Dom Salvador Lazo, bispo emérito de São Fernando da União regressado á plena Tradição católica, deixou-nos em 11 de Abril 2000. Antes de se juntar à casa do Pai, tinha redigido uma pequena descrição do seu percurso pessoal, da Tradição católica à Tradição católica, a qual publicamos a seguir.
Infância
A arquidiocese de Tuguegarao é a minha diocese de origem. Resultou da divisão da diocese de Nova Segóvia em 1910 e foi elevada arquidiocese em Setembro de 1974. Tuguegarao é a capital da província de Cagayan. O vale de Cagayan é irrigado pelo Rio Grande, também chamado Cagayan, o mais comprido rio de todo o arquipélago.
A parte sudoeste de Cagayan é conhecida pelo nome de distrito de Itawes. O distrito está dividido em três partes pelo Rio Chico, afluente do Rio Grande. Nas margens do Rio Chico situam-se as cidades de Tuao, Rizal, Piat, Santo Nino ou Faire, onde vi a luz do dia, em 1 de Maio de 1917. Sete filhos vieram abençoar a união de meus pais. Eu fui o terceiro. Meus pais, Fortunato e Emiliana Lazo, eram financeiramente pobres, mas ricos no seu amor a Deus e aos seus semelhantes. Meu pai estudou Leis e serviu como Juiz de Paz na nossa pequena cidade. Todas as tardes dirigia a família na recitação do santo Rosário, e acompanhava-a à Missa dominical. Minha mãe, por outro lado, iniciava os pagãos Igorotes e Kalingas, das montanhas da Cordilheira, na troca dos seus produtos, como ramos de palma e raízes recolhidas na floresta. Em troca, minha mãe dava-lhes lixívia, fósforos, pequenas facas e tecido usado. Ela lavava regularmente as roupas sagradas da igreja paroquial. No Verão, convidava os Kalingas e os Igorotes para nossa casa, para pode ensinar-lhes o catecismo. Minha mãe faleceu em 1926, quando dava a vida ao seu sétimo filho. Tia Lorenza, sua irmã, tomou conta de nós durante os anos da nossa juventude. As raízes da família remontam à pequena cidade de S. Vicente, Ilocos Sul, situada entre a costa do Mar da China e as Cordilheiras. Meus avós e pais deslocaram-se para Cagayan em virtude dos tumultos políticos devidos à revolução filipina dos fins do século XIX e princípios do século XX (1898-1909).
Em 1934, o bispo da diocese de Tuguegarao era D. Constance Jurgens, holandês, doutor em teologia, da Congregação do Coração Imaculado de Maria, conhecido pela santidade de vida, zelo apostólico, e caridade com os pobres, à imagem de Cristo. Em 1933, como terminasse os meus estudos elementares na escola central de Santo Nino, meu pai levou-me para Tuguegarao, a fim de estudar no liceu de Cagayan, porque nesse tempo Santo Nino não tinha liceu e, portanto, não tinha instituição católica secundária.
Vocação
Houve um arranjo para que eu ficasse no dormitório dos rapazes vivendo sob a proteção do bispo. O Padre Oscar Deltour, secretário particular do bispo, era o prefeito da disciplina. No fim do ano escolar, Mons. Jurgens anunciou-me que contava enviar-me para o seminário missionário de Cristo Rei em Nova Manila, Quezon City. Era em 1935. Após fazer os exames clássicos secundários no seminário missionário de Cristo Rei, pude entrar no colégio. No final do ano académico, Março de 1940, o diretor, Padre Herman Konding, informou-me do falecimento de meu pai. Voltei a casa, mas já estava enterrado quando cheguei a Santo Nino.
Em 1942, a Segunda Guerra Mundial começou por nós. Como todos os estrangeiros naturais de países em guerra com o Japão, Mons. Jurgens, holandês, foi levado com um grupo. As forças armadas japonesas enviaram-no para o campo de concentração de Los Banos, Laguna. Os missionários americanos do seminário missionário de Cristo Rei juntaram-se igualmente aos seus compatriotas no campo de concentração da Universidade S. Tomás de Manila, ou em Los Banos.
