A este [ao único Deus] devemos o serviço chamado em grego λατρρεία, quer nos ritos sagrados quer em nós próprios. Porque todos, em conjunto e em cada um, somos o seu templo: ele digna-se habitar quer na concórdia de todos nós quer em cada um em particular; não está mais em todos do que em cada um; nem se alarga pela massa nem se diminui pela participação.
Quando se eleva para Ele, o nosso coração torna-se altar seu; o seu Unigênito é o Sacerdote com que o aplacamos; oferecemos-lhe vítimas cruentas quando, pela sua verdade, lutamos até ao sangue; oferecemos-lhe suavíssimo incenso quando na sua presença estamos abrasados em religioso e santo amor; dedicamos-lhe e devolvemos-lhe os dons que nos concede e a nós próprios; publicamos e consagramos a memória dos seus benefícios em festas solenes em dias certos com receio de que, no decorrer do tempo, se infiltre em nós um ingrato esquecimento; sacrificamos-lhe no altar do nosso coração uma hóstia de humildade e de louvor ao fogo duma fervente caridade.
Para o vermos como pode ser visto e para nos unirmos a Ele, purificamo-nos de toda a mancha do pecado e dos maus desejos e consagramo-nos ao seu nome.
Realmente ele é a fonte da nossa felicidade e a meta de todas as nossas aspirações. Elegendo-o, ou melhor reelegendo-o — pois tínhamo-lo perdido por negligência — reelegendo-o a Ele (religentes — donde vem, diz-se, a palavra “religião”), nós caminhamos para Ele por amor para descansarmos quando a Ele chegarmos: e assim seremos felizes porque em tal meta alcançamos a perfeição. […]
É-nos ordenado que amemos este bem com todo o nosso coração, com toda a nossa alma, com todas as nossas forças. É para Ele que nos devem conduzir aqueles que nos amam: é para Ele que devemos conduzir aqueles que amamos. Cumprem-se assim os dois preceitos de que dependem toda a lei e os profetas:
Amarás o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu espírito, e Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Para que o homem saiba de facto amar-se a si próprio, foi-lhe fixado um fim, ao qual, para ser feliz, deve referir todos os seus atos; — porque quem se ama, mais não quer que ser feliz; e este fim consiste em unir-se a Deus.
Quando, portanto, àquele que já sabe amar-se a si mesmo se prescreve que ame a seu próximo como a si mesmo — que é que se lhe ordena senão que exorte o seu próximo a amar a Deus com todas as suas forças? Este é que é o culto de Deus, esta é que é a verdadeira religião, esta é que é a recta piedade, este é que é o serviço só a Deus devido!
Santo Agostinho, A Cidade de Deus