Conferência ilustrada com projeções
Meus senhores, não sou eu quem vai fazer conferência. O vivo das telas, o colorido dos quadros, tudo que há de impressionante nas projeções se encarregará de dizer à vossa alma o que a minha palavra não pode nem sabe.
Se algum raio de eloquência brilhar nesta palestra, será o raio de eloquência esmagadora do fato, estudado à luz da crítica sábia dos competentes. Dar-me-ei por imensamente remunerado se depois no santuário da minha alma a vossa consciência me disser: cumpriste o teu dever de padre, de semeador do Evangelho. O trabalho que ides ouvir não tem preocupações científicas: é o trabalho do vulgarizador religioso. Dividi esta palestra em duas partes: — uma histórica e a outra apologética. Na primeira parte ouvireis a narrativa dos acontecimentos de Lourdes, cidade do sul da França; na segunda, vereis que esses prodigiosos acontecimentos provam a existência do sobrenatural, a divindade e a verdade da religião católica que os possui. Ponde em ação as vossas nobres faculdades e contemplai este novo paraíso que Deus plantou na terra e no qual Maria, a nova Eva, a Mãe da vida, oferece o fruto fecundo de extraordinárias bênçãos, de incontáveis benefícios de um coração de mãe.
A GRUTA
Eis ali a gruta, a gruta abençoada, onde a Formosa Senhora aparece a Bernadete Soubirous! Eis ali a gruta selvagem, silenciosa e triste entrelaçada pelos ramos de uma roseira brava! Quem diria que esta solidão seria o lugar de tanta maravilha? Quem diria que a rocha bruta desses ermos seria o teatro das graças mais escolhidas do Altíssimo?
Falando da gruta, o peregrino convertido escreveu o livro Du Diable à Dieu. Adolfo Retté arranca da sua alma na sua obra Un séjour à Lourdes estes belos sentimentos: “Daí se irradiam através das brumas do materialismo, as claridades deste astro fixo: o Sol da graça. Na gruta, o Sursum Corda realizado que se experimenta por toda a parte em Lourdes, toma todo o seu desenvolvimento.
A alma, embebida de oração, sente que aí é proibido ao mau girar em torno de si.
O influxo sobrenatural penetra-a, com uma imperiosa doçura e vivifica-a: é alguma coisa como uma Eucaristia de luz. Parece que se está numa estufa quente, onde pompeiam as palmas e as flores da vida contemplativa, enquanto o inverno reina lá fora.
Nesta tépida atmosfera, sente-se a presença da Santa Virgem. Os olhos do espírito se abrem, não é mais a estátua de Fabisch que ocupa a cavidade onde se deram as aparições: é a Imaculada mesma. Ela está lá: de suas mãos descem sobre as cabeças inclinadas as consolações e os ensinos. A gente se ajoelha e, como Bernadete, a gente beija o chão e fica-se num extase de uma inefável paz de espírito”
Meus senhores, a gruta selvagem e muda, nas rochas de Massabielle, vai em breve dourar-se de uma celeste e esquisita claridade.
A 1° de fevereiro de 1858, uma menina, acompanhada de sua irmã e uma amiga, se achava diante desta gruta agreste, silenciosa e triste. Era Bernadete.
BERNADETE
Vede, meus senhores: é a fisionomia, cheia de paz e de sinceridade, da eleita de Maria.
Mas quem era Bernadete? Era uma humilde filha de Lourdes, de 14 anos, o mais novo rebento do casal Soubirous. No lar paterno reinava a pobreza. Mais uma vez a lei ordinária da Providência que escolhe os fracos e os humildes para as grandes coisas, ia receber uma solene confirmação. A indigência dos Soubirous precisara de lenha e Bernadete, Maria, sua irmã, e Joana Abadie, sua companheira, partiram a busca-la. Fazia frio. Os cuidados da mãe de Bernadete, que sofria de asma, não permitiram que ela fosse sem meias.
Caminhavam elas ao longo do Gave que serpeava cantando a eterna queixa de suas águas e se viram na extremidade da ilha de Chalet, formada pelo Gave e pelo canal de Savy que se atirava à corrente fluvial ao pé da gruta selvagem, rodeada de silvas.
Maria e Joana tiraram os seus tamancos e atravessaram o raso canal do moinho. Bernadete de saúde delicada, temeu passar a corrente.
