Fonte: Capela Santo Agostinho
Os sinais da tibieza em geral são os oito seguintes:
Omissão fácil das práticas de piedade
A alma fervorosa tem a sua vida de piedade toda dirigida por um regulamento particular fácil de ser observado e bem criterioso. Não omite facilmente qualquer prática de piedade. E’ de uma fidelidade extrema, sobretudo à meditação. Se graves ocupações ou verdadeira necessidade a impedem, procura, logo que seja possível, suprir a falta. A alma tíbia sob qualquer pretexto omite os exercícios de piedade, passa dias sem meditação, e até mesmo sem práticas de piedade de qualquer espécie. Ora, isto é exatamente o contrário do fervor. “Não digo que isto prove tudo, diz o Pe. Faber, mas prova muito. Seja como for, sempre que existir tibieza, existirá este sintoma”.
Fazer os exercícios de piedade com negligência
Na tibieza também há oração, missas, confissões, comunhões, terços, etc., mas a rotina vai inutilizando tudo. A rotina e a má vontade. Confissões e comunhões mal preparadas, orações com inúmeras distrações voluntárias. E o pior ainda a falta de generosidade e de todo esforço para se corrigir.
Outro sinal de tibieza é a alma sentir-se aborrecida com o pensamento de que tudo vai mal na sua vida espiritual.Não se sente inteiramente à vontade com Deus. Não sabe exatamente onde está o mal, mas tem certeza de que tudo não está em ordem. É um mal-estar, um aborrecimento interior. E, sem paz, o tíbio se agita inutilmente e vai deixando arraigar-se no coração o hábito do pecado venial. Este sinal anda sempre com os dois primeiros. Desde que faltou generosidade numa alma para ser fiel aos seus deveres de piedade, estas omissões e negligências acabam deixando-a num estado lamentável de aborrecimento das coisas santas e até de Nosso Senhor.
O quarto sinal é agir sem pureza de intenção, sem ordem nem método. A pureza de intenção consiste em fazermos com um fim honesto e sobrenatural todas as ações de nossa vida: práticas de piedade, deveres de estado, trabalhos de cada dia ou qualquer coisa por mínima que seja. É aquele olhar interior sempre fixo em Deus e desviado das criaturas. Tudo fazer para a glória de Deus, e ver em tudo a vontade de Deus e a ela se submeter com espírito de fé e resignação. Eis a mais pura intenção que se pode imaginar, o mais elevado princípio e o mais perfeito ideal de uma alma fervorosa. Os santos não tinham outro motivo nem visavam outro fim na terra. Santa Madalena de Pazzi sentia-se arrebatada em êxtase, ouvindo esta palavra: — A vontade de Deus! Santo Inácio legou à Companhia de Jesus, como rica herança, o seu lema: A. M. D. G. — Ad majorem Dei gloriam — Tudo para a maior glória de Deus! A pureza de intenção é a alquimia celeste que transforma em ouro de méritos para o céu todas as nossas boas obras. Sem ela, perdemos cada dia riquezas incomensuráveis. A alma tíbia faz tudo por amor próprio e capricho, seguindo em tudo a natureza. É a leviandade, a preocupação da vontade própria, os cálculos muito humanos, a vaidade quando faz o bem, o desejo de agradar às criaturas e de aparecer. Anda à cata de bajulações e aborrece o sacrifício oculto, a abnegação e outras virtudes que não brilham aos olhos das criaturas e constituem o segredo do Rei! E Deus recompensa as nossas ações, diz Santa Madalena de Pazzi, a peso de pureza de intenção. Ó, como a tibieza rouba e despoja a pobre alma, quando lhe arrebata a pureza de intenção!
Contentar-se com a mediocridade e negligência em formar hábitos de virtude. Se a mediocridade já é desastrada na ciência, na literatura e na arte, o é em proporção verdadeiramente calamitosa quando se trata da prática da virtude. O medíocre não gosta da palavra: Santidade. Não compreende o heroísmo das almas generosas, a abnegação, o sacrifício. Para ele, a virtude heroica é o exagero! A santidade é um misticismo! E que entende por misticismo? Algo de loucura e de anormal. Contenta-se com o meio termo. E assim não se esforça por adquirir hábitos de uma virtude sólida.
O desprezo das pequenas coisas.
