Com as especulações atuais sobre se, e quando, a FSSPX irá sagrar novos bispos, todos podemos concordar em uma coisa: são necessárias.
Fonte: Rorate Caeli – Tradução: Dominus Est
Uma característica extraordinária da história da Fraternidade São Pio X é que, sempre que há algum contato com Roma, um grupo de padres e leigos nas capelas se revolta e a abandona. Ofendidinhos, eles fogem irritados e acusam os que ficaram de “trair” o legado de D. Lefebvre. Todos os grandes acontecimentos na Fraternidade nos últimos 50 anos são, em certo grau, resultado de conflitos internos, seguidos pelo êxodo.
As sagrações episcopais em junho de 1988 foram um choque terrível para muitas pessoas que, até então, alegremente apoiavam a Fraternidade. Para aqueles que gostavam da solenidade, as sagrações foram choque brutal com a realidade. Nossa pequena congregação em uma igreja anglicana abandonada em Bath, no Reino Unido, viu-se subitamente reduzida pela metade. Ao observar os remanescentes no primeiro domingo de julho de 1988, com muitos rostos familiares desaparecidos e que nunca mais seriam vistos, foi minha mãe quem me sussurrou de sua cadeira de rodas: “os que ficaram tomaram posição”. De repente, o Vaticano empunhou suas enferrujadas espadas de penalidades eclesiásticas, incluindo a excomunhão latae sententiae. Quem em sã consciência não correria para se proteger? A última excomunhão no Reino Unido havia sido em 1907.
Para os padres e leigos ligados à FSSPX, esses foram tempos assustadores, pois foram acusados de heresia e cisma. Muitos bispos, abades e clérigos que, até o momento, haviam apoiado publicamente o Arcebispo, sumiram de cena ou se tornaram abertamente hostis. No fim das contas, pode-se argumentar que Deus permitiu esses eventos para afastar os obstáculos da Fraternidade. Dito de outro modo, todos aqueles que pensavam que poderiam ter as aparências da tradição católica e, ao mesmo tempo, a aprovação de Roma, foram enganados. O que restou foi um grupo mais enxuto, preparado e perseguido; fortificado para enfrentar o avanço da crise na Igreja Católica – embora, olhando para nossa própria congregação em Bath, poucos de nós estávamos preparados!
Depois disso, a existência da FSSPX foi pouco comentada pelas autoridades eclesiásticas e amplamente ignorada pela imprensa católica durante a década de 1990. Isso, creio eu, foi uma manobra deliberada, adotada na esperança de que, privada do oxigênio da publicidade, a Fraternidade se encolhesse e morresse. Pelo que pude perceber, a maior parte da nossa pequena congregação era composta por idosos, e alguns jovens de terno com cheiro de tabaco. As famílias numerosas ainda não tinham surgido e as interrupções de bebês de colo durante a missa eram bastante raras. Ninguém estava interessado em negociar com Roma, nem mesmo em divulgar a causa. Estávamos gratos por termos a Missa de vez em quando (não a tínhamos em todos os domingos) e acreditávamos que estávamos mantendo o fogo aceso, na esperança de que algo viesse a acontecer (com a graça de Deus) e que as coisas pudessem voltar ao normal. Éramos um grupo desanimado.
Apesar das rejeições e das dificuldades sofridas pelos padres e fiéis da FSSPX, era esperar muito que eles ficassem unidos na análise da crise na Igreja Católica, e nas soluções apropriadas.
Provavelmente houve grande alarme no palácio papal em Roma, à medida que o grupo dissidente continuava a crescer e a se consolidar. O Summorum Pontificum de 2007 foi uma tentativa do Papa Bento XVI de apaziguar os crescentes apelos pelo restabelecimento da Missa Tridentina (na maioria dos casos, apenas a Missa) com o objetivo final de reintegrar a FSSPX à Igreja oficial. Além disso, as excomunhões contra os quatro bispos foram levantadas. O efeito dessas mudanças fez com que certos elementos da FSSPX se empenhassem em acelerar o processo de integração e vissem a lentidão de D. Fellay, então Superior Geral, como uma traição aos princípios estabelecidos por seu fundador, D. Lefebvre.
Vários titãs nesse movimento da FSSPX firmaram acordos separados com Roma – os Filhos do Santíssimo Redentor e a diocese de Campos, no Brasil, para citar alguns. Houve também deserções de padres e seminaristas, especialmente na Suíça e nos Estados Unidos. Lembro-me de quantos dos nossos fiéis se ressentiram da abordagem “linha-dura” da liderança da FSSPX e começaram a frequentar as Missas tridentinas nas igrejas paroquiais locais e também em centros de Missa fundados, tentadoramente próximos, pela Fraternidade de São Pedro.
Hoje em dia, as pessoas parecem esquecer o quão perto da autodestruição a FSSPX esteve durante o reinado de Bento XVI. A oferta de reconciliação de Roma pegou as pessoas de surpresa, e muitos foram acusados de ter uma “mentalidade cismática” por se recusarem a ceder. Foram esses eventos que levaram ao desaparecimento de alguns membros da nossa congregação. Na França, alguns padres também se afastaram, mas, com exceção dos Filhos do Santíssimo Redentor, na ilha de Papa Stronsay, na Escócia, o distrito do Reino Unido permaneceu intacto – pelo que sei.
