Considerando, Veneráveis Irmãos, tamanha excelência das castas núpcias, mais doloroso Nos parece ver como esta divina instituição, especialmente nos nossos tempos, é tantas vezes e com tanta facilidade desprezada e vilipendiada.
É um fato, em verdade, que não já em segredo, nas trevas, mas abertamente, posto de parte todo o sentido do pudor, quer oralmente, quer por escrito, pelas representações teatrais de todos os gêneros, pelos romances, pelas novelas e leituras amenas, pelas projeções cinematográficas, pelos discursos radiofônicos, enfim, por todas as descobertas mais recentes da ciência, se calca aos pés e se ridiculariza a santidade do matrimônio; ao passo que ou se louvam os divórcios, os adultérios e os vícios mais ignominiosos, ou pelo menos se pintam com tais cores, que parecem querer mostrá-los como isentos de qualquer mácula e infâmia. E não faltam livros que para tal se apresentam como científicos, mas que na realidade o mais das vezes não têm de ciências senão umas tinturas, com o fim de se poderem mais facilmente insinuar nos espíritos. E as doutrinas neles defendidas preconizam-se como maravilhas do espírito moderno, isto é, daquele espírito que se vangloria de amar só a verdade, de se ter emancipado de todos os velhos preconceitos, no número dos quais inclui e relega a tradicional doutrina cristã do matrimônio.
E até se fazem penetrar tais máximas entre todas as condições de pessoas, ricos e pobres, operários e patrões, letrados e ignorantes, solteiros e casados, crentes e descrentes, adultos e jovens; e particularmente a estes últimos, como à presa mais fácil, se lançam os laços mais perigosos.
Uma obrigação santa
É certo que nem todos os fautores dessas novas máximas se deixam arrastar a todas as últimas conseqüências da sensualidade desenfreada; alguns deles, esforçando-se por deter-se a meio caminho, queriam fazer algumas concessões aos nossos tempos, mas só quanto a alguns preceitos da lei divina e natural. Estes, porém, não passam de mandatários mais ou menos conscientes daquele nosso inimigo que sempre se esforça por semear a cizânia no meio do trigo (Cf. Mt 13, 25). É por isso que nós, a quem o Pai de família colocou como guarda do seu campo, e que temos o sacrossanto dever de vigiar que a boa semente não seja sufocada pelas ervas más, julgamos que nos são dirigidas aquelas gravíssimas palavras com que o Apóstolo Paulo exortava seu querido Timóteo: “Mas tu vigia… cumpre o teu ministério… prega a palavra, insiste oportuna a importunamente, repreende, suplica, exorta com toda a paciência e doutrina” (2 Tim 4, 2 a 5).
E, visto que, para evitar as fraudes do inimigo, é necessário antes de mais nada descobri-las, e que é muito útil avisar os incautos de suas perfídias, não podemos de forma alguma calar-Nos, por causa do bem e da salvação das almas, embora preferíssemos nem sequer falar em semelhantes iniqüidades, “como convém aos santos”. (Ef 5, 3).
Negação blasfema
Para começar pela própria origem de tais males, a sua principal raiz está em dizer que o matrimônio não foi instituído pelo Autor da natureza nem elevado por Nosso Senhor Jesus Cristo à dignidade de sacramento, mas que é uma invenção humana. Outros sustentam que não encontraram dele indício algum na natureza e nas leis que a regem, mas que encontraram apenas o poder de gerar a vida e um forte impulso para o satisfazer, seja como for; alguns ainda reconhecem na natureza humana certos princípios e como germes do verdadeiro casamento, no sentido de que, se os homens não se unissem por vínculo estável, não se teria provido suficientemente à dignidade dos cônjuges e ao fim natural da propagação e da educação dos filhos. E, todavia, estes ensinam também que o matrimônio, por exceder estes germes, com o concurso de várias causas, foi inventado só pelo espírito humano e instituído só pela vontade dos homens.
As terríveis conseqüências
Quão grave seja o erro de todos estes e quão vergonhosamente se desviam da honestidade, já se compreende por tudo quanto nesta Nossa Encíclica expusemos acerca da origem e da natureza do matrimônio e dos fins e benefícios que lhe são inerentes. E que estas teorias são preniciosíssimas revelam-no ainda as conseqüências que os seus próprios defensores delas deduzem: que, tendo as leis, as instituições, os costumes, pelos quais se rege o matrimônio, nascido apenas da vontade dos homens, a esta somente se devem sujeitar; daí deriva que se poderão e deverão estabelecer, modificar e derrogar, consoante aprouver aos homens. Quanto ao poder gerador, visto que se funda na própria natureza, dizem que é mais sagrado e mais amplo do que o matrimônio, podendo por isso exercer-se quer dentro, quer fora dos limites da vida matrimonial, ainda sem ter em conta os fins do matrimônio, como se a libertinagem de uma mulher impudica gozasse quase dos mesmos direitos que a casta maternidade da legítima consorte.
Abominações
Apoiados nestes princípios, chegam alguns a inventar formas de união, adaptadas, segundo crêem, às atuais condições dos homens e dos tempos, e que apresentam como novas formas de matrimônio: casamento temporário, casamento de experiência e casamento amigável, que reclamam para si a plena liberdade e todos os direitos do matrimônio, com exceção do vínculo indissolúvel e com exclusão da prole, a não ser no caso em que as partes venham depois a transformar essa comunidade e intimidade de vida em matrimônio de pleno direito.
E não faltam os que pretendem, a tal instando, que semelhantes abominações sejam contestadas pelas leis ou pelo menos desculpadas pelos costumes públicos dos povos e por suas instituições; e parece que não suspeitam sequer que semelhantes coisas, longe de se poderem exaltar como conquistas da cultura moderna, de que tanto se vangloriam, são ao contrário aberrações nefandas, que reduziriam, sem dúvida, ainda as nações cultas aos bárbaros usos de alguns povos selvagens.
Trecho da Encíclica Casti Conubii, de S. S. Papa Pio XI