O PEQUENO NÚMERO DAQUELES QUE SÃO SALVOS – PARTE 4

homem-rezandoSalvação nos vários estados da vida

Mas oh, eu vejo que ao falar desta forma de todos em geral, estou deixando de lado o meu ponto de vista. Por isso, vamos aplicar esta verdade a várias situações, e você entenderá que deve ou jogar fora a razão, experiência, e o senso comum dos fiéis, ou confessar que o maior número de católicos é condenado. Há alguma condição no mundo mais favorável à inocência onde a salvação parece ser mais fácil e de que as pessoas tenham em mais alta consideração do que a de sacerdotes, os tenentes de Deus? À primeira vista, quem não pensaria que a maioria deles não são apenas bons, mas mesmos perfeitos; ainda fico horrorizado quando ouço São Jerônimo declarando que, embora o mundo esteja cheio de padres, somente um em cada cem está vivendo de uma maneira que esteja em conformidade com a sua situação; quando eu ouço um servo de Deus testemunhando o que aprendeu por revelação, que o número de sacerdotes que cai no inferno a cada dia é tão grande que parecia impossível para ele que houvesse sido deixado algum sobre a terra; quando eu ouço São Crisóstomo exclamando com lágrimas nos olhos, “Eu não acredito que muitos padres são salvos; eu acredito o contrário, que o número daqueles que são condenados é maior.”

Olhe mais longe ainda, e veja os prelados da Santa Igreja, os pastores que têm o encargo das almas. É o número daqueles que são salvos entre eles maior do que o número daqueles que são condenados? Ouça Cantimpre; ele vai relatar um evento, e você pode tirar as conclusões. Houve um sínodo realizado em Paris, e um grande número de prelados e pastores que tinham o encargo de almas estavam presentes; o rei e os príncipes também compareceram para acrescentar brilho aquela assembleia por suas presenças. Um famoso pregador foi convidado para pregar. Enquanto ele estava preparando seu sermão, um demônio horrível apareceu para ele e disse, “Deixe seus livros de lado. Se você quiser dar um sermão que será útil a estes príncipes e prelados, contente-se em dizer-lhes que da nossa parte, ‘Nós os príncipes das trevas agradecemos, príncipes, prelados, e pastores de almas, que, devido à sua negligência, o maior número de fiéis são condenados; também, estamos guardando uma recompensa para vocês, por esse favor, quando estiverem conosco no inferno.’”

Ai de vós que comandam outros! Se tantos são condenados por sua culpa, o que vai acontecer com você? Se alguns dos que estavam na primeira Igreja de Deus estão salvos, o que vai acontecer com você? Pegue todas as situações, ambos os sexos, todas as condições: maridos, esposas, viúvas, mulheres jovens, homens jovens, soldados, mercadores, artesãos, ricos e pobres, nobres e plebeus. O que somos nós para falar de todas essas pessoas que estão vivendo tão mal? A seguinte narrativa de São Vicente Ferrer vai esclarecer o que você pode pensar sobre isso. Ele relata que um arquidiácono de Lyons desistiu de seu cargo e se retirou para um lugar deserto para fazer penitência, e que morreu no mesmo dia e hora que São Bernardo. Após sua morte, ele apareceu ao seu bispo e disse-lhe: “Sabe, Monsenhor, que na mesma hora em que eu morri, 33.000 pessoas também morreram. Desse total, Bernard e eu fomos para o céu sem demora, três foram para o purgatório, e todos os outros caíram no Inferno.”

Nossas crônicas relatam um acontecimento ainda mais terrível. Um de nossos irmãos, bem conhecido por sua doutrina e santidade, estava pregando na Alemanha. Ele demonstrou a feiura do pecado da impureza de maneira tão forte que uma mulher caiu como morta de tristeza na frente de todos. Então, voltando à vida, ela disse, “Quando eu era apresentada perante o Tribunal de Deus, 60 mil pessoas chegaram ao mesmo tempo de todas as partes do mundo; desse número, três foram salvos por ir para o Purgatório, e todo o resto foi condenado.”

