Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa
A seita modernista assemelha-se ao famoso labirinto habitado pelo monstro Minotauro e construído engenhosamente por Dédalo, à maneira do rio Meandro, cuja correnteza obedecia à lei do fluxo e refluxo, de modo que não tinha começo nem fim. Como se sabe, quem entrava no labirinto não encontrava mais a saída, ficava perdido, ao menos que tivesse o novelo de linha de Ariadne, e acabava devorado pelo Minotauro.
Assim também, em geral, quem entra para a seita modernista não percebe suas infinitas contradições, fica desorientado, e acaba tendo devoradas a fé e a razão. Entretanto, na seita modernista há quem queira conservar a fé apesar de enredado por contradições doutrinárias, e há também os que, percebendo as contradições, renegam a fé como adesão da inteligência à verdade revelada, aderem ao imanentismo religioso, ficam subjetivistas e rebaixam a razão a uma função pragmática, interessados apenas em resolver problemas concretos e imediatos.
Segundo o filósofo italiano Michele Federico Sciacca em seu belo estudo sobre O idealismo moderno, publicado no volume Heresias do nosso tempo (Porto, 1956), o filósofo idealista Giovanni Gentili teve o mérito de pôr em evidência as contradições dos modernistas: “o vosso princípio é intelectualista (Deus transcendente); o vosso método subjetivista (Deus imanente). Permaneceis católicos porque o princípio opõe-se ao vosso método, mas, na realidade, este método, julgado à luz desse princípio, leva ao ateísmo”. O modernismo, digamos assim, é duplamente herético: relativamente ao Cristianismo, porque o seu método leva ao ateísmo; relativamente ao próprio idealismo, de que é filho, porque o seu princípio (a transcendência) contradiz a imanência idealista.
Com efeito, o referido ensaio de Siacca pode servir como um novelo de linha de Ariadne ajudando as pessoas que entraram no labirinto do modernismo a encontrar a saída e o retorno à integridade da fé católica.
Sciacca demonstra as raízes idealistas da seita modernista, apontando a sucessão a histórica dos diversos autores modernistas, todos eles filiados de alguma forma à filosofia hegeliana. Diz ele: “É inegável a sucessão histórica (que significa também filiação intelectual) Hegel – Feuerbach – Strauss – Renan – Loisy; e Loisy é a expressão mais genuína do modernismo, enquanto das premissas tira as conclusões e sai do equívoco e da contradição dos outros seus companheiros de heresia. Com efeito, o modernismo, em muitos modernistas, foi, essencialmente, uma contradição entre o princípio (a transcendência de Deus e a revelação) e o método historicista ou pragmatista, que leva direito à imanência, à doutrina da formação histórica do dogma e, por conseguinte, à negação da Revelação, da divindade de Cristo e da divindade da Igreja Católica.” (o. c. p. 57)
Esta contradição do modernismo é muito bem ilustrada por Mons. Francesco Spadafora em sua obra La nuova esegesi (Albano, 1996), na qual o exímio exegeta mostra as devastadoras consequências da utilização do método histórico-crítico ou a “história das formas” de matriz racionalista-idealista sobre a exegese católica. Diz ele que tal método contrasta claramente com as três verdades reveladas que estão na base da exegese católica: a inspiração divina da Sagrada Escritura, sua inerrância absoluta, a historicidade dos nossos quatro Santos Evangelhos.
Conta também Mons. Spadafora suas várias tentativas vãs de convencer o cardeal Ratzinger sobre a situação catastrófica do Instituto Bíblico onde o método histórico-crítico era praticado pelos sequazes do famigerado cardeal Carlo Martini. Porém, o mais interessante que nos informa mons. Spadafora é que o documento da Pontifícia Comissão Bíblica, sob o título Interpretação da Bíblia na Igreja, tem um prefácio assinado pelo cardeal Ratzinger no qual o purpurado diz: “Na história da interpretação,o uso do método histórico-crítico assinalou o início de uma nova era. Graças a este método apareceram novas possibilidades de compreender o texto bíblico no seu sentido original.” (o.c. p. 15).
Monsenhor Spadafora conta que protestou vivamente junto ao cardeal Ratzinger contra a publicação do livro Exegese cristã hoje, de autoria do mesmo cardeal juntamente com o jesuíta Ignace de la Poterie, no qual o referido jesuíta repete suas teses errôneas sobre a inerrância bíblica. E comenta: “Sua Eminência o cardeal, participando do livro com seu estudo sobre a Formengeschichte de Bultmann, deu a impressão lógica de partilhar das heresias de Ignace de la Poterie.” E na página 129 conclui categoricamente:
“Efetivamente eu não vejo – e a exegese de hoje me dá a maior confirmação – como um exegeta católico possa adotar os sistemas racionalistas chamados pelo cardeal Ratzinger “método histórico-crítico” (formengeschichte e redaktionsgeschichte), sem renegar os dogmas quando não as verdades de fé divina e católica que devem estar no fundamento da exegese católica, as quais foram reiteradas ininterruptamente pelos romanos pontífices contra a agressão do modernismo (…) Por ora, basta citar Simon-Dorado: a formengeschichte contra o dogma católico notiones inspirationis, inerrantiae, traditionis apostolicae pervertit.”