As companheiras se negaram a transportá-la; Bernadete esforçou-se inutilmente para passar o canal a pé enxuto. Resolveu tirar as suas meias. Já havia soado o meio-dia. Uma calmaria grande pairava no ar. O silêncio das margens do Gave era apenas interrompida pelo gemido da corrente. As folhas das árvores, imóveis, pendiam dos ramos tranquilos. Dir-se-ia que a natureza pressentindo um mistério se recolhera em uma solene e grandiosa meditação.
Ingênua e descuidada camponesa, tira as tuas meias que a terra que vais pisar, é santa. A calma da natureza que te envolve, não te impressiona? Meus senhores, o céu se aproximava da terra e a escolhida de Deus e da Virgem de nada suspeita em plena posse da mais perfeita tranquilidade do espírito, sem a excitação nervosa de espécie alguma, despreocupada. Apenas Bernadete tira uma das meias, um ruído de ventania forte quebrou a monotonia do campo. A menina ergueu os seus lindos olhos e nada viu. Dominava o mesmo silêncio de morte. Enganar-se talvez.
De súbito, um outro ruído, semelhante, apavorou a criança. Contemplou a paisagem em volta. Reinava a mesma calma nas bordas do Gave. Do lado oposto do canal, porém, a roseira brava que abraçava a gruta cavada na rocha abrupta era agitada por um vento forte. A rocha começou a iluminar-se. Um nimbo dourado se forma no rochedo e acima da moita agreste da roseira brava, uma visão deslumbra os olhos ofuscados de Bernadete. Era uma mulher de estranha e inigualável beleza, augusta e nobre.
A APARIÇÃO
Moisés se quedara, cheio de assombro, diante da sarça ardente do Horeb, donde trovejava a voz de Jeová.
Do centro duma sarça luminosa se erguia agora diante de uma simples camponesa o perfil celestial de uma mulher no viço da juventude, olhar de bondade e de expressão soberana. “Ela era jovem e bela, conta Bernadete, sobretudo bela, como eu nunca vi. Ela olhava-me, sorria, fazia sinal para que me aproximasse sem receio. E com efeito, eu não tinha mais medo, mas parecia que não sabia mais onde estava”
A Bela Senhora, de branca túnica, como a neve da montanha, cingida de azul, tinha sobre os alvos pés nus uma brilhante rosa de ouro. Das mãos postas em divinal atitude caiam as contas de um lindo terço alvíssimo.
Bernadete, instintivamente, de joelhos, começou a recitar o terço e a Formosa Aparição, sorrindo e aprovando, começou a passar entre os dedos angélicos as contas do seu terço, sem dizer palavra. Abria apenas os lábios purpurinos para dizer com Bernadete: — Gloria Patri, et Filio et Spiritui Sancto.
“Quando o terço acabou de ser recitado, diz Bernadete, a Senhora tornou a entrar no rochedo e a nuvem de ouro desapareceu com ela”
O espetáculo grandioso da visão mergulhava a menina privilegiada num êxtase e a lembrança doce e profundamente viva da deslumbrante e graciosa jovem não deixava o espírito de Bernadete.
Foi nesta doce contemplação que de joelhos a acharam suas companheiras que riram muito de encontrá-la em oração numa paragem tão deserta e triste.
Bernadete levantou-se e ajudou Maria e Joana a trazerem os três feixes de varas secas que tinham reunido.
