Publicado em 1975 na revista Itinéraires, este texto do Pe. Calmel permanece atualíssimo. Ele confirmará aqueles que, sem entrar no jogo da subversão, esperam permanecer como filhos fiéis da Igreja (as legendas foram acrescentadas pelo La Porte Latine).
Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est
Seria inútil tentar esconder que a Igreja está sendo submetida, por seu Senhor, a uma provação muito severa, uma provação relativamente nova porque os inimigos que fazem essa guerra contra ela estão escondidos em seu seio. Apesar dos discursos otimistas, o atual Papa(1) não hesitou em falar sobre esta crise. Termos como “autodestruição” são, de fato, dele próprio(2).. Aliás, a experiência quotidiana já não nos permite mais pensar que, tanto do ponto de vista das garantias dadas pela autoridade como do ponto de vista da fé dos fiéis, tudo continuaria a funcionar como funcionava antes do Concílio. A expressão usada por Maritain em Le Paysan de la Garonne: apostasia imanente, nos faz verificar, cada dia mais, sua terrível exatidão. São inúmeros os fatos que revelam as deficiências da autoridade hierárquica, o surpreendente poder das autoridades paralelas, os sacrilégios no culto e as heresias no ensino doutrinal.
A questão da obediência
Diante dessa provação, um grande número de sacerdotes e fiéis tomaram partido daquilo que eles chamam de obediência. Na realidade, eles não obedecem verdadeiramente, porque ordens verdadeiras que ofereçam plena garantia jurídica não são cumpridas. Tomo o exemplo que bem conheço de religiosos e religiosas ou mesmo sacerdotes seculares. Estes e aqueles que se vestem em trajes civis, recitam um ofício forjado por tal casa ou para tal casa, os sacerdotes (e aqui quero dizer os padres piedosos) que compõem as liturgias que mais lhes convêm de acordo com os dias e as assembleias: a respeito de todos eles, devemos dizer que eles obedecem?
Na realidade, eles seguem, geralmente sem muito entusiasmo, indicações ambíguas, submetem-se e absorbem as inovações. Os mais sábios tentam não se comprometer demais de uma forma ou de outra; não excluem radicalmente o que se fazia há séculos, nem assumem o que se chama uma posição de liderança. De qualquer modo, embora caminhem na direção das inovações, é certo que não se trata de obediência no sentido próprio da palavra, mesmo que pensem que é. Eles não se conformam a um preceito que teria as qualidades de um preceito, que se apresentaria com a clareza e a força da obrigação. Parece, sobretudo(3), que eles não querem, ou não ousam, contrariar uma certa moda, cujo valor e validade permanecem bastante perplexos. Em todo caso, esses fiéis, esses padres e esses religiosos estão determinados a não questionar a fé da Igreja, nem a moral que ela ensina. Pensamos que, para um certo número deles, a sua docilidade e a sua boa-fé foram surpreendidas; eles são abusados ao invés de culpados. Mas nunca nos passou pela cabeça pensar que não estariam mais no seio da Igreja. Não os consideramos de outra forma, é evidente, a não ser como filhos da Igreja. A desgraça, a grande desgraça, é que, mesmo sem quererem, seu comportamento entra no jogo da subversão. Eles, de fato, cederam às inovações desastrosas, inovações introduzidas por inimigos ocultos, transformações equívocas e polivalentes, que não têm outro objetivo efetivo senão minar uma certa e sólida tradição, enfraquecê-la e finalmente, sem despertar suspeita, mudar – gradualmente – a religião. Sob o pretexto de que era necessário fazer reformas, sob o pretexto de que era preciso tentar conquistar os protestantes, os modernistas, esses hereges ocultos, trouxeram a Revolução.
Eles, de fato, cederam às inovações desastrosas. A desgraça, a grande desgraça, é que, mesmo sem querer, seu comportamento entra no jogo da subversão.
