O NOVO CONCEITO DE PENITÊNCIA

Qual é a matéria do sacramento da Confissão?

O sacramento da penitência não pode ser senão individual. Por definição e conforme a sua essência, ele é, como lembrei mais acima, um ato judiciário, um julgamento. Não se pode julgar sem estar a par de uma causa; é preciso ouvir a causa de cada um para julgá-la e depois perdoar ou reter os pecados. S. S. João Paulo II insistiu várias vezes neste ponto, dizendo notadamente no dia 1°. de abril de 1983 a bispos franceses que a confissão pessoal das faltas seguida da absolvição individual “é antes de tudo uma exigência de ordem dogmática”. Por conseguinte é impossível justificar as cerimônias de “reconciliação” explicando que a disciplina eclesiástica se abrandou, que se adaptou às exigências do mundo moderno. Não se trata de um caso de disciplina.

Havia precedentemente uma exceção; a absolvição geral dada em caso de naufrágio, de guerra: absolvição aliás cujo valor é discutido pelos autores. Não é permitido fazer da exceção uma regra. Se se consultam os Atos da Sé apostólica salientam-se as expressões seguintes tanto nos lábios de Paulo VI como nos de João Paulo II em diversas ocasiões: “o caráter excepcional da absolvição coletiva”, “em caso de grave necessidade”, “caráter inteiramente excepcional”, “circunstâncias excepcionais”…

As celebrações deste gênero não deixaram, contudo, de se tornar um hábito, sem, entretanto, serem freqüentes numa mesma paróquia, à falta de fiéis dispostos a pôr-se em ordem com Deus mais de duas ou três vezes no ano. Não se experimenta mais a necessidade disto, o que era de prever, visto que a noção de pecado se extinguiu nos espíritos. Quantos sacerdotes lembram a necessidade do sacramento da penitência? Um fiel me disse que, confessando-se conforme os seus deslocamentos numa ou noutra das igrejas parisienses onde ele sabe poder encontrar um “sacerdote de acolhimento”, recebe freqüentemente as felicitações ou os agradecimentos deste, todo surpreso de ter um penitente.

Estas celebrações submetidas à criatividade dos “animadores” compreendem cantos; ou então se coloca um disco. Depois se dá um lugar à liturgia da palavra antes de uma prece litânica à qual a assembléia responde: “Senhor, tende piedade do pecador que sou”, ou uma espécie de exame de consciência geral. O “Eu pecador me confesso a Deus” precede a absolvição dada uma vez por todas e a todos os assistentes, o que não deixa de pôr um problema: uma pessoa presente que não a desejasse vai receber a absolvição contra a sua vontade? Vejo numa folha roneotipada distribuída aos participantes de uma destas cerimônias, em Lourdes, que o responsável se coloca a questão: “Se desejamos receber a absolvição, venhamos mergulhar nossas mãos na água da fonte e tracemos sobre nós o sinal da cruz” e, no fim: “Sobre aqueles que se benzeram com o sinal da cruz com a água da fonte o sacerdote impõe as mãos (?). Unamo-nos à sua prece e recebamos o perdão de Deus.”

Um jornal católico inglês, The Universe, fazia-se, há alguns anos, o defensor duma operação lançada por dois bispos e que consistia em reaproximar da Igreja os fiéis que tinha há muito tempo abandonado a prática religiosa. O apelo lançado pelos bispos assemelhava-se aos comunicados publicados pelas famílias de adolescentes fugitivos: “O pequeno X pode retornar à sua casa, não lhe será feita nenhuma censura.”