O coração de Bernadete, porém, não pode resistir e contou tudo em segredo, à sua irmã. Em casa, debaixo da pressão de sentimento causado pelo maravilhoso fato começou a chorar. “Que tens Bernadete? ” Perguntou-lhe Mme. Soubirous. Maria revelou todo o segredo de sua irmã. “São ilusões, minha filha, disse sua mãe, expulsa essas ideias e sobretudo não voltes a Massabielle”. 12 e 13, sexta e sábado, foram para Bernadete dias de tortura. Ela ansiava por voltar à gruta. Um não sei que de misterioso a atraia. Meus senhores, iam principiar as grandes cenas desse drama divino que abalou e abala o mundo inteiro. No dia 14, Mme. Soubirous permitia que a filha fosse a Massabielle. As suas amigas tinham-na aconselhado a levar água benta. Diante da roseira brava ajoelhou Bernadete, orou e, pouco depois, rompeu o seu silêncio religioso, gritando: — “Lá está ela! Lá está ela! ”. Depressa, gritou-lhe uma companheira, atira-lhe água benta. Bernadete obedeceu e a Virgem luminosa sorriu. Foi a segunda aparição. Mme. Soubirous repreendeu sua filha e a ameaçou. Dias depois, a pedidos instantes de várias pessoas, Bernadete obteve autorização de ir à Gruta que exercia no seu espírito de criança uma sedução irresistível. Era o dia 18 de fevereiro. “Ei-la, exclamou Bernadete, e rindo, sem agitação apresentou à Senhora uma folha de pape. “O que tenho a dizer não é preciso escrever”, disse a visão, e pedindo a Bernadete que voltasse durante 15 dias, ajuntou: “Prometo tornar-te feliz, não neste mundo, mas no outro”. A notícia espalhou pela cidade como o raio. A curiosidade popular agitou-se, as opiniões dividiram-se. Entretanto as aparições sucederam-se na presença de milhares de testemunhas. Já na quarta houve 500 pessoas. A vidente foi examinada, interrogada pelo médico de Lourdes, Dr. Dozous, pelo Sr. Dufo, advogado, pelo Sr. Pougat, presidente do tribunal. Suas respostas simples, precisas, claras, cheias de verdade e sinceridade, deixaram-nos estupefatos.
Na 6ª aparição, estudada cientificamente pelo Dr. Dozous, que nada verificou de anormal no organismo de Bernadete, a visão pediu que ela rezasse pelos pobres pecadores, pelo mundo tão agitado. “Deixando estes lugares onde a emoção geral era tão grande, narra o Dr. Dozous, testemunha ocular interessada, Bernadete retirou-se como sempre, na atitude mais simples, mais modesta, sem prestar atenção à ovação pública de que era objeto”. Os poderes públicos julgam prudente intervir; intentam dissuadi-la de ir a Massabielle e ela tem para dar-lhes uma resposta de heroína: “Não vo-lo prometo”. A franqueza lutava com a força e venceu-a.
Ameaçada de prisão, resiste. Não tinha ela prometido à Bela Senhora voltar durante 15 dias? Daí em diante gendarmes acompanhavam a vidente à gruta.
No dia 24, renova-se a aparição. No dia 25, depois de alguns minutos de meditação, Bernadete levanta-se, afasta os ramos da roseira brava e beija a terra debaixo da rocha além da sarça. E voltando continua a sua prece. Levanta-se de novo, indecisa, adianta-se para o Gave, recua, parece escutar alguém. Volta para a gruta e depois de ter levantado a cabeça como para interrogar a Visão começa a cavar a terra. A cavidade que fizera, enche-se de água: ela bebe desta água e com ela lava o rosto. O fio d’água se avoluma, torna-se um jorro potente e transforma-se nesta fonte maravilhosa que abastece as nove piscinas de Lourdes, produzindo 122 mil litros de água por dia. Na 11ª aparição, Bernadete recebeu esta mensagem: “Ide dizer aos padres que aqui se deve edificar uma capela”. Vinte dias depois do dia 4 de março, entre 15 a 20 mil pessoas assistiram ao êxtase, a branca Aparição já esperava no seu nicho de pedra a sua predileta. Era o dia 25 de março, dia da Anunciação. Bernadete partira para Massabielle à primeira alvorada. Contra a sua expectativa, a rocha já estava banhada pelo suave e divino resplendor da Visão que, jovem e radiante, pousava sobre a sarça da roseira selvagem. Bernadete caindo de joelhos pediu-lhe que dissesse quem era. A Bela Senhora deixou aflorar nos lábios um sorrido.
“Ao meu terceiro pedido — conta Bernadete — a Senhora juntou suas mãos, elevou-as até o peito, olhou para o céu, depois, separando lentamente as mãos e inclinando-se para mim, me disse: Eu sou a Imaculada Conceição”
Na poesia virgiliana, em formoso hexâmetro, se encontra este belo verso do cisne mantuano: — Incessu patuit Dea — A Deusa revelou-se pelo andar.
