Análise moral de um boato.
Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est
1. Talvez tenham lido isso nas redes sociais: “No próximo dia 30 de junho, em Ecône, D. Vitus Huonder, auxiliado por D. de Galarreta e por D. Fellay, conferirá a sagração episcopal a três sacerdotes membros da Fraternidade São Pio X, entre os quais D. Davide Pagliarani, Superior Geral da dita Fraternidade. Para realizar esta sagração, D. Huonder teria recebido o mandato apostólico do Papa Francisco”.
Boato
2. Isso é um boato. Ou, se preferirem, uma “fake news”, embora a palavra “fake”, que conota sobretudo a ideia de falsidade, não traduza com exatidão toda a significativa gravidade de “boato”, que conota sobretudo a ideia de rapidez, de velocidade, como um tiro
3. Não sabemos de onde os boatos partem, mas inevitavelmente circulam – principalmente na web. E a partir daí espalham-se em uma velocidade tão vertiginosa que, em pouco tempo, invadem uma cidade, uma província ou um cantão, um país inteiro. A Tradição não é exceção. Às vezes, tem-se até a impressão de que os boatos circulam mais rápido e melhor por aqui do que em quaisquer outros lugares.
4. Quem os lançou? Como eles percorrem distâncias enormes em velocidade recorde? Não se sabe. Uma coisa é certa: uma vez lançados, eles atingem multidões como se fossem transmitidos por um rádio misterioso.
5. Os boatos sempre existiram. Sempre houve e sempre haverá, até o fim do mundo, em cada indivíduo, homem ou mulher, um espectador crédulo para acolhê-los e deixar-se impressionar por eles. Mas em tempos conturbados eles encontram um clima mais favorável à sua profusão.
6. Em 1944, boatos extraordinários circulavam entre a multidão que tanto havia sofrido durante os anos da ocupação. Impulsionado pelos primeiros sinais de derrota, que logo se transformariam em debandada, o inimigo retomava o caminho para o leste. Ele acelerava sua marcha, seguido de perto pelos exércitos aliados, pelas tropas maquis, a poderosa força aérea anglo-saxônica. Porém, de vez em quando, espalhavam-se notícias inesperadas, semeando o medo nas regiões onde as pessoas mal haviam começado a ter paz novamente. “Os alemães estão voltando!“. Em uma grande cidade, libertada apenas 48 horas antes, algumas vítimas das últimas batalhas ainda estavam sendo enterradas. Toda a população acompanhava os caixões enquanto eram levados ao cemitério. À frente do cortejo avançavam as bandeiras das sociedades locais, cobertas de preto e crianças em idade escolar carregavam coroas de flores. De repente, um “ruído” começou a circular entre a multidão. Eles repetiram sussurrando uns aos outros. O rumor cresceu, multiplicou-se e explodiu em um grito lançado por milhares de corações: “Os alemães estão voltando, nós os vimos a menos de um quilômetro de distância”. Houve pânico: salve quem puder, tumulto. Medrosos, que haviam se recomposto desde o desaparecimento do perigo e posavam de heróis, fugiram a toda velocidade, procurando um porão para se esconder. As pessoas chocavam-se, atropelavam-se e pisoteavam-se umas às outras. Na rua, só restaram os carros fúnebres com os seus motoristas e mais algumas pessoas fleumáticas. No entanto, não havia qualquer sombra de verdade nesse boato, tão sensacionalista quanto improvável. Os alemães, preocupados em garantir sua retirada, nunca haviam pensado em um retorno ofensivo.
Quando o fofoqueiro parte para o ataque
7. Outros boatos sucederam a este. Tratavam dos mais diversos assuntos: questões de abastecimento, estado sanitário, conflitos sociais e, na Tradição, reconhecimentos canônicos ou acordos diversos com a Roma conciliar, entre outras coisas….
8. Um belo dia, todos repetem a si mesmos: “Tomem cuidado! Em breve haverá a terceira guerra mundial, o fim do mundo e os três dias de escuridão anunciados pelas profecias. Faltarão macarrão e o arroz, façam estoque”. Multidões acorrem aos mercados, comprometendo assim a distribuição regular dos alimentos que não faltariam se a população não invadisse esses locais. Em outro dia, ouve-se: “Há uma epidemia de poliomielite na região; muitos casos foram registrados”. As mães entram em pânico; elas não ousarão, nas próximas férias, levar seus filhos às montanhas a quem um pouco de ar fresco faria bem. No entanto, não há nenhum fundamento nesse boato: a poliomielite se espalha em épocas de seca, e os rios, este ano, estão todos cheios. Em outros momentos, é um corte de energia mundial ou uma pane nas redes de informática que está sendo anunciada como iminente por todos os lados.