O seminário missionário de Cristo Rei está construído ao longo da Avenida Rodriguez, que atravessa um dos arredores de Manila. As previsões diziam que uma divisão das forças armadas de libertação, sob comando do General Douglas Mac Arthur, ia entrar em Manila pela Av. Rodriguez. Considerando o perigo iminente dum recontro sangrento entre as forças armadas japonesas que defendiam Manila e o exército americano irrompendo na cidade, os noviços foram evacuados e levados para o seminário teológico da Imaculada Conceição em Vigan, Ilocos Sul. O Padre Ignatz Hetteger era o mestre dos noviços, mas um jovem padre, Alois Lehberger, dirigiu a excursão, tornada perigosa por causa da temível polícia das forças armadas japonesas.
Durante a guerra, Cagayan foi ocupada pelas forças armadas japonesas. Os soldados japoneses faziam numerosas incursões nas cidades e aldeias. Por causa destas irrupções imprevisíveis, a vida era miserável e instável. Os alimentos, tais como arroz, animais domésticos e legumes, eram pilhados. Os japoneses violavam as mulheres e matavam as pessoas suspeitas de pertencer à guerrilha. Uma das vítimas foi meu próprio irmão, Manuel, que era então seminarista no seminário da Imaculada Conceição, em Vigan.
No decorrer dum desses ataques, os soldados levaram-no. Arrastaram-no com outros inocentes até Faire, o ferry situado a doze quilómetros de Dungao. No ferry, queimaram as casas e enquanto uma das grandes casas estava em fogo, os cruéis japoneses mataram Manuel. Estando a morrer a sua vítima, os carrascos lançaram-na para uma das casas a arder. Uma vez o fogo extinto, aqueles bárbaros juntaram as suas cinzas e dispersaram-nas no Rio Grande.
No seminário teológico de Vigan, os noviços dos Missionários do Verbo Divino fizeram os seus votos perpétuos perante o director, Padre Herman Konding. Se bem que eu tivesse sido aceite nos escrutínios para os votos perpétuos, nunca os pronunciei. A minha incardinação na Sociedade dos Missionários do Verbo Divino (Societas Verbi Divini) cessou. Era março de 1945.
Ordenação
A decisão de deixar a Sociedade do Verbo Divino obrigava-me a procurar D. Jurgens, bispo de Tuguegarao, Cagayan. Postulei para a diocese de Tuguegarao e o bispo aceitou-me. A minha diligência seguinte foi procurar o padre director do seminário teológico da Imaculada Conceição, em Vigan, Ilocos Sul, para que ele conseguisse o seguimento dos meus estudos teológicos, que duraram ainda dois anos. Terminei-os em 1947. Quando o padre director Herman Konding anunciou os nomes dos ordenandos, eu estava incluído na lista dos eleitos.
O prelado oficiante era D. Madriaga, arcebispo de Lingayen-Dagupan. As cerimónias de ordenação realizaram-se na catedral de São Paulo de Vigan, Ilocos Sul, em 22 de Março de 1947. Quando da minha ordenação, nenhuma pessoa da minha família pôde estar presente. Minha única irmã viva, Teresa, não chegou devido a problemas de transporte. Cagayan tinha sido bastante destruída e ainda não estava reorganizada. No dia seguinte, os padres recém-ordenados celebraram a sua Missa de rito tridentino, uns na catedral de S. Paulo, outros na capela do seminário. Nossos familiares, benfeitores e amigos encheram a grande catedral de S. Paulo, tanto para a ordenação como para as Missas de ação de graças, celebradas pelos padres recém-ordenados.