Bem mais luminosa, bem mais bela, de maior candura de mais augusta majestade que a Deusa olímpica — fantasia de poeta — sois Vós, ó Imaculada. Nos revelastes pelas palavras, cheias de emoção e de virtude, com que confirmas com tanta solenidade o dogma de vossa Imaculada Conceição, proclamado pela voz infalível de Pio IX. Ah! Meus senhores, o véu do mistério que envolvia a gruta, caíra e nesta onda de luz reveladora como numa visão apocalíptica fulge no céu da História da Igreja um grande sinal. Era uma mulher vestida de sol! Depois de sua morte, Maria ainda não se revelara tão solenemente à sua grande família humana!
A multidão, ao saber da celeste resposta, delirante e transportada de entusiasmo, caiu de joelhos e fez ressoar pelas margens do Gave murmurante, a invocação da Imaculada: — “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós”
O MILAGRE DA VELA
A 7 de abril, a doce e graciosa visão iluminou a rocha de Massabielle. Foi então que se deu o célebre milagre da vela. Damos a palavra ao Dr. Dozous, testemunha do fato que assim o descreve:
“No momento em que ela começava a fazer de joelhos a sua ascensão ordinária, sobreveio de repente um tempo de suspensão neste movimento, e sua mão direita, aproximando-se então da esquerda, pôs a chama da grossa vela debaixo dos dedos desta mão, bastante afastados uns dos outros para que esta chama pudesse passar facilmente entre eles. Ativada nesta ocasião por uma corrente de ar assaz forte, não me pareceu produzir na pele que atingia nenhuma alteração. Cheio de pasmo diante deste fato estranho, impedi que alguém o fizesse cessar, e, tomando o meu relógio, pude, durante um quarto de hora, observá-lo facilmente. Concluída a sua oração e havendo desaparecido de sua face a transformação, Bernadete levantou-se e dispôs-se a retirar-se da gruta. Retive-a um momento e lhe pedi que me mostrasse a mão esquerda que examinei com o maior cuidado. Não encontrei vestígio nenhum de queimadura. Dirigindo-me então à pessoa que havia tomado a vela, roguei-lhe que a acendesse e me desse. Imediatamente coloquei muitas vezes, continuadamente a chama da vela sob a mão esquerda de Bernadete que a retirou, dizendo-me: Não me queimeis. Este fato refiro-o como o vi e como muitas pessoas, colocadas como eu perto de Bernadete, o verificaram perfeitamente; refiro-o tal como se deu, sem explica-lo”
Meus senhores, o milagre da vela desafia a ciência humana a explica-lo dentro das leis que regem a natureza. Ele permanecerá inexplicável, senão apelarmos para Deus que assim vinha autenticando irrefragavelmente os assombrosos acontecimentos de Lourdes. A décima-oitava e última aparição realizou-se no dia de N. S. do Carmo. “A Virgem sorriu a Bernadete, diz um orador, como para confirmar o passado e iluminar o futuro”. Desse dia em diante Bernadete volta à sua vida ordinária, frequentando a escola, simples, de uma ingenuidade adorável. Viveu depois destas maravilhas mais 20 anos. Em Nevers tornou-se Soror Maria Bernard. Ela escondeu-se na dobra de sua grande humildade. “Não se a imagina casada, mãe de família; perdida nos tumultos e nas algazarras do século”, diz Adolpho Retté. Deve-se-lhe aplicar o belo verso de Luiz de Cordonell.
Radiante por ter desposado o silêncio; ela sepultou-se num mosteiro. Escolheu a melhor parte e renunciando a si mesma, acabou de merecer a felicidade eterna cuja segurança a Santa Virgem lhe tinha dado. Bernadete cumprira a sua missão, abrira para a humanidade enferma, um caminho de vida, de benção, de paz, o caminho trilhado pelos peregrinos de todo o mundo, que conduz a Lourdes, a humilde cidade transformada pela celestial predileção da Virgem no paraíso de suas graças e no grande empório de fé para onde convergem as multidões que vão suplicar à Imaculada a cura do seu corpo e a luz de sua alma.
Lourdes é a cidade de Maria, é a nova Jerusalém, é a Canaã, onde mana leite e mel perenemente.
Tendes diante de vós, um panorama de Lourdes.