Ora, há fiéis, padres seculares e regulares, religiosas, alguns bispos, que tendo discernido, mais ou menos rapidamente, mais ou menos profundamente, que as inúmeras inovações provinham da intenção revolucionária do inimigo – e de um inimigo que trabalhava no mesmo lugar –, decidiram, por apego à Igreja, manter o que se praticava, o que se ensinava antes do período muito amargo e muito perigoso da autodemolição. Para a Missa, atêm-se ao rito, à linguagem, à fórmula da Missa tradicional católica, latina e gregoriana; se tiverem que recitar o breviário, usam sempre aquele que era de uso universal antes de João XXIII; mantêm a versão milenar dos salmos, que precede a ridícula revisão jesuíta do Cardeal Bea(4), continuam a rezar o Pai Nosso e a Ave Maria como aprenderam; eles ainda usam a batina de seu estado clerical ou a túnica de sua profissão religiosa, ensinam o catecismo de São Pio X e, assim como na pregação não confundem a vida de graça com o desenvolvimento econômico, assim também no estudo doutrinal não se deixam enganar pela quimera de conciliar o ensinamento da Igreja com as filosofias modernas. Por fim, eles consideram que na ordem social e política a Igreja aprova e favorece unicamente uma cidade que esteja em conformidade com a moral natural e que reconheça os direitos de Deus e do seu Cristo. Eles estão certos de que a Igreja não coloca, e nunca colocará em pé de igualdade uma sociedade e leis revolucionárias de um lado e uma sociedade conforme a lei natural e cristã de outro. A Igreja condena a Revolução e sempre a condenará, seja ela chamada liberalismo ou socialismo.
Os cristãos que, conscientes da ambiguidade das recentes inovações e das intenções perversas, que na realidade estão na sua origem, e que as recusaram por apego à fé e à Igreja, devem ser acusados de desobediência? Se hesitam em segui-los, pelo menos não atire pedras neles.
Dessa forma, portanto, os cristãos que, conscientes da ambiguidade das recentes inovações e das intenções perversas que na realidade estão na sua origem, que os arruínam e corrompem radicalmente, os cristãos, digo eu, que as recusaram por apego à fé e a Igreja, esses fiéis cristãos serão acusados de desobediência? Lamentaremos sua cegueira acusando-os de ceder ao livre-exame, por se colocarem como árbitros da situação? Ficaremos escandalizados por eles não terem uma consciência pesada? Em vez disso, compreendamos que diante da angustiante falta de autoridade, diante da assustadora incerteza das diretrizes e da incrível multiplicidade de mudanças, longe de se colocarem como árbitros, se apegam, por assim dizer, a uma arbitragem, a um conjunto de leis e costumes que se perpetuaram até João XXIII, que ainda eram recebidos pacificamente há cerca de quinze anos, e que só podem ter a certeza absoluta de terem para eles a força da tradição in eodem sensu e eodem essentia(5). Os cristãos de que falo rezam com toda a sua alma a Cristo nosso Senhor, que é nossa cabeça e nosso Rei invisível, para fazer sentir o poder e a santidade de seu governo sobre o corpo místico por uma cabeça visível, por um pontífice romano que, em vez de lamentar a autodemolição, cumprirá seu ofício supremo com clareza e doçura e confirmará a Tradição. Ele irá confirmá-la tendo em conta algumas adaptações necessárias, confirma-la-á sem ambiguidade, garantindo o essencial longe de o expor à ruína. Na expectativa desse dia, não vejo o que autorizaria certos cristãos a tachar de desobedientes aqueles fiéis ou os sacerdotes que guardam a Tradição. Vejo menos ainda o que permitiria acusá-los de não serem mais filhos da Igreja.
A intenção revolucionária dos inovadores
A posição desses fiéis não é nem um pouco confortável. Recusam compromissos, recusam-se a serem cúmplices de uma Revolução que é seguramente modernista. Sociologicamente, eles são mantidos a distância. Quaisquer que sejam seus méritos, posições de responsabilidade não são para eles. Eles não se queixam do restante, sabendo que não podem dar testemunho sem serem pouco ou muito expostos, de acordo com lugares e pessoas, às censuras, à suspeita, à segregação. Eles não se queixam de pagar esse preço para permanecerem filhos da Igreja. Se você hesita em segui-los, ao menos não atire pedras neles. Você teria tanto menos razão em fazê-lo. Eles mesmos nunca pensaram em anatematizá-lo, embora pensem que, provavelmente sem o compreender bem, que vocês estão no jogo da subversão.
Estes cristãos que guardam a Tradição, nada concedendo à Revolução, desejam ardentemente, a fim de serem plenamente filhos da Igreja, que a sua fidelidade seja imbuída de humildade e de fervor. Eles não têm gosto pelo sectarismo ou pela ostentação. Em seu lugar, que é modesto e apenas suportado, procuram manter o que a Igreja lhes transmitiu, tendo a certeza de que ela não o revogou e esforçando-se, na sua manutenção, por manter o espírito daquilo que sustentam.