Oh abismo dos juízos de Deus! De 30 mil, apenas cinco foram salvas! E de 60 mil, apenas três foram para o céu! Vocês pecadores que estão me ouvindo, em qual categoria vocês vão estar?… O que vocês dizem?… O que vocês acham?…

Vejo quase todos vocês abaixando a cabeça, cheios de espanto e horror. Mas vamos colocar nosso estupor de lado, e, em vez de lisonjear-nos, vamos tentar tirar algum proveito do nosso medo. Não é verdade que há duas estradas que levam ao céu: inocência e arrependimento? Agora, se eu mostrar-lhe que pouquíssimos tomam qualquer uma destas duas estradas, como pessoas racionais concluiremos que pouquíssimos são salvos. E para provar: em qual idade, emprego ou condição você vai notar que o número de ímpios é cem vezes maior que o das pessoas de bem, e sobre os quais pode-se dizer, “Os bons são tão raros e os ímpios são tão maiores em número”?

Poderíamos dizer dos nossos tempos o que Salvianus disse do dele: é mais fácil encontrar uma multidão incontável de pecadores imersos em todos os tipos de iniquidades que alguns homens inocentes. Quantos servidores são totalmente honestos e fiéis em seus deveres? Quantos comerciantes são justos e equitativos em seu comércio; quantos artesãos exatos e verdadeiros; quantos vendedores desinteressados e sinceros? Quantos homens da lei não se esquecem da justiça? Quantos soldados não pisam na inocência; quantos patrões não retém injustamente o salário daqueles que os servem, ou não procuram dominar os seus empregados? Em todos os lugares, os bons são raros e os maus são em grande número. Quem não sabe que hoje existe tanta libertinagem entre os homens maduros, a permissividade entre as jovens, a vaidade entre as mulheres, a libertinagem na nobreza, a corrupção na classe média, a separação no povo, o descaramento entre os pobres, que se poderia dizer o que David disse de sua época: “Todos os iguais se desencaminharam… não há mesmo quem faça o bem, nem um sequer.”

Vá para a rua e a praça, para o palácio e a casa, para a cidade e o campo, ao tribunal e fórum, e até mesmo ao templo de Deus. Onde encontrará a virtude? “Ai de mim!” grita Salvianus, “exceto por um número muito pequeno que foge do mal, o que é a comunidade de cristãos senão um antro de vícios?” O que podemos encontrar em toda parte é o egoísmo, ambição, gula, e luxo. Não está a maior parte dos homens contaminados pelo vício da impureza, e não está São João correto, dizendo: “O mundo inteiro” – se algo tão sujo pode ser aplicado – “está sentado na maldade?” Eu não sou o único que está dizendo-lhe, a razão obriga você a acreditar que com exceção daqueles que vivem tão mal, pouquíssimos são salvos.

Mas você vai dizer: Não é possível a penitência reparar a perda da inocência? Isso é verdade, eu admito. Mas também sei que a penitência é tão difícil na prática, perdemos o hábito tão completamente, e é tão mal empregada por pecadores, que só isto deveria ser suficiente para convencê-lo que pouquíssimos são salvos por esse caminho. Oh, quão íngreme, estreito, espinhoso, horrível de se ver e difícil de escalar que é! Para todo lugar que olhamos, vemos vestígios de sangue e coisas fazem-nos lembrar de memórias tristes. Muitos enfraquecem-se a mínima possibilidade dela. Muitos se retiram no início. Muitos caem de cansaço no meio, e muitos desistem miseravelmente no final. E como são poucos os que perseveram nele até a morte! Santo Ambrósio diz que é mais fácil encontrar homens que mantém a sua inocência do que encontrar alguém que faça uma penitência de forma apropriada.

Se você considerar o sacramento da penitência, há tantas confissões distorcidas, tantas desculpas esfarrapadas, tantos arrependimentos fraudulentos, tantas falsas promessas, tantas resoluções ineficazes, tantas absolvições inválidas! Será que você considera como válida a confissão de alguém que se acusa de pecados de impureza e ainda guarda a ocasião deles? Ou alguém que se acusa de injustiças óbvias, sem a intenção de fazer qualquer reparação que seja para elas? Ou alguém que cai de novo na mesma iniquidade imediatamente após sair da confissão? Oh, abusos horríveis de tão grande sacramento! Uns confessam para evitar a excomunhão, outros para ter uma reputação como um penitente.