Voltando-nos agora aos acontecimentos que conduziram às divisões de 2012, as causas foram inversas às que ocorreram em 2007. Agora, a Fraternidade São Pio X foi convidada para “conversações” com as autoridades romanas, levando a uma possível integração total, e muitos dos seus adeptos acusaram D. Fellay de querer um acordo com Roma a qualquer custo. Em resumo, em 2007, D. Fellay foi acusado de ser anti-Roma e, em 2012, de ser pró-Roma. Assim, teve início uma grande e indigna campanha de difamação contra a liderança da FSSPX, que resultou na organização da “resistência” da FSSPX.
Então, a FSSPX estava pensando em se juntar a Roma? Duvido. Além disso, o “acordo” que eles diziam estar “prestes a ser fechado” parece ter sido enterrado junto com o corpo do Papa Bento XVI.
O erro que muitos católicos dissidentes cometeram, seja em 2007 ou 2012, foi considerar D. Lefebvre uma espécie de “guru” que estabeleceu um conjunto de princípios que precisavam ser seguidos em todas as circunstâncias. Acreditar nisso é não compreender a missão desse homem santo. Ele mesmo disse no sermão das sagrações em 1988 que era um simples bispo cumprindo seu dever de católico que Deus lhe havia confiado, como havia jurado fazer. Ninguém pode ter ideia de como o Arcebispo teria reagido aos eventos de 2007 e 2012, ou mesmo às ações posteriores do Papa Francisco. Roma tem à sua disposição um antigo e poderoso departamento diplomático, repleto de mentes brilhantes que são especialistas em exercer pressão. Provavelmente dariam um jeito em D. Lefebvre, como quase fizeram nas negociações de 1988, e como quase fizeram com D. Fellay em 2012. É um milagre que a Fraternidade São Pio X ainda exista, tendo em conta as maquinações que sofreu nas mãos de Roma.
Muita coisa mudou desde que a SSPX entrou pela última vez nessas negociações infrutíferas em 2012, que resultaram na última grande cisão. O reinado do Papa Francisco confirmou as suspeitas de D. Lefebvre sobre o desejo de Roma de restaurar a tradição católica, especialmente com a promulgação de Traditiones Custodes. Além disso, a marginalização, e até mesmo a perseguição aberta, daqueles que são atraídos pela Missa Tridentina eliminou a possibilidade de as autoridades buscarem um entendimento com os católicos tradicionais. A supressão dos Filhos do Santíssimo Redentor na Nova Zelândia é o evento mais recente de uma longa série de ataques que ocorreram desde a morte do Papa Bento XVI. Outras instituições se encontram no alvo de “visitas apostólicas“, eufemismo para um futuro encerramento quando conveniente.
Seja como for, Roma declarou guerra aberta à Tradição Católica. A FSSPX tem poucos amigos na Cidade do Vaticano, o que também representa uma grande mudança desde os últimos contatos em 2012. A maioria dos altos prelados da Cúria ou são abertamente hostis a eles, ou então tão comprometidos com as novas iniciativas, como a Sinodalidade, que uma reaproximação com a FSSPX é quase impensável.
Foi o pontificado do Papa Francisco que, de forma surpreendente e paradoxal, levou muitas mais almas para os braços da FSSPX. Uma visita à Igreja de São Miguel, em Newbury (Reino Unido), mostrará inúmeras novas famílias jovens aglomerando-se na igreja recentemente construída. Além disso, a maioria dos que veem as fotos e vídeos da recente peregrinação da SSPX a Roma não pode deixar de se impressionar com o número de peregrinos. A visão de multidões de padres, jovens freiras e famílias é uma alegria.
Se a FSSPX novamente sagrar bispos sem a aprovação papal — e isso parece muito provável para qualquer pessoa que entenda a história desta saga — é possível que as penalidades impostas por Roma sejam difíceis de compreender para aqueles que simplesmente amam o modo de agir da FSSPX. Existe o risco de alguns fiéis abandonarem as capelas da FSSPX para não serem acusados de estarem fora da Igreja. Pelo lado positivo, as penalidades canônicas efetivamente “frustrariam os planos” de todos aqueles da “resistência” que pensam que a FSSPX está conspirando com Roma!
Sagrar sem a aprovação de Roma provavelmente resultará em uma FSSPX mais enxuta, porém mais forte, como aconteceu em 1988. Sagrar bispos com a aprovação papal é altamente improvável. A razão é que a FSSPX ainda está “estragando a festa” da revolução litúrgica e doutrinária, sem mencionar a sinodalidade e a tolerância aos piores excessos imorais da história da Igreja. É improvável que o Papa Leão XIV permita oficialmente a nomeação de bispos à FSSPX, a menos que a Fraternidade assuma compromissos que seriam traição; não apenas aos seus princípios fundadores, mas também à própria Fé.
Não queria estar no lugar do Papa! O que ele vai fazer? A resposta está na história política e remonta a séculos atrás. Quando não há nada que se possa fazer, então é exatamente isso que se faz: nada! As sagrações oficialmente não autorizadas provavelmente ocorrerão com a aprovação informal (e passível de ser negada oficialmente) de Roma. Depois disso, as autoridades evitarão o assunto porque, ora, tal ambiguidade não tem sido a marca registrada da relação entre Roma e a FSSPX?
Portanto, podemos resumir a situação da seguinte forma: plus ça change, plus c’est la même chose! (“Quanto mais as coisas mudam, mais permanecem as mesmas”)
Joseph Bevan
Agosto de 2025