Fonte: SSPX USA – Tradução gentilmente cedida pelo nosso amigo Helton Barbosa
É bem verdade que os modernistas consideram a democracia e o direito ao voto uma sacrossanta e imediata consequência da dignidade humana diretamente conectada à sua religião humanista.
Reagindo contra isso, sabedores que somos de quão injusto é o sistema eleitoral, percebendo o quanto a moderna democracia tem como base um falso princípio liberal de liberdade humana, o qual rejeita toda intenção divina e lei moral, conscientes da estreita margem de escolha entre candidatos e também tendo a impressão (embora errada) que o voto de somente uma pessoa não fará uma real diferença em um sistema tão secularizado e inimigo de Deus – podemos facilmente concluir que uma pessoa não é obrigada de todo a votar.
Ainda assim o ensino da Igreja sobre este assunto não é de modo algum novo. Não aprovando o sistema moderno de democracia e seu falso princípio de soberania popular a Igreja, contudo, nos delega o contribuir para o bem comum da sociedade por meio de uma obrigatoriedade legalmente instituída. Este é um princípio bem expressado pelo Papa Pio XII em seu discurso de 20 de abril de 1946 à Ação Católica Italiana:
“O povo é convocado para tomar sempre considerável parte na vida pública de uma nação. Essa obrigação traz consigo graves responsabilidades. Daí a necessidade dos fiéis terem um claro, sólido e preciso conhecimento das suas responsabilidades no âmbito moral e religioso no que diz respeito ao exercício de seus direitos civis e em particular o direito de voto.”
De fato, o Papa Pio XII havia explicado de maneira clara que isso é devido exatamente ao espírito secular e anti-católico que cercam os católicos que estes têm o dever de defender a Igreja através do correto exercício do direito de voto com a finalidade de impedir um mal ainda maior. Ele havia declarado no dia 16 de março de 1946 aos padres paroquiais de Roma:
“O exercício do direito de voto é um ato de grave responsabilidade moral pelo menos no que diz respeito à eleição daqueles que são chamados a proporcionar a um país sua constituição e suas leis e em particular aquelas que afetam a santificação de dias santos obrigatórios, o casamento, a família, as escolas e a justa e equilibrada regulação de muitas outras questões sociais. É dever da Igreja explicar aos fiéis os deveres morais decorrentes do seu direito eleitoral.”
O Papa Pio XII foi ainda mais explícito dois anos depois, novamente enquanto falava aos padres paroquiais de Roma. Ele explicou que nas precisas circunstâncias daquele tempo isso era uma obrigação sob pena de pecado mortal para todos os fiéis, tanto homens como mulheres, usarem seu direito de voto desde que o bem comum estivesse na dependência de todos os católicos exercendo seu direito de voto de maneira sábia.
Eis o texto de 10 de março de 1948:
“Nas atuais circunstâncias esta é uma estrita obrigação para todos aqueles que possuem o direito de voto, homens e mulheres, de participar nas eleições. Aquele que se abstém de fazê-lo, seja por comodismo ou fraqueza, comete um grave pecado em si mesmo, uma falta mortal. Cada um deve seguir aquilo que sua própria consciência lhes dita. No entanto, é óbvio que a voz da consciência impõe a todo católico o dar seu voto a candidatos que ofereçam garantias verdadeiras no sentido de proteger as prerrogativas de Deus e das almas, para o verdadeiro bem de indivíduos, famílias e sociedade, conforme o amor de Deus e os ensinamentos da moral católica.
Esta aplicação da doutrina social da Igreja à particular situação daquele tempo está de acordo com o ensino dos teólogos moralistas que falam acerca do grave pecado da omissão por aqueles que simplesmente negligenciam a eleição de bons representantes Católicos e do dever de fazer tudo o que está ao nosso alcance para encorajar leigos aptos a trabalhar no sentido de usar o sistema eleitoral para se obter legisladores que sejam dignos.
Mas o quão distante estamos desta situação. De modo claro, não estamos mais dentro de uma circunstância na qual teríamos que escolher entre um católico e um não católico, entre um moralmente correto e representantes liberais. Todas as alternativas são liberais, o embuste e a manipulação do público pela mídia são enormes. De modo prático isso se resume na questão de que se isso seria ou não admissível votar em um candidato indigno (por exemplo, um candidato que somente aprova a prática do aborto em casos de estupro ou incesto), considerando que ele pudesse ser, pelo menos (supomos), um menos ruim. Neste caso, poderia haver uma não obrigação de votar e considerando todas aquelas razões mencionadas pelo Papa Pio XII que poderia tornar o voto obrigatório, não mais se aplicaria. Contudo, votar em um caso como esse ainda seria permitido desde que alguém esteja claro que se trata de um menos ruim e que há uma grave razão para assim proceder (por exemplo, para evitar total liberação do aborto ou a promoção de métodos não naturais de controle de natalidade) e que alguém tenha boa intenção em proporcionar o bem para a sociedade da melhor maneira possível. A isto se dá o nome de cooperação material. No entanto, isso jamais poderia ser obrigatório.