Uns livram-se de seus pecados para acalmar seus remorsos, outros esconde-os de vergonha. Uns acusam-se de forma imperfeita por má intenção, outros expõem-se por força do hábito. Uns não têm a verdadeira finalidade do sacramento em mente, a outros estão faltando a tristeza necessária, e para outros, ainda, o propósito firme. Pobres confessores, quais esforços vocês fazem para trazer o maior número de penitentes a estas resoluções e atos, sem os quais a confissão é um sacrilégio, absolvição uma condenação e a penitência uma ilusão?

Onde estão eles agora, aqueles que acreditam que o número dos que se salvam entre os cristãos é maior do que a dos condenados e aqueles que, para justificar suas opiniões, alegam que, portanto: a maior parte dos adultos católicos morre em suas camas armados com os sacramentos da Igreja, portanto, muitos adultos católicos são salvos? Ah, que bom raciocínio! Você deve dizer exatamente o oposto. Muitos dos adultos católicos confessam mal na hora da morte, portanto muitos deles são condenados. Eu digo “de todas a mais certa”, porque uma pessoa que está morrendo que não tenha confessando-se bem quando estava bem de saúde terá uma condição ainda mais difícil para fazê-lo quando estiver na cama com o coração pesado, a cabeça instável, a mente confusa; quando é confrontado, em muitos aspectos, por situações recentes, ocasiões ainda frescas, por hábitos adotados, e acima de tudo por demônios que estão buscando por todos os meios lançá-lo no inferno.

Agora, se você adicionar a todos estes falsos penitentes todos os outros pecadores que morrem inesperadamente em pecado, devido à ignorância dos médicos ou por falha de seus familiares, que morrem de envenenamento ou soterrados em terremotos, ou de um acidente vascular cerebral, ou de uma queda, ou no campo de batalha, em uma luta, pego em uma armadilha, atingido por um raio, queimado ou afogado, você não é obrigado a concluir que a maioria dos adultos cristãos são condenados? Esse é o raciocínio de São Crisóstomo. Este Santo diz que a maioria dos cristãos anda na estrada para o inferno durante toda sua vida. Por que, então, você está tão surpreso que o maior número vai para o inferno? Para chegar a uma porta, você deve tomar a estrada que leva até lá. O que você tem para responder a uma razão poderosa?

A resposta, você vai me dizer, é que a misericórdia de Deus é grande. Sim, para aqueles que O temem, diz o Profeta, mas é grande a Sua justiça para aqueles que não O temem, e condena todos os pecadores obstinados.

Então você vai dizer para mim: Bem, então, para quem é o Paraíso, senão para os cristãos? É para os cristãos, é claro, mas para aqueles que não desonram seu caráter e que vivem como cristãos. Além disso, se ao número de cristãos adultos que morrem na graça de Deus, você adiciona o incontável número de crianças que morrem depois do batismo e antes de chegar à idade da razão, você não vai se surpreender com o que o apóstolo João, falando daqueles que são salvos, diz: “Eu vi uma grande multidão que ninguém podia contar.

E é isso que engana aqueles que pensam que o número dos salvos entre os católicos é maior do que o dos condenados… Se a esse número, você adiciona os adultos que têm mantido o manto da inocência, ou que depois de terem sidos contaminados, se lavaram nas lágrimas da penitência, é certo que o maior número é salvo, e é o que explica as palavras de São João: “Eu vi uma grande multidão”, e estas outras palavras de Nosso Senhor, “Muitos virão do oriente e do ocidente, e festejarão na mesa com Abraão, Isaac e Jacó no reino dos céus”, e as demais figuras geralmente citadas a favor dessa opinião.

Mas se você está falando de cristãos adultos, experiência, razão, autoridade, dignidade e das Escrituras, todos concordam em provar que o maior número é daqueles que são condenados. Não acredite que por causa disso, o paraíso é vazio, pelo contrário, é um reino muito populoso. E se os condenados são “tão numerosos quanto a areia do mar”, os salvos são “tão numerosos quanto às estrelas do céu”, isto é, tanto um quanto o outro são inúmeros, embora em proporções muito diferentes.

