Enfim, também nos graus de graças e glória é preciso uniformarmo-nos com o divino querer: devemos estimar aquelas coisas, que pertencem à gloria de Deus, mas devemos estimar ainda mais a Sua divina vontade: devemos desejar amá-lO mais que os Serafins; mas não devemos desejar maior grau de amor, que não seja aquele que o Senhor tem determinado conceder-nos. O padre Ávila diz (Audi. filia. C. 22.) «Eu creio que os Santos desejariam ser ainda melhores do que foram; porém esses desejos não perturbavam a paz de suas almas, porque eles, se assim o desejavam, não era por motivos de próprio interesse, mas para glória de Deus, a cujas distribuições se submetiam, ainda que Ele menos lhes desse; estimando como perfeito amor o estarem satisfeitos com o que Deus lhes tinha dado, e não apetecendo mais».
Assim Rodriguez o interpreta (Trat. 8. G. 30.), que, ainda que devemos ser diligentes em aspirar a perfeição até onde possamos chegar, para não servir de escusa a nossa preguiça e tibieza, como alguns fazem, e dizermos: Deus nos dará isto; eu posso fazer só isto: com tudo quando faltamos nesta carreira, não devemos perder a nossa paz de espirito, nem a conformidade com a vontade divina, a qual permitiu nossa falta, humilhar-nos e arrepender-nos; e procurando maior adjutório em Deus, prosseguir nossa carreira. Por este modo, ainda que aspiremos a ser exaltados no Céu ao coro dos Serafins, não por certo para termos maior glória, mas sim para a dar maior a Deus, e amá-lO ainda mais, todavia devemos resignar-nos à sua santa vontade, contentando-nos com aquele grau, que a Sua misericórdia se digne conceder-nos.
Seria pois grande culpa desejar dons de sobrenatural oração, e particularmente êxtases e revelações. Os mestres da vida espiritual nos ensinam, quando as almas são favorecidas com tais dons, que deveriam orar para serem privadas deles, para poderem amar a Deus pelo puro caminho da fé, o qual é o mais seguro. Muitos tem chegado à perfeição, sem esses sobrenaturais favores; a virtude é bastante para elevar a alma à santidade, e principalmente a da uniformidade com a vontade de Deus. E se Deus se não apraz de elevar-nos a um sublime grau de graça e glória, devemos conformar-nos à Sua santa vontade, pedindo-Lhe que ao menos, por Sua misericórdia, sejamos salvos. Se assim fizermos, a recompensa não será pequena, a qual o nosso bom Senhor derramará sobre nós pela Sua bondade, porque Ele ama sobretudo aqueles que se resignam às Suas determinações.
Numa palavra, devemos olhar para tudo quanto nos acontecer, como vindo das mãos de Deus. E a este fim se devem dirigir todas ao nossas ações. Fazer a vontade de Deus, fazê-la, porque é a Sua vontade. E para assim o observarmos mais seguramente, devemos deixar-nos guiar por nossos diretores, quanto ao interno, em ordem a conhecermos a vontade de Deus a nosso respeito, tendo grande confiança nestas palavras de Jesus Cristo: «Aquele que vos ouve, a mim ouve.» ( 8. Luc. X. 16.)
E sobretudo devemos ser cuidadosos de servir a Deus por aquele caminho que Ele quer que O sirvamos. Digo isto em ordem a evitar a ilusão de muitos, que se entretém com a idéia de que estão perdendo o seu tempo, e dizem: Se eu estivesse em um deserto, se entrasse em um mosteiro, se eu estivesse em outra qualquer parte que não fosse esta, distante de parentes e companheiros, viria a ser Santo; praticaria estas ou aquelas mortificações, e me entregaria todo a oração. Eles dizem, eu faria, eu faria: mas no entanto, suportando involuntariamente a cruz que Deus lhes tem dado, não caminhando pelo vereda que o Senhor lhes tem mostrado, não só se não tornam Santos, mas fazem-se maus, péssimos. Estes desejos são muitas vezes tentações do Diabo; porque não são conformes com a vontade de Deus; e devemos por isso rejeitá-los, e tomar ânimo para servimos a Deus no caminho que Ele nos tem escolhido. Fazendo assim, viremos a ser Santos, em qualquer estado de vida, em que o Senhor nos tenha colocado.
Queiramos pois sempre o que Deus quer, e fazendo assim, Ele nos abraçará em Seu seio. Para este fim façamos-nos familiares, com certas passagens da Escritura, as quais nos chamam a unir-nos em todo o tempo com a divina vontade: Senhor, que queres tu que eu faça? Dize-me, ó Deus, o que queres de mim, e eu cumprirei a Vossa vontade em todas as coisas, Eu sou Vosso, salva-me. (Ps. XVIII. 94.) Já não sou de mim mesmo, mas Vosso, ó Senhor, faze de mim o que for do Vosso agrado. Particularmente quando alguma pesada adversidade nos oprime, a morte dos parentes ou amigos, ou a perda de bens ou de reputação, digamos, sim, meu Pai, sim, meu Deus, porque assim Vos é agradável. «Sim, meu Pai e meu Senhor, assim seja feito, porque assim Vos agrada.» (Math. 26) E sobretudo seja-nos preciosa aquela oração que Jesus Cristo nos ensinou : Seja feita a Vossa vontade assim na terra como no Céu. Nosso Senhor disse à Santa Catarina de Gênova. «que todas as vezes que recitasse o Padre Nosso, se demorasse particularmente nestas palavras, rogando-Lhe que ela pudesse cumprir na terra a Sua santíssima vontade, com a mesma perfeição com que os Bem-aventurados a cumprem no Céu.» Façamos pois outro tanto, e seremos Santos no Céu.
Tratado da conformidade com a vontade de Deus – Santo Afonso