OUTRA MEDITAÇÃO PARA A TARDE DO MESMO DIA: SUSPIROS PELA PÁTRIA CELESTIAL

Resultado de imagem para céu catolicoSitivit anima mea ad Deum fortem vivum: quando veniam, et apparebo ante faciem Dei — “A minha alma está ardendo de sede pelo Deus forte e vivo; quando virei e aparecerei diante da face de Deus?” (Ps 41, 3).

I. Feliz daquele que se salva e, deixando este lugar de desterro, entra na Jerusalém celeste a gozar o dia que será sempre dia radiante; a ver-se livre de toda a angústia e de todo temor de não chegar àquela felicidade imensa! — Jacó dizia: Dies peregrinationis meae centum triginta annorum sunt, parvi et mali (1) — “Os dias da minha peregrinação são cento e trinta anos, poucos e trabalhosos”. É o que nós, infelizes peregrinos, também devemos dizer, pois que estamos neste mundo oprimidos pelos sofrimentos do nosso desterro, atribulados pelas misérias e sobretudo pelos perigos da nossa eterna salvação. De tudo isto devemos concluir que esta terra não é a nossa pátria, mas um lugar de desterro, no qual Deus nos colocou, para que pelo sofrimento mereçamos a dita de entrarmos um dia na pátria bem-aventurada.

Vivendo assim desapegados do mundo, devemos sempre suspirar pelo céu, dizendo: “Quando virei e aparecerei diante da face de Deus?” — Quando, Senhor, me verei livre de tantas angústias, e pensarei somente em Vos amar e cantar os vossos louvores? Quando me sereis tudo em todas as coisas? Quando gozarei dessa paz sólida, isenta de aflições e de todo o perigo de me perder? Ó meu Deus, quando me verei todo absorto em vós, contemplando a vossa beleza infinita, face a face e sem véu? Quando enfim, Criador meu, quando terei a felicidade de Vos possuir de tal modo que eu possa dizer: Meu Deus, não tenho mais receio de Vos perder?

Meu Senhor, enquanto me virdes retido neste desterro e atribulado neste país inimigo, onde estou em guerras contínuas, socorrei-me com as vossas graças e consolai-me na minha penosa peregrinação. Não há nada neste mundo que me possa dar a paz e contentar-me; mas sem o vosso socorro, temo que os prazeres terrestres e as minhas propensões ilícitas me arrastem a algum precipício.

Vendo-me desterrado neste vale de lágrimas, quisera ao menos pensar sempre em Vós, meu Deus, e folgar com a vossa felicidade infinita; mas os desejos desordenados dos meus sentidos produzem tanto ruído em mim, e me perturbam tanto! Quisera empregar todas as faculdades da minha alma em Vos amar e render ações de graças; mas a carne me solicita para o gozo dos prazeres terrenos. Pelo que me vejo obrigado a clamar com São Paulo: “Infeliz de mim, quem me livrará deste corpo de morte?” (2). Tenho de lutar sem cessar, não somente com os meus inimigos de fora, mas ainda comigo mesmo, a tal ponto que “me sinto cansado e sou pesado a mim mesmo” (3).

II. Quem então me livrará deste corpo de morte, isto é, do perigo de cair no pecado, perigo que por si só é para mim uma morte contínua, tormento que não terminará senão com o meu último suspiro? Deus, ne elongeris a me; Deus meus, in auxilium meum respice (4). Meu Deus, não Vos separeis de mim, porque se Vos separais, tenho medo de Vos ofender; antes ficai bem perto de mim pelo vosso poderoso socorro, isto é, socorrei-me sempre, a fim de que possa resistir aos assaltos dos meus inimigos. Vosso Profeta me assegura que estais perto daqueles que têm o coração aflito: Iuxta est Dominus iis, qui tribulato sunt corde (5). Estai então continuamente ao meu lado, ó amadíssimo Senhor meu, e dai-me a paciência de que preciso para triunfar de tantos tédios que me acabrunham.

Quantas vezes me ponho em oração e pensamentos importunos me perturbam e distraem com mil futilidades! Dai-me força para os desviar, quando me quero entreter convosco, e para crucificar todas as más propensões que me impedem de me unir a Vós. Tirai de mim, eu Vô-lo suplico, a grande repugnância que sinto para abraçar em paz tudo o que não lisonjeia o meu amor próprio.

Ó morada do meu Deus, preparada para aqueles que O amam, desde esta miserável terra suspiro sem cessar por ti. Erravi sicut ovis quae periit; quaere servum tuum (6). Amadíssimo Pastor, descido do céu para salvar as almas perdidas, aqui estou eu, uma dessas ovelhas que tiveram a desgraça de Vos voltar as costas e perder-se. Senhor, buscai-me; não me abandoneis como mereço; buscai-me e aliviai-me; tomai-me e ponde-me sobre os vosso ombros, para que não possa separar-me mais de Vós.

Ao mesmo tempo que aspiro ao céu, o inimigo da minha alma aterra-me pela lembrança das minhas faltas; mas, ó meu Jesus crucificado, a vossa vista me tranquiliza e faz esperar ir um dia amar-Vos, sem véu, no vosso feliz reino. Maria, augusta Rainha do paraíso, continuai a ser a minha advogada. Pelo sangue de Jesus Cristo e pela vossa intercessão, tenho a firme confiança de me salvar (II 314.)

  1. Gen. 47, 9.
    2. Rom. 7, 24.
    3. Iob. 7, 20.
    4. Ps. 70, 12.
    5. Ps. 33, 19.
    6. Ps. 118, 176.

Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III – Santo Afonso