Um dia, São João Crisóstomo, pregando na catedral de Constantinopla e considerando essas proporções, não pode deixar de estremecer de horror e perguntar: “A partir desse grande número de pessoas, quantas vocês acham que serão salvas?” E, sem esperar por uma resposta, ele acrescentou, “Entre tantos milhares de pessoas, não encontraremos uma centena que são salvos, e eu ainda tenho minhas dúvidas quanto aos cem.” Que coisa terrível! O grande Santo acredita que, de tantas pessoas, apenas cem seriam salvas, e, mesmo assim, ele não tinha certeza desse número. O que vai acontecer com vocês que estão me ouvindo? Grande Deus, não posso pensar nisso sem estremecer! Irmãos, o problema da salvação é um assunto muito difícil, pois de acordo com as máximas dos teólogos, quando um objetivo exige grandes esforços, apenas alguns o alcançam.

É por isso que São Tomás, o Doutor Angélico, depois de considerar todas as razões prós e contras em sua imensa erudição, finalmente, concluiu que o maior número de adultos católicos são condenados. Ele diz: “Porque a bem-aventurança eterna supera a condição natural, especialmente se tiver sido privado da graça original, é o pequeno número que são salvos.”

Então, retire a venda de seus olhos que está cegando-o com o amor-próprio, que está impedindo-o de acreditar tal verdade tão óbvia, dando-lhe ideias muito falsas sobre a justiça de Deus, “Pai justo, o mundo não te conheceu,” disse Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele não disse “Pai Todo-Poderoso, Pai bom e misericordioso.” Ele disse “Pai Justo”, para que possamos entender que, de todos os atributos de Deus, nenhum é menos conhecido do que a Sua justiça; porque os homens se recusam a acreditar no que eles têm medo de passar. Portanto, remova a venda que está cobrindo seus olhos e diga entre lágrimas: Ai! O maior número de católicos, o maior número de pessoas que vivem aqui, talvez até mesmo aqueles que estão nesta comunidade, será condenado! Que assunto poderia ser mais digno de suas lágrimas?

Rei Xerxes, em pé sobre uma colina olhando para seu exército de cem mil soldados em ordem de batalha, e considerando que de todos não haveria nenhum homem vivo em cem anos, foi incapaz de segurar as lágrimas. Pode este pensamento não fazer que os nossos olhos jorrem rios de lágrimas, ou ao menos produza em nosso coração o sentimento de compaixão como o sentido pelo irmão agostiniano, Venerável Marcellus de São Domingos? Um dia, enquanto ele estava meditando sobre as dores eternas, o Senhor mostrou-lhe quantas almas iam para o inferno naquele momento e permitiu-lhe ver uma estrada muito ampla aonde 22 mil reprovados iam correndo em direção ao abismo, colidindo um no outro. O servo de Deus estava estupefato com a visão e exclamou: “Oh, quanta gente! Quanta gente! E ainda mais estão por vir. Ó Jesus! Ó Jesus! Que loucura!” Deixe-me repetir com Jeremias: “Quem vai dar água à minha cabeça, e uma fonte de lágrimas aos meus olhos? E eu chorarei de dia e de noite os mortos da filha do meu povo.”

Pobres almas! Como vocês podem correr tão apressadamente em direção ao inferno? Por amor de misericórdia, parem e ouçam-me por um momento! Ou vocês entendem o que significa se salvar e se condenar por toda a eternidade ou não. Se vocês entendem e, apesar disso, não decidem mudar de vida hoje, fazendo uma boa confissão e ignorando o mundo, em uma palavra, empregando todos os seus esforços para serem contados entre o menor número daqueles que são salvos, eu afirmo que vocês não têm a fé. Vocês são mais desculpáveis, se não compreendem o que se está falando, pois então alguém pode dizer que vocês estão fora de si. Ser salvo por toda a eternidade, ser condenado por toda a eternidade, e não aplicar todos os seus esforços para evitar um e certificar-se de conseguir o outro, é algo inconcebível.

O pequeno número daqueles que são salvos – São Leonardo de Porto Maurício