Na semana seguinte à nossa ordenação, reentramos nas nossas dioceses de origem para as Canta Missa, que eram as Missas de ação de graças oferecidas a Deus pelo dom do sacerdócio e para agradecer aos familiares, benfeitores e amigos terem-nos ajudado nos nossos estudos. Nas suas alocuções aos fiéis, os celebrantes pediam aos assistentes que prosseguissem na sua ajuda espiritual para o sucesso do seu ministério, para a sua perseverança e para que, até ao fim da sua vida, nunca tivessem ocasião de trair o seu maior amigo e benfeitor, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Sacerdócio
Depois das Canta Missa, os novos padres tinham algumas semanas de férias para visitar os seus familiares, benfeitores e amigos. Mo meu caso, devia voltar a apresentar-me a D. Jurgens, a fim de iniciar o meu ministério pastoral. D. Jurgens designou-me para o meu primeiro posto. Enviou-me como assistente de D. Felix Domingo, vigário geral, cura da catedral de S. Pedro. Quando desta primeira visita, dei-me conta que D. Jurgens, meu benfeitor, estava doente e que a sua tuberculose se agravava. Saíra vivo do campo de concentração das forças armadas japonesas, mas muito doente. Em 13 de Maio de 1950 juntou-se ao pai. Padres e fiéis ficaram muito entristecidos com a sua morte, na medida em que era um santo homem, com um real zelo apostólico. Era amado por todo o seu rebanho, especialmente pelos pobres. Em 1952, entrei na minha segunda paróquia, em S. José, Baggao, Cagayan. São José e os barrios adjacentes tinham grande densidade populacional. Decidi, portanto, fundar uma escola secundária. A instituição recebeu o nome de Academia São José.
Em 13 de Maio de 1950, D. Alexandre Olalia, então coadjutor, recebeu o governo da diocese de Tuguegarao. Assim que se instalou, uma das primeiras decisões foi a transferência dos seminaristas do seminário de Vigan para Tuguegarao, sede da diocese. O seminário recebeu o nome do antigo colégio São Jacinto de Tuguegarao, pertencente aos padres dominicanos. Estes tinham encerrado o colégio por razões financeiras. Quando os seminaristas chegaram de Vigan, os edifícios não estavam prontos; foram temporariamente acolhidos na residência do bispo. O corpo docente, a quando da primeira sessão, compunha-se como segue: director, Padre Telesforo Cordova; prefeito da disciplina, Padre Salvador Lazo; deão dos estudos, Padre Salvador Lazo; procurador, Padre João Quinto.
Diretor do seminário
Em 1954, no final das cerimônias de entrega de diplomas, foi anunciada uma reforma. Com vista ao ano escolar seguinte, D. Olalia, no que respeita aos membros do corpo docente, tomou a decisão de redistribuir os cargos da administração. No princípio do ano acadêmico, em Junho de 1954, foram publicadas as designações para o ano escolar. O Padre Cordova torna-se cura de uma grande paróquia da diocese. Igualmente, os outros padres do corpo docente receberam diferentes paróquias. Como o ano acadêmico de 1954 começava, fui designado diretor do seminário de São Jacinto. Lamentei esta decisão, mas a autoridade que assim decidiu não voltou atrás.
Em 1954, no seu quarto ano de prelatura da diocese de Tunguegarao. D. Olalia foi promovido para a arquidiocese de Lipa. Por consequência, veio um novo bispo administrar a diocese. Foi D. João C. Sison, de Nova Segóvia. Como administrador do diocese de Tunguegarao, não fez mudanças importantes. Quando quis apresentar-lhe a minha demissão, confirmou-me na minha nova responsabilidade de director do seminário São Jacinto. «Fique aqui até que eu encontre alguém para o substituir.»
Nos princípios de 1957, foi nomeado novo bispo, D. Teodulfo S. Domingo, cura de Plat, Cagayan, cujo padroeiro é São Domingos de Gusmão. De fato, Plat é mais conhecido pelo seu santuário de Nossa Senhora da Visitação.
Depois das cerimônias de instalação, visitei-o para lhe pedir a demissão de diretor do seminário São Jacinto. Não aceitou. Pelo contrário, confirmou-me no cargo. Não tinha alternativa. Tentei então submeter-me de bom grado às minhas responsabilidades. Encarei as dificuldades o melhor que podia. Em cada diocese deve haver um seminário e o seminário precisa de padres para funcionar. Por conseqüência, refleti sobre os planos e os princípios para governar a instituição.