Consequentemente, em raros casos onde há sabidamente católicos que publicamente apoiam a Doutrina da Igreja, haverá uma estrita obrigação moral de voto sob pena de pecado mortal. Onde houver uma clara possibilidade de benefício do correto uso do direito de voto em favor de algum outro candidato, isto poderá ser recomendado ou aconselhado. No entanto, quando não houver clara vantagem será melhor abster-se para que não haja contribuição nem mesmo de uma participação material.
Pode um Católico votar em um candidato que tolera iniciativas em desacordo com as leis morais?
Originalmente publicado em agosto de 2007 edição de O Angelus
A Igreja Católica não ensina aos católicos que evitem todo e qualquer envolvimento em política simplesmente porque há injustiça, ganância e ambição, apenas para mencionar alguns dos males envolvidos. A Igreja nos ensina que todo nosso envolvimento em política deve ser motivado, inspirado e direcionado pela doutrina social da Igreja e em particular pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo. A prática do voto bem como o envolvimento em campanhas políticas deve ter como definitiva motivação estes elevados e sobrenaturais princípios que a lei de Deus, os Dez Mandamentos e os direitos da única e verdadeira Igreja sejam reconhecidos publicamente na sociedade.
Manifestamente, estamos atualmente muito longe de atingir estes objetivos. Isso não significa que ficaremos sem fazer nada. Isso significa, no entanto, que seja lá o que fizermos necessariamente envolverá a tolerância de muitos males, os quais de modo nenhum desejamos. No entanto, seria possível tolerar um mal menor por uma razão proporcional e tal tolerância pode ser para o bem comum, precisamente porque este é o menor de dois males. Desse modo, é possível votar ou até mesmo fazer campanha para um candidato cuja plataforma contém males com os quais não concordamos. Tudo depende da hierarquia entre os mais importantes valores e assuntos assumindo prioridades sobre outros não tão importantes assim.
Para um católico, talvez não haja dúvidas de que os assuntos que possuem maior prioridade devam ser assuntos morais e não pessoais ou econômicos. A continuação de toda uma sociedade como a conhecemos depende disso e aqueles que negam os princípios mais básicos da ordem natural estão ocasionando uma perversão sem precedentes. Consequentemente, seria admissível e prudente votar em um único assunto como o banimento do aborto ou a proibição de casamentos entre pessoas do mesmo sexo ou a proibição da prática da eutanásia ou a liberdade para a Igreja Católica administrar instituições educacionais. Todos estes assuntos são de extrema importância. Consequentemente, seria admissível e prudente votar em um candidato que promova uma guerra injusta baseada em um ou outro destes assuntos. Consequentemente, de modo semelhante, seria admissível votar em um candidato que é conhecidamente um maçom – embora a maçonaria seja uma sociedade maligna oposta à Igreja Católica e por ela condenada – se ele mantiver um importante princípio da lei natural tal como o flagelo do aborto.
Assuntos secundários também são de importância moral tais como a justiça ou a injustiça de uma guerra em particular ou o pagamento de um salário justo aos trabalhadores, manutenção do direito de propriedade através da limitação da intervenção do governo e assim por diante. Mantendo-se constantes todos os outros fatores, pode-se votar com base nestes assuntos. No entanto, seria errado votar em um candidato que tenha uma correta posição em um desses assuntos, mas uma perversa e errada posição em algum outro assunto mais importante.
Consequentemente, seria manifestamente imoral e pecaminoso votar em um candidato que se diz Católico, mas que de fato é um pró-aborto, gayzista ou a favor da eutanásia.
Votar em eleições locais e nacionais pode somente ser considerado uma obrigação moral quando há candidatos que propõem solidamente uma plataforma Católica e não liberal, que verdadeiramente promova o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Votar em um mal menor não é obrigatório, apenas prudente e admissível. No entanto, seria certamente obrigatório participar do processo democrático em vigor, mesmo que numa eventualidade pouco provável de que poderia ser usado para apresentar candidatos católicos que não aceitam a propaganda da moderna democracia liberal.