O trabalho e a aplicação das crianças devem ser interrompidos por meio de recreios, e animados por meio de recompensas.
Não pode o arco conservar-se sempre retezado, dizia S. João ao caçador, que parecia censurar-lhe a sua distração, quando caçava uma perdiz. Mas é principalmente às crianças que uma longa tensão de espírito é funesta ou impossível; é preciso, pois, procurar-lhes momentos de descanço, que ao mesmo tempo que recreiam o espírito, fortificam e avigoram o corpo. — «Afinal, o cuidado que se tomar em mesclar de prazer as ocupações sérias, servirá de muito para afrouxar o ardor da mocidade pelos divertimentos perigosos. A sujeição demasiada é que origina a impaciência pelos divertimentos, disse Fénelon. Se uma menina se não enfastiasse de estar junto de sua mãe, não teria tanta vontade de lhe fugir, para ir procurar companhias que lhe podem ser prejudiciais.» Todavia nada seria mais perigoso para a criança do que um descanço ocioso e sem vida; longe daí encontrar a alegria e o ardor para o estudo, apenas conseguiria ganhar costumes impróprios, e talvez mesmo viciosos.
— «É ordinariamente um mau indício, quando uma criança não folga, ou não gosta de brincar», diz Mgr. Dupanloup. Mas um recreio bem escolhido, um exercício moderado do corpo aumenta a atividade do espírito, e preserva das incitações para o vício. Mas os recreios só produzem estes resultados, quando não são demasiadamente prolongados. O nosso corpo, se lhe concedemos algum descanso no trabalho, torna-se mais vigoroso, e mais bem disposto, enquanto que um longo descanso apenas o torna fraco e preguiçoso. O mesmo sucede ao espírito: uma curta recriação excita-o, e uma longa inação fá-lo cair no torpor. «Nos divertimentos, é conveniente evitar as sociedades suspeitas; nada de rapazes juntos com raparigas» disse sem rodeios Fénelon. Já muito tempo antes dele, dizia S. Jerônimo, escrevendo a Gaudêncio: «Não permitais que Pacatula brinque senão com meninas como ela, de forma que nunca saiba brincar com crianças doutro sexo, nem mesmo que assista aos seus divertimentos.» Como já acima dissemos, Pacatula apenas tinha sete anos.
«Os brinquedos que dissipam ou apaixonam, confirma o imortal arcebispo de Cambrai, as frequentes saídas de casa, e as conversas que podem causar vontade de sair, devem ser cuidadosamente evitadas. Quando uma criança não está ainda eivada de certos costumes, nem sente em si paixão ardente, encontra, facilmente alegria, que lhe faz conservar a saúde e a inocência. Quem teve porém a desgraça de se acostumar aos prazeres violentos, perde o gosto dos prazeres moderados, e nunca encontra distração que o encante…
Quem souber ter a temperança que faz a saúde do corpo e da alma, não carece nem de espectáculos, nem de fazer despesas, para se divertir; um pequeno jogo que invente, uma leitura, um trabalho que se empreenda, um passeio (um arco, uma bola), uma conversação inocente que distraia depois do trabalho fazem sentir uma alegria mais pura, que a música mais encantadora. É fato que os prazeres simples são menos vivos e menos sensíveis, mas são muito mais úteis, produzem uma alegria igual e duradoura, sem terem más consequências; são sempre benfazejos»[1]. É preciso, pois, fazê-los amar às crianças, e inspirar-lhes tédio e aversão para todos esses prazeres cheios de perigos que a mocidade procura hoje com tanto frenesi, tais como espetáculos, danças e festas mundanas.
Os pais de S. Francisco de Sales, durante a infância de seu filho, só lhe consentiam recreios convenientes à sua idade; nunca lhe permitiram jogos de azar, como cartas ou dados, porque sabiam que esses jogos fatigam o espírito e não o distraem, apaixonando muitas vezes o homem, contra a sua felicidade, tempo e fortuna, e até mesmo contra a própria saúde; mas só lhe permitiam os jogos, que são um exercício moderado, que não exigem senão destreza nos membros, celeridade na carreira, ou agilidade nas maneiras.[2]
Seria aqui ocasião de falar das férias, esse longo recreio destinado a descançar o aluno das fadigas do colégio, e a conservar nele o amor da família. Permitam-nos a insistência, mas é preciso, que nesta ocasião a mãe saiba cumprir exatamente, com a mais atenta solicitude, todas os deveres que até aqui expuzemos, e todos os que mais adiante exporemos, mormente tratando-se da vigilância. Ah! para quantos jovens se tornam as férias, por culpa dos pais, um tempo de perigos, e a ocasião de mil quedas.
[1] Fénelon
[2] Vida de São Francisco de Assis
A Mãe segundo a vontade de Deus – Pe. J. Berthier