Em 1962, o Papa João XXIII anunciou o segundo Concílio do Vaticano. D. Domingo, meu bispo, dirigiu-se a Roma como delegado. Quando ele voltou pela primeira vez do Concílio Vaticano II, esperávamos alguns relatórios, boletins ou folhetos para nos pôr ao corrente do que ali se passava. Mas nada veio. Eu perguntava-me porquê as informações sobre o concílio não eram difundidas. Em qualquer caso, nada chegava à diocese de Tunguegarao. Em 1965, o concílio acabou. Os delegados regressaram e nem o clero, nem os fiéis de Tunguegarao foram dalgum modo informados.
Em 1967, o Padre Miguel Purugganan acabou os seus estudos na Universidade Gregoriana de Roma. D. Domingo substitui-me nas funções de diretor pelo Padre Purugganan, que assumiu as responsabilidades do seminário São Jacinto.
Cura de paróquia
Domingo designou-me então cura de Lal-lo, Cagayan. Nessa época, o liceu de Lal-lo estava repleto de estudantes. Isso deu-me a ideia duma nova escola secundária. Depois de estudar o projeto, decidi que um novo liceu seria de grande ajuda para os numerosos alunos de nível secundário. Assim, para o ano escolar 1968-69, submeti a minha candidatura para o liceu de Lal-lo ao Departamento de Educação, que aprovou o meu projecto. E em 1968-69 o liceu de Lal-lo começou a funcionar.
Em 1969, o Novus Ordo Missae entrou em vigor na diocese de Tunguegarao. Disseram-nos para abandonar a Missa latina de rito tridentino de S. Pio V. Nós queríamos saber porquê, mas nenhuma explicação nos foi dada. Como queríamos mostrar a nossa comum obediência para com os nossos superiores eclesiásticos, a ordem foi executada. Roma locuta, causa finita. Nós mal pensávamos que abusavam manhosamente da nossa submissão. A Missa latina, instituída por Jesus Cristo, foi transformada numa invenção de D. Aníbal Bugnini, franco-mação. Os inovadores apresentaram-nos assim uma contrafação da Missa latina. As manobras dos manipuladores franco–mações tornaram-nos amargos, no momento em que o logro foi desvendado. Os reformadores tinham-nos dado veneno em vez de alimento espiritual consistente.
Bispo
Em 1969 fui escolhido para Bispo Auxiliar da Diocese de Tuguegarao. D. Domingo não estava, então, na diocese, mas nos Estados Unidos em visita a seu irmão. Mas já esteve presente para a sagração episcopal, presidida pelo Núncio D. Carmine Rocco.
Em 1977, em Vigan, D. António Buenafé, recentemente sagrado Bispo Auxiliar de Nova Segóvia, embarcou num autocarro para Manilha. Houve uma querela entre passageiros e o novo bispo foi morto acidentalmente por tiros cruzados. Os meus superiores nomearam-me para o substituir. As cerimônias de instalação na Catedral de São Paulo foram presididas pelo Núncio D. Bruno Torpigliani.
A minha estadia na Diocese de Nova Segóvia durou somente três anos. Ao fim deste período, fui enviado para a Diocese de São Fernando da União, em visita ao Bispo D. Victorino Ligot, gravemente enfermo e já em estado de coma. Em Setembro de 1980, após a Missa de exéquias por Mons. Ligot, o núncio nomeou-me Administrador da Diocese de São Fernando da União. Alguns meses depois, confirmou-me como segundo bispo residente dessa diocese. A entronização teve lugar em 9 de Março de 1981.
Alguns dias mais tarde fui à Cúria diocesana. As suas instalações não eram separadas da igreja. O Padre Laxamana, seu secretário, acolheu-me e guiou-me na visita. Em face às instalações da cúria estava um edifício de três andares recentemente terminado, devido aos esforços de D. Ligot. Um banco alugava o rés-do-chão, enquanto o segundo andar era ocupado por companhias de seguros. Apenas o primeiro andar estava reservado ao seminário diocesano. A minha segunda visita oficial foi às paróquias e às escolas diocesanas. A minha impressão geral foi a de que D. Ligot tinha cuidado bem da diocese. Decidi prosseguir as suas realizações.
Comecei pelo seminário. Os seminaristas deviam ter um edifício separado. Procuramos os fundos necessários e compramos quatro hectares em São Vicente, uma aldeia perto do mar, nos quais foi construído o seminário. Os outros edifícios demoraram mais tempo: a residência do bispo, os conventos para duas comunidades de freiras e, finalmente, o Centro Pastoral São José.