Dizia-se então a estes futuros filhos pródigos: “Vossos bispos vos convidam durante esta Quaresma a rejubilar-vos e a celebrar. A Igreja oferece a todos os seus filhos, à imitação de Cristo, o perdão de seus pecados, com toda liberdade e facilidade, sem que eles o mereçam e sem que o peçam. Ela os pressiona a aceitá-lo e lhes suplica que voltem para casa. Há muitos que desejam retornar à Igreja após anos de afastamento, mas eles não se podem resolver a ir confessar-se. Em todo o caso não logo…”

Eles podiam então aceitar o oferecimento seguinte: “Na missa da estação à qual o bispo assistirá no vosso decanato (aqui se mencionam o dia e a hora) todos os que estiverem presentes serão convidados a aceitar o perdão de todos os seus pecados passados. Não lhes é necessário confessar-se neste momento. Ser-lhes-á suficiente ter o pesar de seus pecados e o desejo de retornar a Deus, de confessar seus pecados mais tarde após serem acolhidos de novo no aprisco.

“Esperando, eles não têm senão que deixar Nosso Pai dos céus” estreitá-los em seus braços e abraçá-los ternamente”! Mediante um ato generoso de arrependimento o bispo concederá a todos os presentes que o desejarem, o perdão de seus pecados. Eles podem então imediatamente voltar à santa comunhão”…

O Jornal da Gruta, folha bimensal de Lourdes, reproduzindo este curioso mandamento episcopal impresso sob o título “General absolution. Communion now, confession later” (“Absolvição geral. Comunhão já, confissão mais tarde”) comentava-o assim: “Nossos leitores poderão dar-se conta do espírito profundamente evangélico que o inspirou, assim como da compreensão pastoral das situações concretas das pessoas.”

Eu não sei o resultado que foi obtido, mas a questão é outra: a anistia pronunciada pelos dois bispos evoca a liquidação dos estoques em fim de semana comercial. Pode a pastoral tomar a dianteira sobre a doutrina a ponto de levar à comunhão do Corpo de Cristo a fiéis dos quais muitos estão provavelmente em estado de pecado mortal, após terem abandonado há tantos anos a prática religiosa? Certamente não. Como encarar tão levianamente pagar a conversão com sacrilégio? E esta conversão tem porventura muitas probabilidades de ser seguida de perseverança? Em todo caso pudemos verificar que antes do concílio e do aparecimento desta pastoral de aceitação contavam-se 50 a 80.000 conversões por ano na Inglaterra. Elas caíram quase a zero. A árvore se conhece pelos seus frutos.

Os católicos estão tão perplexos na Grã-Bretanha como na França. Um pecador ou um apóstata que seguiu o conselho de seu bispo apresentando-se à absolvição coletiva e à mesa sagrada nestas condições, não corre o risco de perder sua confiança na validade de sacramentos tão facilmente administrados? Que vai acontecer se, em conseqüência, ele negligencia “regularizar” a situação confessando-se? Sua volta falha à casa do Pai não fará senão tornar mais difícil uma conversão definitiva.

Eis aonde termina o laxismo dogmático. Nas cerimônias penitenciais que se praticam, dum modo menos extravagante, em nossas paróquias, que certeza tem o cristão de estar verdadeiramente perdoado? Ele é abandonado às inquietudes que conhecem os protestantes, aos tormentos interiores provocados pela dúvida. Certamente não ganhou com a troca.

Se a coisa é má no plano da validade, ela também o é no plano psicológico. Assim, que absurdo conceder perdões coletivos, salvo, para as pessoas que têm pecados graves, desde que se confessem em seguida! Elas não se vão designar diante das outras como tendo pecados graves na consciência, é evidente! É como se o segredo da confissão fosse violado.

Deve-se acrescentar que o fiel que comungar após a absolvição coletiva, não verá mais a necessidade de se apresentar de novo ao tribunal da penitência e isto se compreende. As cerimônias de reconciliação não se ajuntam pois à confissão auricular, elas a eliminam e a suplantam. Está-se a caminho do desaparecimento do tribunal da penitência, instituído como os seis outros pelo próprio Senhor. Nenhuma preocupação pastoral poderia justificá-lo.

 

Trecho da Carta Aberta aos Catolicos Perplexos, de D. Marcel Lefebvre, que pode ser lida clicando aqui