Fonte: FSSPX México – Tradução: Dominus Est
A vida interior poderia consistir somente nessa palavra: Silêncio! O silêncio prepara os santos, os inicia, os aperfeiçoa e os consome. Deus, que é eterno, não diz mais que uma única palavra, que é o Verbo. Do mesmo modo, seria desejável que todas as nossas palavras soem “Jesus”, direta ou indiretamente. Essa palavra, silêncio, ah, quão bonita é!
1º Falar pouco às criaturas e muito a Deus. Este é o primeiro passo, mas imprescindível, nas vias solitárias do silêncio. Nessa escola se ensinam os elementos que dispõe à união divina. Aqui a alma estuda e aprofunda essa virtude, no espírito do Evangelho e da Regra que abraçou, respeitando os lugares sagrados, as pessoas, e sobretudo esta língua em que tantas vezes descansa a Palavra do Pai, o Verbo feito carne. Silêncio ao mundo, silêncio às notícias, silêncio com as almas mais justas: a voz de um Anjo turbou Maria…
2º Silêncio no trabalho, nos movimentos. Silêncio no porte; silêncio dos olhos, dos ouvidos, da voz, silêncio de todo o ser exterior que prepara a alma para entrar em Deus. A alma adquire grandes méritos por estes primeiros esforços em escutar a voz do Senhor. Que recompensador é esse primeiro passo!
Deus a chama ao deserto, e por isso, nesse segundo estado, a alma aparta-se de tudo o que poderia distraí-la; se distancia do ruído, e foge sozinha Àquele que somente é. Ali saboreará as primícias da união divina e o zelo de seu Deus. É o silêncio do recolhimento, ou o recolhimento no silêncio.
3º Silêncio da imaginação. Esta faculdade é a primeira em chamar à porta fechada do jardim do Esposo; com ela vêm as emoções inoportunas, as vagas impressões, as tristezas. Mas nesse lugar retirado, a alma dará ao Amado provas de seu amor. Apresentará a esta potência, que não pode ser destruída, as belezas do céu, os encantos de seu Senhor, as cenas do Calvário, as perfeições de seu Deus. Então, também ela permanecerá no silêncio, e será a servente silenciosa do Amor divino.
4º Silêncio da memória. Silêncio ao passado… esquecido. Há que saturar esta faculdade com a recordação das misericórdias de Deus… É o agradecimento no silêncio, é o silêncio da ação de graças.
5º Silêncio às criaturas. Oh, miséria de nossa condição presente! Com freqüência a alma, atenta a si mesma, se surpreende conversando interiormente com as criaturas, respondendo em seu nome. Oh, humilhação que fez gemer os santos! Nesse momento esta alma deve retirar-se docemente às mais íntimas profundezas deste lugar escondido, onde descansa a Majestade inacessível do Santo dos santos, e onde Jesus, seu consolador e seu Deus, se descobrirá a ela, lhe revelará seus segredos, e a fazer-lhe provar a bem-aventurança futura. Então lhe dará um amargo desgosto para tudo o que não é Ele, e tudo o que é da terra deixará pouco a pouco de distraí-la.
6º Silêncio do coração. Se a língua está muda e os sentidos se encontram em calmaria, e guardam silêncio a imaginação, a memória e as criaturas, ao menos no íntimo desta alma de esposa, o coração fará pouco ruído. Silêncio dos afetos, das antipatias, dos desejos no que há de demasiado ardente, do zelo no que há de indiscreto; silêncio do fervor no que há de exagerado; Silêncio do amor no que há de exaltado, não dessa exaltação que tens Deus por autor, senão daquela na qual se mistura à natureza. O silêncio do amor é o amor no silêncio…
É o silêncio diante de Deus, suma beleza, bondade, perfeição… Silêncio que não tem nada de chato nem de forçado; este silêncio não prejudica a ternura e ao vigor deste amor, de modo semelhante à como o reconhecimento das faltas não prejudica o silêncio da humildade, nem o bater das asas dos anjos a o silêncio de sua obediência, nem o fiat ao silêncio de Getsemani, nem o Sanctus eterno ao silêncio dos serafins…
Um coração no silêncio é um coração de virgem, uma melodia para o coração de Deus. A lâmpada se consome caladamente diante do Sacrário, e o incenso sobe em silêncio até o trono do Salvador: assim é o silêncio do amor. Nos graus precedentes, o silêncio era ainda a queixa da terra; neste a alma, por causa de sua pureza, começa a aprender a primeira nota deste cântico sagrado que é o cântico dos céus.
7º Silêncio da natureza, do amor próprio. Silêncio à vista da própria corrupção, da própria incapacidade. Silêncio da alma que se compraz na sua baixeza. Silêncio aos louvores, à estima. Silêncio diante dos desprezos, das preferências e murmurações; é o silêncio da mansidão e da humildade. Silêncio da natureza ante as alegrias ou dos prazeres. A flor se abre em silêncio e seu perfume louva em silêncio ao criador: a alma interior deve fazer o mesmo. Silêncio da natureza na pena ou na contradição. Silêncio nos jejuns, nas vigílias, nas fadigas, no frio e no calor. Silêncio na saúde, na enfermidade, na privação de todas as coisas: é o silêncio eloquente da verdadeira pobreza e da penitência; é o silêncio tão amável da morte a todo o criado e humano. É o silêncio do eu humano transformando-se no querer divino. Os estremecimentos da natureza não poderiam turbar este silêncio, porque está acima da natureza.