Ocupei-me igualmente, com prioridade, dos padres, com retiros espirituais e assembléias pastorais. Foram consignados fundos para padres doentes, e para o bem-estar material e espiritual dos padres da diocese.
Em Março de 1990, um grande terremoto abalou a Ilha de Luzon. Os prejuízos foram consideráveis: 8 igrejas, 5 escolas e 5 presbitérios ficaram destruídos ou danificados. Foram lançados apelos a organizações benfazejas da Alemanha. Pôde-se restaurar certas coisas, mas muitas destruições nunca foram reparadas.
Passo à Reforma
Em 1993, no décimo terceiro ano como Bispo da Diocese de São Fernando da União, atingi a idade de reforma (75 anos) fixada pelo Direito Canônico. Pedi então à Nunciatura a minha substituição. D. António Tobias, Bispo da Diocese de Pagadiam em Mindanao, foi anunciado como meu sucessor. O novo Núncio, D. Gian Vincenzo Moreni, entronizou D. Tobias em 16 de Julho de 1993. Assim que terminou o jantar comemorativo, saudei D. Tobias e deixei a diocese.
Tinha havido solicitações para que eu permanecesse na diocese, particularmente de uma nascente comunidade de irmãs. Mas depois de todos estes anos, tinha o desejo de viver em Manilha. A minha irmã Teresa, outra única sobrevivente da família, tinha-se reformado em 1992 como deã do colégio da cidade de Zamboanga. Colocamos em comum os nossos modestos recursos e mandamos construir uma pequena casa em Quezon City, um dos arredores de Manilha.
O local escolhido para a construção da nossa residência não era longe do Priorado da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Para se compreender tudo o que se segue, é preciso saber que, até esse momento, eu celebrava a missa segundo o Novus ordo missae.
Uma tarde, cinco pessoas do Priorado foram visitaram-me. Após os cumprimentos usuais, perguntei-lhes a razão da sua visita. Responderam: «Queremos conhecê-lo.» Fiquei feliz com esta resposta. Depois de uma hora de animada conversa, declararam querer retirar-se e propuseram deixar-me livros. Gosto de ler. Uma das coisas que me fazia falta, enquanto bispo diocesano, era a leitura por prazer. Fiquei assim muito feliz com a proposta, e aceitei-a de bom grado.
Após a partida dos meus visitantes, examinei os títulos dos livros. Com grande alegria vi que o assunto de que tratavam era o que mais me interessava, a saber, o Concílio Vaticano II. Com efeito, nas Filipinas, nunca tínhamos sido seriamente informados sobre este acontecimento, contudo tão capital na vida da Igreja.
As leituras que converteram um Bispo
Eis alguns dos títulos que me deixaram: ES-1025, Memórias de um anti-apóstolo, por Marie Carré; O Reino de Cristo e a conversão da nação judaica, pelo Padre Denis Fahey; A vida sobrenatural, colecção de ensaios; A franco-maçonaria e o Vaticano, por Leon de Poncins; as encíclicas Humanus genus de Leão XIII, Pascendi dominici gregis de Pio X, Mortalium animos de Pio XI, e Mediator Dei de Pio XII; O Concílio do Papa João XXIII, por Michael Davies.
A leitura destes livros deu-me uma melhor idéia da situação. O conhecimento dos inimigos reais da Igreja tornou-se, para mim, claro. O Padre Denis Fahey define-os com exactidão, quando escreve: «Os inimigos da Igreja Católica são três. Um é invisível, Satanás. Os dois outros são visíveis: o judaísmo talmúdico e a franco-maçonaria.»
ES-1025, Memórias de um anti-apóstolo, por Marie Carré, foi um dos livros que me impressionou vivamente. Esta obra trata do caso de um comunista que intencionalmente o sacerdócio católico, com o propósito de subverter e destruir a Igreja a partir do seu interior. O livro desenvolve o plano dos mações de enviar e apoiar no seminário jovens inteligentes para estudarem com o fim de receberem o sacerdócio. Este projeto foi iniciado mais de cem anos antes da reunião do Concílio Vaticano II. Alguns destes infiltrados eram já bispos no momento do Concílio.