É obviamente em vista da glória de Deus e da salvação das almas que a Tradição nos transmitiu o rito latino e gregoriano da Santa Missa, o breviário anterior às turbulências, o Catecismo Romano, a ascese e a disciplina do estado eclesiástico e o estado religioso. É também por amor a Deus e pelo bem das almas – em primeiro lugar a nossa alma – e não por um espírito de discórdia ou zelo amargo que tentamos permanecer. Ao fazê-lo, não duvidamos de que somos filhos da Igreja. Não somos, de forma alguma, uma pequena seita marginal. Somos da única Igreja Católica, Apostólica e Romana. Nós nos preparamos da melhor maneira possível para o abençoado dia em que a autoridade, tendo se encontrado em plena luz, tenha a Igreja finalmente libertada das névoas sufocantes do presente julgamento. Ainda que esse dia demore, procuremos não afrouxar o dever essencial de nos santificarmos. Fazemos isso mantendo a Tradição no mesmo espírito em que a recebemos, um espírito de santidade.
Não pertencemos menos à Igreja porque fizemos uma escolha nas Missas que se celebram ou nas formas de sepultamento que se pretendem impor às famílias, contrariando – aliás – a vontade expressa do defunto. Não temos nada de cismático em escolher entre ritos, orações, pregações, pois esta escolha a própria Igreja nos ensinou a fazer. – A este respeito, lembro-me das lamentáveis palavras de Louis Daménie, que era o diretor da Ordem francesa; era fim de 1969, durante a invasão das novas missas. “Até recentemente”, confidenciou-me ele, “eu ia à Missa quase todos os dias e no horário que melhor se ajustava às minhas viagens. Eu estava tranquilo sobre a Missa que encontraria, qualquer que fosse a igreja que eu tivesse entrado. Mas agora vejo tantas variações e diferenças, sofro tanto com esses ritos de comunhão irreverentes e até sacrílegos, esses ritos vis, contrários à fé na Presença Real, contrários à função reservada ao sacerdote… Em uma palavra, acho – por toda parte e por tantas vezes – missas protestantes, missas que não têm nem o caráter de fé nem o de piedade, de modo que sou obrigado a me abster. Afinal, foi a Igreja que me ensinou a fazer como eu faço: não compactuar com quem destrói a fé. Limitei-me à algumas capelas; mas pelo próprio fato desta inevitável limitação, não vou mais à Missa nos dias de semana, exceto muito raramente”. Quem ousaria dizer que o cristão de uma lealdade exemplar que tomou esta decisão tão dolorosa deixou de ser tão filial em relação à Igreja desde o dia em que fez esta escolha? Ele fez esta escolha precisamente porque amava a Igreja como um filho; porque ele sabia que nossa Madre Igreja considera os ritos ambíguos como abomináveis, pois uma Igreja cuja liturgia é ambígua seria injuriosa ao seu Esposo, o Sumo Sacerdote, pois ela exporia seus fiéis a um perigo mortal. Desejo a todos os nossos irmãos católicos que forem tentados a atribuir nossas escolhas a alguma paixão sectária, a qualquer atração pelo cisma, que considerassem que é precisamente para escapar à ruptura na disciplina e do declínio da fé, é para permanecer no seio da Santa Igreja, que mantemos as escolhas que a Tradição manteve. Além disso, se nossas escolhas relativas aos ritos da Missa, catecismos, funerais ou batismos abrissem uma brecha cismática ou procedessem de uma raiz diabólica de rebeldia, seria para que fôssemos atingidos pelas regras e condenados legalmente. Mas não somos. É verdade que somos vistos com desconfiança, muitas vezes somos vistos com indelicadeza, ridicularizados ou desprezados; mas isto não tem nada a ver com sanções legais.
É porque pertencemos à Igreja, é para permanecermos seus filhos dóceis e amorosos, que optamos por não caminhar na direção de todas essas inovações, sabendo bem que o objetivo não declarado, mas certo, é a demolição, a autodemolição. Além disso, é evidente que essas inovações que se multiplicam sem medida e sem restrições não são controladas pelas autoridades eclesiásticas.
A ocupação da Igreja não vai durar para sempre
Não só a Igreja não nos excomungou por estarmos conformes à doutrina e à prática pré-conciliar, mas tudo o que acreditamos sobre a Igreja e em sua viva estabilidade nos convence de que, sem tardar e com muita clareza, ela aprovará nossa atitude e a consagrará com sua autoridade. Não pensamos, não dizemos que ela condenará toda adaptação, abençoará a esclerose, canonizará o entorpecimento… dizemos, ao contrário, que, por efeito de sua santa vontade de afirmar a Tradição no que ela verdadeiramente é, Ela rejeitará com grande clareza as inovações ambíguas que distorcem a Tradição, que a extenuam e a destroem, sob o pretexto de lhe restituir sua pureza primitiva ou a sua amplitude missionária. (Como se, apesar da fraqueza dos homens da Igreja, houvesse alguma antinomia entre vida e Tradição, entre Tradição e zelo, Tradição e vida evangélica). Esperamos na paz, e não no sono, mas na fidelidade atenta que a Igreja, sem demora, levante sua voz poderosa e emita decretos eficazes para fazer saber que Ela não suporta catecismos duvidosos, missas protestantes, a abolição prática do latim na liturgia, nem a supressão prática do cânon latino tradicional romano, nem aquele rito de comunhão tendencioso que sorrateiramente frustra a fé na Eucaristia e no sacerdócio; – e nada diremos aqui sobre a indisciplina religiosa e a anarquia clerical que são um ultraje ao sacerdócio e um insulto aos santos fundadores.
