É bem possível, — oxalá todos o conseguissem! Que tenhas podido levar, da meninice para a mocidade, são e salvo o teu maior tesouro, tua fé infantil: e conseguido vencer, sem maiores abalos, os escolhos e tempestades dos anos da adolescência. Infelizmente, ainda assim, não estás fora de perigo. Uma última e grande prova te espera: cumpre transformar tua fé juvenil em fé varonil.
Aqui é preciso mencionar o grande número de moços que perderam a preciosa jóia da fé, durante o período universitário, após a terem conservado intacta, apesar das tentações, no decorrer do curso secundário.
Ao entrar no mundo, tua primeira observação será, infelizmente, que a religião, na vida de muitos camaradas teus e na de muitos adultos, tem um papel de somenos importância, se não estiver de todo estiolada. Por toda parte hás de ver quão facilmente moços sem experiências se metem pelo caminho da descrença. Contudo, não conseguirás ver quantos, já velhos, depois de experiências amargas, voltam ao ideal perdido. E, todavia, assim é.
Kant o grande filósofo, em sua adolescência, descreu de Deus, do livre arbítrio, da imortalidade da alma, mas viu-se finalmente na obrigação de declarar isso tudo como verdades indispensáveis.
Virchow e Du Bois-Rayínond, outrora próceres do materialismo, deram-lhe as costas. Vehr. Wundt e outros sábios de renome consideram suas próprias obras materialistas como estultícia e pecados de juventude.
A universidade apresenta sempre novos pontos de vista, horizontes mais vastos. A ciência que já tens aparece-te em nova luz; unicamente estacionas nos conhecimentos religiosos, porque o ensino da religião não está incluído nas disciplinas do curso. Se somente ficasses estacionário! Todavia, enquanto fazes progressos gigantescos em outras matérias, teu cabedal da instrução, religiosa vai apoucando-se mais e mais.
Quão facilmente podem tornar-se realidade as palavras que disse Pascal dos que não procuram aprofundar seus conhecimentos religiosos: “A religião é coisa tão excelsa que dela merecem ser expulsos os que não se preocupam em conhecê-la mais de perto.”
Teus estudos aliás já podem constituir ensejo de confusão em tua alma. Com isso não quero nem mesmo aventar a possibilidade de teres que ouvir opiniões anticristãs, em algumas aulas. Mesmo assim, encontrarás dificuldades a cada passo. Cada dia ouves falar de estranhas correntes de espírito, das quais não sabes que fazer; de questões morais que és ainda incapaz de introduzir em teu horizonte religioso, e que não se enquadram em tuas convicções.
Mais um perigo te espreita: o hábito mórbido das grandes cidades, ambiente contagioso para o jovem. Na massa do povo verás a busca desenfreada de prazeres como único escopo da vida. Seu lema é: “Come, bebe, goza, pois amanhã vem a morte. A religião exige de ti vida pura, abnegação e renúncia. Tolice. Os direitos da natureza não devem ser oprimidos.” Eis o que te clamam, de todos os lados; e isso na quadra em que as paixões batem mais atrevidamente à porta do coração.
Em 1374, grassava a peste na Itália. Não se pode ler, sem enternecimento e comoção, a relação das crônicas:
“Por toda parte viam-se rostos pálidos, silêncio sepulcral reinava nas casas onde antes ressoava o álacre riso das crianças. O único ruído que se ouvia era dos carros mortuários, a rolar de casa em casa, a fim de levar à sepultura as vítimas diárias. No próprio cemitério, sacerdotes e coveiros eram atacados pela epidemia; enquanto sepultavam um cadáver, eles mesmos tombavam na cova preparada para outros. Por causa do grande perigo de contágio, os habitantes evitavam qualquer convívio. Na cidade, na rua e nas praças, caíam as pessoas como moscas. Em quantas vielas não restou sobrevivente algum para atender ao chamado do cocheiro do carro mortuário, que perguntava pelos vitimados… A atividade judicial ficou paralisada… Quem se importava ainda de leis!? Horrendo!