Outra obra, A conspiração contra a vida, também me esclareceu muito. A capa contém esta advertência: «Numa exposição exaustiva, este livro mostra como as Nações Unidas são utilizadas como máquina de morte. Os franco-mações pertencem aos conspiradores que têm por fim a destruição da Igreja Católica e da sociedade. Este livro revela como dominam o mundo controlando os religiosos e os políticos. A política é neutralizada pela centralização da banca, do comércio e dos exércitos. O sincretismo de uma religião global, colocando Jesus no mesmo nível que Alá, Visnú, Buda e outro chefes religiosos, está em marcha. Proclamam o anjo caído, Lúcifer, como o maior de todos os deuses, do qual os franco-mações recém o poder, a inspiração e o conhecimento. A sua missão é edificar um reino da propriedade material, um governo mundial – uma nova ordem mundial, sob o reinado de Satã.»
Sempre fiquei desconcertado por constatar que, mau-grado a condenação da franco-maçonaria por Leão XIII na XXX Humanum genus (treze outros papas também condenaram a franco-maçonaria), se encontram franco-mações até nas mais altas autoridades da Igreja. A revista Sim Sim Não Não relatou o exemplo de um núncio, tornado mação, que pouco tempo depois recebeu o “chapéu vermelho.” Que pensar da fidelidade destes mações eclesiásticos? Com eu celebrava ainda o Novus ordo, a leitura destes livros perturbou-me enormemente. Para dissipar as minhas dúvidas, pus-me a ler muito, recuperando assim os anos passados apenas na absorção da literatura da Conferência Episcopal Filipina.
Depois de um ano em procura da verdade, acabei por chegar a uma certeza e, em conseqüência, por tomar uma decisão: regressar à Igreja tradicional e, no mesmo movimento, retomar a celebração da Missa latina tridentina.
Contra-ataque da Conferência Episcopal
Um dia, regressando de uma visita ao priorado da Fraternidade São Pio X, fiquei admirado por ver que um visitante, enviado pelo Cardeal Sin, nosso primaz metropolitano, me esperava. Saudamo-nos mutuamente: «Bom dia, Padre Pascual. Qual o motivo da sua visita?», perguntei. «Gostaria de me confessar», replicou. Mas logo prosseguiu: «Excelência, pare de ir ao priorado, porque escandaliza os católicos com os seus maus exemplos.» «Em que posso eu escandalizar os católicos?» O Padre Pascual explicou-me: «Não sabe que há um decreto do cardeal proibindo os fiéis de assistir à Missa dos padres do priorado? Além disso, estes padres são discípulos do Arcebispo Marcel Lefebvre, que foi excomungado por que era cismático.»
Tentei explicar-lhe que as consagrações episcopais dos quatro bispos, sem mandato pontifício, não tornavam automaticamente D. Lefebvre num cismático. Canonistas de enorme reputação: Valdrini, Lara, Capponi, Güringer, argumentaram sobre o estado de necessidade e sobre o fato de D. Lefebvre não ter estabelecido uma Igreja paralela.
Um pouco mais tarde, o Arcebispo D. Diosdado Talamayan escreveu-me uma carta, onde me suplicava que obedecesse ao Santo Padre, o Papa João Paulo II, mencionando uma possível recompensa no caso de eu seguir o seu conselho. A minha resposta foi que a obediência deve servir a fé, e não destruí-la. Tenho a convicção que as reformas pós-conciliares são de inspiração maçônica e visam destruir a religião católica. Não posso cooperar na extirpação diabólica da religião católica, fundada por Jesus Cristo para a salvação eterna das almas. A obediência ao papa não apresenta nenhuma dificuldade para mim. Desejo apenas que o papa cumpra todos os seus deveres, conforme o mandato que recebeu de Jesus Cristo, para que a Igreja Católica possa verdadeiramente salvar as almas, pelas quais Ele morreu na Cruz. Amo o papa. Por isso rezo por ele diariamente, a fim de que seja fiel à vontade de Jesus Cristo, do Qual ele é o vigário.