Lourdes, envolvida no manto azul da Virgem luminosa, Maria escolheu-te entre as tuas irmãs para seres a urna sagrada do seu coração de Mãe. Salve, Lourdes!
Lourdes é a cidade da Virgem. Depois que o clarão de Massabielle se projetou sobre ela como uma benção de luz, Lourdes tornou-se o centro da atração universal das almas, um foco interno de vida e de salvação.
Lá está a nova piscina de Siloé, onde os doentes deixam as suas muletas e os seus bordões, as suas compressas e os seus catres. Maria aí pronuncia um contínuo — surge et ambula — a todos que vão implorá-la na sua gruta bendita. Ela dissera: “Eu quero que aqui venham em procissão”
E de todo o mundo ali tem vindo, em imponentes peregrinações, a procissão de toda a Cristandade. Que dizem, senhores, as estatísticas? Ouçamos Bertrin: de 1867 a 1909 exclusivamente houve em Lourdes 5.207 peregrinações que tiveram 4.919.000 peregrinos. Naturalmente, os primeiros anos fornecem a parte mais modesta nesta espantosa estatística. Se, desprezando o ano excepcional do cinquentenário, tomarmos os dez que o precederam, veremos que há uma média anual de 155 peregrinações. Em dez anos 2.491 trens levaram 1.549 grupos, que compreendiam 1.636.000 peregrinos. A estas cifras pasmosas, ajuntemos o número incalculável de peregrinos isolados, de turistas e curiosos. A estação de Lourdes, ela só, recebe por ano mais de um milhão de viajantes.
De todos os países do globo afluem peregrinos. O Episcopado está a frente deste grandioso movimento. Os santuários de Lourdes onde drapejam as bandeiras dos povos em honra de Maria e que recordam pela piedade dos fiéis as bondades inexplicáveis da Virgem de Massabielle, têm sido visitados por 2.013 bispos, arcebispos, primazes, cardeais, vindos dos mais diversos e remotos pontos do mundo.
A nossa querida pátria enviou a Lourdes 36 bispos que depositaram aos pés de Maria a homenagem da terra do Cruzeiro que é também a terra da Imaculada! E Lourdes, cantada pela harpa da Cristandade, exaltada pelo episcopado, coroada de glória pelos Pontífices Romanos, achou pequena a França para contê-la e multiplicou-se pelo mundo inteiro nas pequenas grutas, representativas da sua, espalhadas pelo orbe. Leão XIII falando de sua gruta nos jardins do Vaticano dizia a um cardeal: “Que quereis? É o meu canto de França”. O Gave não rola mais as suas águas por deserta e solitária natureza, mas um Te Deum de gratidões eternas perpassa, vibrante de fé, pelas suas margens outrora despovoadas. “Que tiveste, ó Gave, exclama Mons. Pie para fugires, porque recuastes? E de ti, Montanha, que transportes se apoderaram para saltares como os carneiros suspensos dos teus cumes, e vós, colinas, para dardes pulos como os cordeiros presos aos vossos flancos? ”
O globo inteiro sentiu uma comoção desde que, pela virtude da ordem celeste, a pedra foi cavada em forma de bacia e de reservatório, desde que o rochedo foi convertido em uma fonte d’agua que não deixou de correr. Qui convertit petram in stagna aquarum et rupem in fontes aquarum”
Meus senhores, Lourdes é o grande hospital que a Providência abriu na terra para as chagas físicas e morais do gênero humano. Milhares de doentes ali desembarcam para merecerem o favor da Virgem. É um espetáculo vivo da dor humana gravada naquelas faces macilentas e cavadas pelas enfermidades, naqueles membros cobertos de chagas e paralíticos. O trem branco silva, levando o sofrimento da humanidade à Gruta miraculosa, às suas piscinas, aos seus santuários, erigidos pela fé e pelo amor. Seria infindável a lista das diversas enfermidades de toda a espécie, curáveis e incuráveis.
Em leitos, em catres, de muletas, em carros, os doentes invadem a cidade de Maria. E a palavra humana poderá dizer o delírio, o entusiasmo e sobretudo o hino de gratidão que rebenta do peito dos miraculados? E Lourdes está tão impregnada de fé, de esperança, de amor, sente-se ali tanto a presença maternal da Virgem que, coisa notável, ainda os não miraculados partem dali com a alma inebriada de uma paz reconfortante e de uma alegria viva e admirável. E a partida dos trens de Lourdes é para os que se ausentam daquele pedaço do céu, um aperto do coração, o despertar amargo de uma saudade que acabrunha.