9. Os boatos têm seu efeito próprio: eles criam uma psicose coletiva.
10. Conte a um homem sensato notícias fantasiosas e ele ignorará. Conte a este mesmo homem um boato repetido pela centésima vez e ele ficará impressionado. Então, a loucura contagiante da multidão que o cerca (sobretudo da multidão invisível que nos cerca na web ou nas telas) apodera-se dele e tira-lhe o controle de sua inteligência. Ele não procura verificar a autenticidade do ruído que circula. Ele permite-se aturdir, surpreender, petrificar. E, acima de tudo, por sua vez, repete o ruído e o propaga.
11. O que acaba de ser descrito é suficiente para demonstrar a nocividade do boato. Ele se mostra perigoso em todas as épocas, tanto em tempos de dificuldade quanto em tempos de prosperidade, nos tempos de vacas magras e nos de vacas gordas. Ele distorce a mentalidade daqueles quem o ouve; priva-os de seu guia natural, a razão, cuja clareza lhes é tão necessária quanto a luz do dia. E eis onde reside o perigo, independentemente das notícias falsas que estejam sendo veiculadas.
12. Os boatos pessimistas criam confusão e ansiedade na mente das pessoas e, consequentemente, desordem em sua conduta. Os boatos otimistas levam a uma falsa segurança e que impede de tomar as precauções necessárias.
13. Moral da história: não acrediteis em boatos.
O papagaio não é um sábio
14. Que uma pessoa emotiva se deixe dominar ou exaltar por eles [boatos], compreende-se, pois o impressionável cede à imaginação e ao sentimento. Mas os senhores são seres normais, que reconhecem a primazia da inteligência. Ora, esta faculdade tem leis irrefragáveis: exige que nada admitam como verdadeiro o que não tenha sido provado como tal. Mesmo o ato de fé requer, para poder ser tomado como razoável, a credibilidade daquele a quem nossa inteligência adere ou se submete. Podemos ver claramente que a Santíssima Virgem, na Anunciação, começa por desafiar-se daquilo que, na boca de outro que não fosse o Arcanjo Gabriel, poderia ter sido uma farsa: “Eis que conceberás um filho e ele se chamará o Filho do Altíssimo.” Portanto, sejam severamente críticos em relação aos boatos que circulam. Antes de tudo, procurem descobrir sua fonte. Não encontrarão uma fonte precisa. As investigações resultarão sempre em personagens anônimos, ou mesmo desconhecidos, quando não a pseudônimos, dos quais não se pode verificar suas declarações. Irão reduzir-se a resultados vagos: ”Nos disseram… Foi visto… Nos reportaram….Não estamos certos.” Examinem a verossimilhança do boato. É fantasioso em seu mais alto grau? Deixem de lado pois isso não merece nada além de desprezo. Poderão objetar que a verdade nem sempre é provável…. mas, geralmente, é. Portanto, aguardem, antes de se pronunciarem, a confirmação ou negação da famosa notícia. A sabedoria não conhece outro caminho.
15. Acima de tudo: não espalhem boatos.
16. Algumas pessoas mal tomam conhecimento de algumas delas e se apressam em relatá-las. Andam pela cidade – ou pelo Whatsapp – brandindo suas fake news como se fossem troféus, com fotos repassadas ou copiadas/coladas. Acolhem-nas como o maná caído do céu, capaz de manter sua conversa que, de outro modo, faltaria alimento. Um homem digno não precisa de tal subterfúgio para sustentar suas palavras. Deleitar-se em espalhar boatos denota um sinal inquestionável de pobreza intelectual – a menos que seja um angustiado sempre alerta, que só os representantes da Faculdade de Medicina são capazes de remediar. É também uma mania perigosa, pois pode perturbar as mentes fracas e crédulas.
17. É claro que ninguém, caros leitores de La Porte Latine, está pensando em proibi-los de relatar as histórias que ouvem por aí. Sabemos muito bem que fazem isso com uma verve irônica e que demonstram brilhantemente o papel ridículo deles.
18. Mas, não imitem o fofoqueiro. Ele fala como um papagaio em seu poleiro.
Pe. Jean-Michel Gleize, FSSPX