se forem fiéis; se porém deixarem de lado esta graça, de cujo valor nem desconfiam, será a perdição eterna. Mas elas ouvem com uma atenção incomparável e vão gostando dos ensinamentos que lhes são dados pouco a pouco. Se lhes fosse dada uma luz muito grande, elas recuariam apavoradas; o padre mede os termos, proporciona a alimentação à fraqueza do doente; reza e com a ajuda de Deus, o infiel recebe algumas verdades da Fé; faz um ato de adesão a estas verdades que já conhece; e a medida que faz estes atos cresce nele a disposição de crer. Enfim o infiel está pronto para receber toda a verdade, ele pede a Deus o dom da Fé. Chega o dia do batismo, e Deus lhe dá a graça habitual da Fé pela qual já havia feito alguns atos antes do batismo.
Veja então, como custa ao dom da Fé entrar na alma de um adulto. Alem das dificuldades criadas pelo pecado original, ainda as há resultantes dos pecados pessoais, dos preconceitos da nação, da família, etc. etc. Mas nenhuma destas dificuldades existe com as criancinhas batizadas. A criança recebe a graça do alto antes de ter tocado neste mundo daqui de baixo; e assim nunca poderemos agradecer suficientemente a Deus a graça de termos sido batizados ainda criancinhas.
Cartas sobre a Fé – Pe. Emmanuel-André