E mais adiante, na página 207, mons. Spadafora evidencia a contradição do ilustre cardeal: “No seu estudo, o cardeal alterna luzes e sombras em um crepúsculo humanamente sem esperança: admissões, reconhecimentos também exatos sobre a crise da exegese católica, juízos substancialmente negativos sobre o sistema Bultimann-Dibelius (a formegeschichte), mas também afirmações que contradizem as precedentes, como, por exemplo: “a Dei Verbum sublinhou a legitimidade e também a necessidade do método histórico”!
Como se vê, é muito procedente a observação do filósofo Giovanni Gentili reportada acima. A contradição da maioria dos modernistas é uma constante ao longo da história dessa heresia.
Mas voltemos à análise de Michele Federico Sciacca sobre as diversas implicações teológicas do idealismo. Explica o filósofo que, conforme a dialética hegeliana, há uma negação do ser e de cada ser, que se conserva “destruindo-se”. De maneira que a religião, segundo momento do Espírito Absoluto, conserva-se na filosofia, onde precisamente se nega. (1) Isto significa que o momento religioso está contido no filosófico e que é por ele superado; mas o momento filosófico é o da plena racionalidade, é consciência reflexa do conteúdo religioso que, como tal, ainda é puramente “representativo”; a religião, portanto, fica absorvida e dissolvida na filosofia. E isto é mais que uma heresia: é a negação da religião como tal, quer enquanto se nega que ela tenha a sua autonomia na vida do espírito, quer enquanto se exclui radicalmente qualquer forma de saber revelado (…) Daqui a conclusão de alguns pensadores da chamada “esquerda” hegeliana: a religião, antes de o seu conteúdo ser reduzido à racionalidade do momento filosófico ou reflexo, é um “mito”, uma ficção poética.
Hoje pode-se dizer que assistimos ao esforço mundial de reduzir a religião à filosofia social, despojando-a de qualquer dogma e pondo-a serviço de um grande projeto político. Realmente, para a consolidação da Nova Ordem Mundial, não vemos hoje a instrumentalização de todas as religiões, a promoção do sincretismo, um esforço de criar uma nova religião mundial que ajude a dar coesão a uma nova organização das nações? E mais não vemos tentativas de dar uma explicação meramente sociológica da origem da religião? A meu ver, tudo isto se filia à filosofia idealista, conforme a explicação de Sciacca.
Para remate destas considerações, desejaria assinalar que a imagem do labirinto de fato se adapta perfeitamente aos antros modernistas. O labirinto foi construído à maneira do rio Meandro que tinha fluxo e refluxo. Ora, sob o pontificado de João Paulo II e Bento XVI, houve um refluxo depois da violenta correnteza dos tempos de João XXIII e Paulo VI. Hoje temos um forte fluxo do modernismo sob o pontificado de Francisco I. Mas devo dizer que prefiro o clima de anarquia e plena liberdade promovido por Francisco àquela falsa ordem ou ditadura da nouvelle theologie vivida sob os reinados de João Paulo II e Bento XVI em que os teólogos condenados por Pio XII na Humani generis foram elevados à categoria de doutores da Igreja.
Prefiro o papa Francisco que, com toda franqueza, acolhe a Fraternidade São Pio X sem exigir nenhuma declaração doutrinária (porque sabe honestamente quanta contradição há no modernismo) a Bento XVI que tentava encobrir tudo com o manto da hermenêutica da continuidade. Prefiro o papa Francisco porque sabe que o seu irmão de ordem religiosa o Pe. Jacques Dupuis SJ tinha razão quando recusou retratar-se diante do cardeal Ratzinger, afirmando com plena coerência sua teoria do salto qualitativo da teologia católica das religiões como fruto do Vaticano II.
Anápolis, 4 de abril de 2017.
Semana da Paixão. Festa de Santo Isidoro, bispo e doutor.
Na filosofia hegeliana, é de capital importância a noção de Espírito, que se distingue em espírito subjetivo, espírito objetivo e espírito absoluto. Espírito subjetivo é o espírito finito, a alma, o intelecto, a razão. Por espírito objetivo, Hegel entende as instituições fundamentais do mundo como o direito, a moral. Por espírito absoluto ele entende o mundo da arte, da religião e da filosofia. Nas concepções objetiva e absoluta, o espírito deixa de ser uma atividade subjetiva para tornar-se uma realidade histórica. (cf. Abbagnano)