8º Silêncio do espírito. Fazer calar os pensamentos inúteis ou puramente naturais; só estes danificam o silêncio do espírito, e não o pensamento em si mesmo, que não pode deixar de existir. Nosso espírito quer a verdade, e nós lhe damos a mentira! Agora bem, a verdade essencial é Deus! Deus basta à sua própria inteligência divina, e não basta à pobre inteligência humana!
No que diz respeito a uma contemplação de Deus imediata e prolongada, só é possível, na debilidade de nossa carne, quando Deus a concede como um puro dom de sua bondade. O silêncio nos exercícios próprios do espírito consiste então, em relação à fé, em contentar-se com sua luz escura. Silêncio aos raciocínios sutis que debilitam a vontade e dissecam o amor. Silêncio na intenção: pureza, simplicidade; silêncio às buscas pessoais; na meditação, silêncio à curiosidade; na oração, silêncio às próprias operações, que apenas colocam obstáculos à obra de Deus. Silêncio ao orgulho que se busca em tudo, sempre e em todas as partes; que quer o belo, o bem, o sublime; é o silêncio da santa simplicidade, do desprendimento total, da retidão. Um espírito que combate contra tais inimigos é semelhante a esses anjos que veem sem cessar a Face de Deus. Esta é a inteligência, sempre em silêncio, que Deus eleva a si.
9º Silêncio do juízo. Silêncio quanto as pessoas e as coisas. Não julgar, não manifestar a própria opinião, não ter opinião às vezes, ou seja, ceder com simplicidade, sem a ele não se opor a prudência e a caridade. É o silêncio da bem-aventurada e santa infância, é o silêncio dos perfeitos, o silêncio dos anjos e arcanjos quando seguem as ordens de Deus. É o silêncio do Verbo encarnado!
10º Silêncio da vontade. O silêncio aos mandamentos, às santas leis da regra, não é outra coisa, por dizer assim, que o silêncio exterior da própria vontade. O Senhor tem algo que ensinar-nos de mais profundo e difícil: o silêncio do escravo sob os golpes de seu amo. Mas, ditoso escravo, que o Amo é Deus!
Este silêncio da vítima sobre o altar, é o silêncio do cordeiro que se vê despojado de sua lã; é o silêncio nas trevas, silêncio que impede pedir a luz, ao menos a que alegra.
É o silêncio nas angústias do coração, nas dores da alma; o silêncio de uma alma que se viu favorecida por seu Deus, e que, sentindo-se agora rechaçada por Ele, não pronuncia nem sequer estas palavras: Por que? Até quando?
É o silêncio no abandono, o silêncio sob a severidade do olhar de Deus, sob o peso de sua mão divina; o silêncio sem outra queixa que a do amor. É o silêncio da crucifixão; é mais que o silêncio dos mártires: é o silêncio da agonia de Jesus Cristo. Sim, este silêncio é seu divino silêncio e nada é comparável à sua voz, nada resiste à sua oração, nada é mais digno de Deus que esta classe de louvor na dor, que este fiat no sofrimento, que este silêncio no trabalho da morte.
Enquanto esta vontade humilde e livre, verdadeiro holocausto de amor, se aniquila e se destrói para a glória do nome de Deus, Ele a transforma em sua vontade divina. Então, o que falta para sua perfeição? O que requer ainda para a união? O que falta para que Cristo seja acabado nesta alma? Duas coisas: a primeira é o último suspiro do ser humano; a segunda é uma doce atenção ao Amado, cujo beijo divino é a inefável recompensa.
11º Silêncio consigo mesmo. Não falar-se interiormente, não escutar-se, não queixar-se nem consolar-se. Em uma palavra, calar-se consigo mesmo, esquecer-se de si mesmo, deixar-se só, completamente só com Deus; fugir de si, separar-se de si mesmo. Este é o silêncio mais difícil, e no entanto é essencial para unir-se a Deus tão perfeitamente como possa fazê-lo uma pobre criatura que, com a graça, chega frequentemente até aqui, mas se detém neste grau, porque não o compreende e menos ainda o pratica. É o silêncio do nada. É mais heróico que o silêncio da morte.
12º Silêncio com Deus. No começo Deus dizia à alma: “Fala pouco às criaturas e muito comigo“. Aqui lhe diz: “Não me fales mais“. O silêncio com Deus é aderir-se a Deus, apresentar-se e expor-se ante Deus, oferecer-se a Ele, aniquilar-se perante Ele, adorá-lo, amá-lo, escutá-lo, ouvi-lo, descansar nEle. É o silêncio da eternidade, é a união da alma com Deus.