É porque pertencemos à Igreja, é para permanecermos seus filhos dóceis e amorosos, que optamos por não caminhar na direção de todas essas inovações, sabendo bem que o objetivo não declarado, mas certo, é a demolição, a autodemolição.
Certamente chegará o dia em que a Igreja, que nos últimos tempos sofreu com a ocupação inimiga, como repete Madiran com tanta precisão, condenará abertamente todos esses chamados avivamentos que são modernisticamente tendenciosos e contrários à Tradição; e romperá simultaneamente com essas novidades modernistas, com essas autoridades ocultas que, do fundo de algum covil maçônico, habilmente puxam os cordões e introduzem na prática a religião anticristã do homem em evolução. Chegará o dia em que cantaremos com o grande clássico que parafraseava Isaías:
Jerusalém renasce mais brilhante e mais bela…
De onde vem a ela, de todos os lados,
Os filhos que ela não gerou em seu ventre?
Levanta-te, Jerusalém, levanta a tua cabeça altiva…
Os povos caminham à tua luz(6).
Em suma, se estamos convencidos de que as inovações pós-conciliares não são da Igreja e que não comprometem nossa obediência, e que serão claramente rejeitadas quando a ocupação da Igreja terminar, é porque essas perturbações agem por si só para destruir a Igreja se a considerarmos em seu mistério fundamental. Se, de fato, vemos a Igreja como o templo e morada de Deus entre os homens ou como mediadora divinamente assistida da verdade e da graça, se a vemos como o Corpo de Cristo e sua extensão mística – Jesus Cristo derramado e comunicado, disse Bossuet – ou como a Noiva sem mácula, nem ruga, que dispensa bênçãos sobrenaturais aos pecadores, em íntima união com seu Noivo e seu Rei; seja como for(7), as medidas ambíguas, o ritual mutável, o catecismo sem forma, a moral sem preceito, a disciplina religiosa sem obrigação, a autoridade hierárquica despersonalizada e transferida a um aparelho fugaz e anônimo, enfim, nenhuma destas invenções pós-conciliares pertence verdadeiramente à Igreja. Não temos que levar isso em conta, pois somos filhos da Igreja e pretendemos continuar assim. Guardamos a Tradição com paciência. As forças modernistas ocupantes não poderão mais pregar os lábios sagrados de nossa Mãe. Ela nos dirá em voz alta que não temos nada melhor a fazer do que guardar santamente a Tradição. Patientia pauperum non peribit in finem (Salmo 9): A paciência dos pobres não será mais enganada indefinidamente.
Notas:
1. Trata-se, portanto, em 1975, o Papa Paulo VI (nota da LPL).
2. Sobre algumas dessas expressões de Paulo VI, tomamos a liberdade de nos referir ao artigo do Padre Jean-Michel Gleize, “Les fumes de Satan” (Nota da LPL).
3. Falamos de simples sacerdotes regulares e seculares; o caso dos Bispos e Cardeais, especialmente na França e em Roma, é certamente muito mais complexo e muito mais perturbador.
4. Esta versão, lançada no final do reinado de Pio XII, já não é mais defendida por ninguém, nem mesmo pela Companhia de Jesus. – Para compreender a imprudência desta reformulação do Saltério, com a abolição do latim bíblico, pode-se ler no Dictionnaire de Theologie catholique o artigo Versions de la Bible. Mas quem, há quase 30 anos, teria interesse em aconselhar um grande Papa numa “reforma” já tão alheia à Tradição?
5. No mesmo sentido e na mesma concepção. (São Vicente de Lerins, Commonitorium. Citado no I Conc. do Vaticano, Constituição Dei Filius, final do cap. IV.
6. Cena VII do Ato III de Athalie
7. Sobre este duplo aspecto do único mistério da Igreja, tomamos a liberdade de remeter o benevolente leitor ao capítulo VII do tomo I de Mystères du Royaume de la Grâce (Editora DMM Paris), págs. 122–127.