Mas ainda hoje grassa terrível peste nos grandes e populosos centros. Se fosse preciso sepultar a todos os que trazem a alma já contaminada, em quantos lugares não deveria parar um carro funerário, para carregar jovens ao cemitério da inocência! Quantas almas novas morrem na cidade, na rua, no cinema, diante de vitrinas, reclames murais, em tabernas, nos lugares do vício! Uma só coisa nos diferencia dos antigos: os modernos não têm mais receio, não fogem da epidemia; paga-se, mesmo, com dinheiro a entrada nos lugares saturados do ominoso bacilo.
Só por milagre não vacilará um moço de fé até então firme, em meio a tantas dificuldades interiores e tais aliciamentos exteriores. Não é pois de admirar-se que também no jovem sério despertem cogitações perturbadoras: “O que aprendi e acreditei no curso secundário sobre a fé, religião, vida pura, moral, era bom e bonito, sem dúvida, mas para aquele tempo; hoje, porém, essa concepção é um pouco exagerada e unilateral. Que conhecia eu então da vida e dos meus direitos? Também a Igreja Católica me aparece agora, como que completamente alheia à vida moderna; suas leis, prescrições e proibições são ridículas e antiquadas.”
Querido amigo, alerta! vela por tua fé! São tuas horas mais difíceis: quando essas tentações, empertigando-se diante do teu espírito, ameaçam esmagá-lo. Horas sombrias, em que já muitíssimos perderam tudo.
Sabes quem é que perde tudo?
Quem vê destruídos todos os seus bens, perde muito; o que fica privado duma perna, ou adoece incuravelmente, perde mais; mas o que perdeu a fé, perdeu tudo.
Exemplo típico encontramos no “Fausto” de Goethe: Fausto perde a fé. Que poderá fazer agora? Primeiro atira-se aos prazeres sensuais desenfreados. É feliz? Absolutamente não. Recriminações íntimas e remorsos atormentam-no a todo instante. Que fazer? Submerge em atividade artística e científica. É feliz? Oh, não! Sua alma não está satisfeita. Lança-se então no torvelinho das ocupações febris, faz planos, empreende muita coisa, trabalha, produz sem descanso, assim procurando a paz d’alma, sem saber no entanto que a energia e o trabalho somente recebem sua consagração na vida verdadeiramente religiosa.
Impossível não compreender a verdade das palavras de Paulsen: “A religião faz parte integrante da função normal da natureza humana; sua ausência é sempre indício de perturbação, tanto na vida particular como na sociedade”.
Ouve como se manifesta o desespero dum poeta francês, desertor da fé, num momento de sinceridade:
Passar como um rebanho, olhos fixos no chão,
Renegar tudo o mais, isso é felicidade?
Oh! Não! Mil vezes não! É deixar de ser homem.
Verdade profunda encerra o provérbio russo: “Podemos dispensar nosso pai, prescindir de nossa mãe, mas sem Deus não podemos viver”.
E pois, meu caro, jamais quererás perder teu maior tesouro — tua fé, não é exato? Sabes como a podes conservar? Aplica-te a conhecê-la o melhor possível, permanece humilde de coração, vive segundo a tua crença e guarda-te de leituras e ambientes que a possam fazer periclitar. Observa a palavra do poeta:
O que Deus esculpiu no coração
Para minha alma é lei, obrigação.
Um menino da cidade, que nunca estivera no campo, lá chegou justamente após uma chuva. Embora tivesse todo o cuidado, enlameou-se até os tornozelos, enquanto os sapatos do rapaz do sítio, que lhe ia na frente, ficaram limpos.
— “Meus sapatos estão horrivelmente sujos; como faz você para ficar limpo?”
— “Quando se passa no meio de poças d’água, respondeu o rapaz, a gente não deve olhar para a lama, porque assim se pisa mesmo. É preciso sempre escolher os lugares limpos, e a gente não se suja.”
Seja qual for o meio em que te achares, ou devas viver, não olhes nunca quão pervertidos estão teus camaradas; pelo contrário, dá tua atenção e afeto somente aos limpos de coração.
Moço de caráter – Mons. Tihamer Toth