Com ensina a Revelação, o papa deve guardar fielmente o depósito da fé e interpretá-la no sentido da Tradição. Isto tem como conseqüência que não pode haver “novas teologias”. Só as doutrinas saídas do depósito da fé deverão ser ensinadas. Os meus críticos lembram-me constantemente estas palavras: «Ubi Petrus, ibi Ecclesia.» Mas Pedro é o papa, o qual tem o dever de ser fiel a Jesus Cristo. Se Pedro muda o que Cristo nos transmitiu pelos Apóstolos, perde o direito moral de receber a nossa obediência. A nossa fidelidade ao papa está dependente da sua própria fidelidade ao Filho de Deus, Jesus Cristo. A lealdade do papa ao depósito da fé estabelece a minha lealdade ao vigário de Cristo.
O meu regresso à Tradição
No início de Agosto de 1995, após longas reflexões e orações, decidi encontrar-me com o superior local da Fraternidade São Pio X, Padre Paul Morgan. Confiei-lhe os meus projetos de regressar à antiga Missa latina. O Padre Morgan recebeu a minha confidência com alegria e entregou-me aos cuidados do Padre Thomas Blute para me ajudar a reaprender a Missa tradicional.
A questão central da Missa
Mas porque queria eu deixar o Novus ordo missae para retomara Missa latina tradicional? As seguintes considerações fundamentaram a minha resolução de mudar.
Estava convencido que o Novus ordo missae não é a Missa instituída na Última Ceia por Nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus. Jesus Cristo morreu para esta Missa no Calvário. Ela é, por conseqüência, depositária dos Seus méritos. Ela santificou a vida de milhões de pessoas através dos séculos.
Ora, o rito da nova Missa é uma invenção do Padre Annibale Bugnini, franco-mação. Seis pastores protestantes ajudaram-no na sua realização. É, em si mesma, espiritualmente estéril, porque fundada por um simples humano.
Na Missa latina restaurada pelo Concílio de Trento, após a consagração, é real a presença de Cristo sob as espécies consagradas. Jesus Cristo está verdadeiramente presente sob o pão e o vinho consagrados, porque se opera verdadeiramente a transubstanciação. Pelo contrário, no novo rito, Cristo parece somente presente espiritualmente. A nova Missa apresenta-se como uma simples refeição, um banquete, um memorial, uma assembléia.
A Missa latina tridentina é um sacrifício em substância. É o sacrifício da Cruz. Não é somente um sacrifício de ação de graças e de adoração, mas, como declara o Concílio de Trento, é desde logo e em primeiro lugar, um verdadeiro sacrifício de propiciação e de expiação dos pecados.
O papel do padre é oferecer o santo sacrifício da Missa, e tal permanece seu papel essencial e exclusivo. Só ele tem o poder de consagrar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso está voltado para Deus quando celebra a santa Missa. No novo rito, o padre fica face aos fiéis, porque toma o lugar de um simples presidente de assembléia, e não a de um padre consagrado.
Por causa do ecumenismo, a Missa instituída por Jesus Cristo foi abandonada. A antiga Missa contém numerosos dogmas católicos que os protestantes recusam. Para retirar o grande obstáculo ao projeto de unir todas as religiões, em particular no que se relaciona com os protestantes, a santa Missa foi rejeitada. Que se passou? Uma missa protestante só pode ter como resultado o de “protestantizar” os católicos. E é o que constatamos: os católicos tornam-se protestantes.
A ruína do espírito missionário
Constatamos igualmente que o papa não se interessa pela conversão ao catolicismo dos acatólicos, dos protestantes, dos pagãos, quando os encontra. Contudo, Cristo enviou os Apóstolos para pregar o Evangelho a todos os homens. «Fora da Igreja não há salvação» é um adágio de fé que fundamenta o verdadeiro espírito missionário.
Igualmente, porquê o papa promove o culto do homem em prejuízo do culto de Deus? O homem criou Deus? O papa promove ainda a salvação universal da humanidade, e isto é absolutamente contrário à Sagrada Escritura.
Deus não muda. Assim, as verdades ensinadas por Deus não mudam. Não estão submetidas à evolução. Os dogmas da Igreja Católica não sofrem evolução. As verdades reveladas por Deus são eternas.