As glórias de Maria não podem ser comparadas às glórias do seu Filho. Em 1888 o Santíssimo Sacramento começou a receber uma solene manifestação de fé. É a imponente procissão do Santíssimo Sacramento. Os círios tremem brilhantes. Os estandartes oscilam reverentes, no espaço. A voz grave da tribo sacerdotal é interrompida pelas aclamações dos fiéis. Sublime espetáculo!
Como tu és bela, como tu és grande, como tu és divina, ó incomparável religião que produzes tais maravilhas! E lá estão os enfermos que pedem ao Filho de Davi a sua cura, lá estão nos seus catres os grandes doentes esperando a passagem miraculosa do Filho de Maria. Dá-se uma cura e um frêmito eletriza a multidão. É o triunfo do Cristo, é o triunfo de Maria. Magnificat, cantam mil vozes; Magnificat, gritam mil peitos; e o Cântico da Virgem ondula por aquela massa iluminada que se agita, reboando ao longe. Lourdes, teatro de tão estupendos prodígios, apresenta ao mundo civilizado e à incredulidade sarcástica a prova científica dos seus milagres. Lá está Le bureau des constatations criado em 1887, dirigido a princípio pelo Dr. Saint-Maclou e depois pelo ilustre Dr. Boissarie. “Redige, diz um escritor, uma média de 140 processos verbais por ano. Aí houve em 1897, sobre 210 trens de peregrinações, 2.825 doentes hospitalizados; 5.053 em 1901; 5.502 em 1904, 5.618 em 1907”
Neste ofício de verificações médica, são as curas examinadas com o rigor dos processos científicos. Todos os médicos, quaisquer que sejam suas ideias e opiniões, podem estudar os fatos miraculosos. Em Lourdes tudo se faz às claras, como testemunham atestados de profissionais que não partilham das nossas crenças.
A GRUTA (estado atual)
Meus senhores, encerrando o quadro breve e imperfeito da história de Lourdes, eu vos peço mais um olhar para a gruta de Massabielle, não mais para a gruta selvagem e deserta das bordas do Gave, mas para a gruta, bruta e selvagem na sua natureza severa, transformada pela piedade reconhecida. Ei-la! Acima da roseira brava se destaca A Madona de Fabisch, em mármore Carrara, de formosura ideal.
Dezenas de muletas, ali deixadas pelos agraciados da Virgem, pendem como troféus de vitória. Os círios trêmulos que a mão do reconhecimento acende iluminam o sagrado recinto. “Eu poderia, diz Adolpho Retté, o anarquista convertido, descrever as multidões que se sucedem na Gruta, salientar as diversas maneiras porque revelam a sua devoção. Eu poderia dizer estes furacões de litanias e de invocações que reclamam às vezes o gesto e a palavra dum diretor de peregrinações. Eu poderia juntar os doentes e seus olhares e suas fisionomias transfiguradas pela esperança”. Sim, meus senhores, o mundo se precipita sobre Lourdes e se acotovela nas grades da Gruta abençoada. Ali todas as classes se misturam e se abraçam como irmãos. Lourdes promove a confraternização dos povos, prega o heroísmo da caridade com o exemplo de suas instituições de assistência cristã dos seus liteiros abnegados; desperta o sentimento religioso e estabelece a harmonia social unindo as nacionalidades num cosmopolitismo admirável e sublime.
A grua misteriosa, em cujas rochas a Virgem deixou para sempre o rastilho, a impressão luminosa de sua visão, a benção fecunda do seu amor, agasalhando-os debaixo de sua túnica de Mãe, cinge todos os corações num só halo de esperança, numa democracia bendita, a democracia de Maria Imaculada.
Meus senhores, Loures que é um foco de religião e de amor, é no meio da Igreja de Deus a apologética viva de nossa fé. Deus encarregou sua Mãe adorável de dar à audácia insultante da incredulidade a resposta esmagadora dos assombrosos milagres de Massabielle, que demonstram irrespondivelmente a existência do sobrenatural e a divindade da religião que a possui.
É o que vamos ver na senda parte desta palestra.