Os santos fugiam das menores imperfeições, e se purificavam cada dia das pequeninas faltas. O tíbio, não. Ri-se do que ele chama escrúpulo das almas fervorosas: — a fidelidade nas pequenas coisas. E não nos esqueçamos destas grandes verdades: primeira — os santos se tornaram santos pela repetição contínua duma multidão de ações insignificantes, pelo cuidado infatigável das pequeninas coisas. E segunda: — só fizeram eles grandes coisas quando chegaram à santidade. Os pequeninos sacrifícios ocultos, as pequeninas cruzes, as pequeninas virtudes, as pequeninas mortificações, tudo isto a cada dia, a cada minuto, aceito com generosidade, como santifica uma alma! E’ o caminho batido de S. Teresinha, a pequenina via da Infância espiritual. Que fonte riquíssima de graças! A tibieza, porém, seca esta fonte, esteriliza a vida espiritual, sonha com êxtases e comete cada dia o pecado quase sem remorso. E os pecados veniais, sob o disfarce de pequeninas faltas inevitáveis à fraqueza humana, vão se multiplicando assustadoramente na alma e alimentando a tibieza até ao pecado mortal e, sabe Deus, até ao endurecimento do coração! É muito grave desprezar habitualmente as pequeninas coisas. São Gregório chega a dizer que se deve ter mais receio das pequenas faltas que das grandes. Porque estas provocam logo o arrependimento e causam horror; aquelas não assustam, e vão preparando surdamente a ruína espiritual. E, o que é pior, sem remorso da consciência, e até sob a capa da virtude.
É pensar mais no bem já feito do que no bem que ainda resta a fazer. É uma presunção que leva a descansar e afrouxar no caminho do sacrifício e da virtude, porque julga ter feito alguma coisa no passado para a salvação. Nada de esforço e generosidade. Nosso Senhor dizia no seu Evangelho que, depois de termos feito muito, deveríamos dizer: — somos servos inúteis. E prosseguir na luta, porque o ideal da perfeição é o Infinito: “Sede perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito”. A tibieza, como já dissemos, contenta- se com a mediocridade. Julga ter feito muito a alma tíbia, porque no passado foi bem fervorosa e trabalhou pela sua santificação, lutou, praticou boas obras de zelo e de caridade, sacrificou-se na luta do bem. Agora, quer repouso. Descansa, não luta mais, deixa-se ficar na indolência e faz de seu coração o campo do preguiçoso. São Paulo pensava justamente o contrário: “Irmãos meus, não considero que alcancei o prêmio, mas uma coisa eu faço: esquecendo o que está atrás de mim, esforçando-me por alcançar o que está na minha frente, prossigo até ao alvo, para alcançar o prêmio para o qual me chamou do Alto por Cristo Jesus. Sejamos nós, quantos queremos ser perfeitos, do mesmo espírito” (Fl 3, 13). O tíbio não se compara aos mais santos e fervorosos, mas sempre se julga melhor do que tantos outros piores do que ele. E é assim que adormece tranquilamente. Não quer progredir na virtude. São Gregório compara a vida cristã a uma barca em que se navega contra a corrente. Quem sobe, há de remar sempre, ou é arrastado pela correnteza. Santo Agostinho, no seu estilo incisivo e claro, assim fala: — “se dizes: basta, estás perdido!” Sim, no dia em que se cruzam os braços na luta pela santificação da alma, tudo está perdido! Adeus, santificação, e talvez: Adeus, salvação eterna! São Bernardo pergunta: — Não quereis adiantar? Dizeis: — quero ficar e viver onde cheguei? Quereis o impossível! O demônio, diz Santa Teresa, conserva muitas almas no pecado ou na tibieza, fazendo-as crer que é orgulho aspirar à santidade. Que perigosa ilusão! Lembrem-se os tíbios, sobretudo se já receberam graças de Nosso Senhor, como por exemplo sacerdotes, religiosos e almas consagradas a Deus, oh! lembrem-se de que é terrível abusar da graça e muitas almas chamadas à santidade, diz o Pe. Desurmont, baseado em Santo Afonso, ou se salvam como santos ou arriscam a sua eterna salvação. Escreveu o Santo Doutor: Se alguém na vida religiosa (e poderíamos acrescentar: na vida de piedade) quer se salvar, mas não como santo, corre o risco de se perder.
Todos estes sinais de tibieza andam em geral com este último e infalível:
Pecado venial voluntário e habitual. Os outros sinais podem ser atenuados ou alguns falham, mas este é infalível. Onde existe o hábito do pecado venial, existe a tibieza com todo o cortejo de males e desgraças que ela acarreta à vida espiritual.
[Por Monsenhor Ascânio Brandão]