Além destas verdades dogmáticas e litúrgicas, tinha, em dados momentos, nostalgia da antiga liturgia, em particular do canto gregoriano. Quando eu era seminarista no seminário de Cristo Rei, lembro-me que os filhos do Bem-aventurado Arnold Janssen tinham o hábito de celebrar as festas solenes como Natal, Epifânia, Páscoa, Pentecostes e Corpo Deus com melodias gregorianas. A Misa de Angeles ao domingo, os tons solenes do Magnificat nas vésperas, as completas, desprendiam uma beleza Angélica. A recordação do canto gregoriano do martirológio romano, na vigília do Natal, ainda está presente no meu espírito.
Tive, assim, o singular privilégio de regressar à fé e à liturgia tradicionais. A minha mais profunda gratidão reside no fato de ter recebido o privilégio único de oferecer de novo o santo sacrifício para a glorificação do Deus santo e trino. A minha primeira Missa latina tradicional, após vinte e sete anos, foi celebrada em 22 de Agosto de 1995, na festa do Coração Imaculado da Mãe de Deus.
Viagem à Europa
Em fins de 1995, D. Fellay, superior geral da Fraternidade São Pio X, convidou-me, por intermédio do Padre Paul Morgan, superior local, para assistir às ordenações em Écône, na Suíça, em Junho de 1996. Escrevi ao superior geral que não lhe podia dar uma resposta positiva por duas razões: primeiramente, não estava financeiramente capaz de realizar tal projeto; segundo, como era quase octogenário, alguém devia acompanhar-me para me prestar assistência. Dom Fellay respondeu-me por escrito, e assegurou-me que me enviaria bilhetes de avião para duas pessoas. Em Junho de 1996, acompanhado pelo Padre Paul Morgan e do Sr. Dominador Jerusalém, meu secretário, parti para Écône.
No dia das ordenações as cerimônias realizaram-se numa capela temporária num relvado vizinho, para que milhares de pessoas, entre pais, convidados e amigos, pudessem assistir. Estavam numerosas irmãs, numerosos padres e cinco bispos (quatro bispos da Fraternidade e eu próprio). Impusemos as mãos aos ordenandos. A seguir ao rito da ordenação houve um banquete e fui um dos oradores. No fim da excelente refeição o Padre Peter Scott, superior do Distrito dos Estados Unidos, aproximou-se e propôs-me: «Excelência, fala inglês, venha então aos Estados Unidos contar-nos como regressou à Tradição.» No dia seguinte, o Padre Scott entregou-me um programa de visitas às comunidades que me aguardavam, para contar a história do meu regresso à Tradição.
Antes de deixar a Europa, o Padre Morgan propôs-me ir a França visitar os santuários de Nossa Senhora de La Salette, de Nossa Senhora de Lourdes, da Rua du Bac, em Paris, de São João Maria Vianney, assim como o santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal.
Que Deus nos conceda a graça da fidelidade
Regressado às Filipinas, descobri que vários grupos, que desejavam saber porque rejeitava o novo rito da Missa, tinham pedido a minha visita. Achavam singular que, sendo a nova Missa imposta pelos bispos católicos, eu, bispo, me opusesse à hierarquia. Era necessário que me explicasse, e aproveitei essas ocasiões para esclarecer o meu povo sobre a crise e a confusão que reinam hoje na Igreja Católica.
Na realidade, a ignorância não se encontra somente entre os leigos, mas também entre os padres católicos. Pela minha parte, não tinha verdadeiramente sabido o que se passara no Concílio Vaticano II, antes de me retirar do governo da Diocese de São Fernando da União em 1993. Foram precisos cerca de dois anos para me pôr em dia, e dar-me conta que existe uma conspiração dos inimigos da Igreja Católica, os quais organizaram este maldoso conluio.
Que Deus nos conceda a graça de perseverar até ao fim, fiéis à Tradição católica e à Missa latina tradicional, porque somente nessa perspectiva receberemos a coroa eterna da vitória.
+Dom Salvador LAZO,
Bispo emérito de São Fernando da União
Fonte: FSSPX Brasil