Courrier de Rome n.º 608, Março de 2018 – Tradução: Dominus Est
Pe. Jean-Michel Gleize, FSSPX
[Nota do blog: texto escrito antes da canonização do Papa Paulo VI]
«Signis certissimis»: tal é a expressão destacada pelo Concílio Vaticano I na constituição dogmática Dei Filius, sobre a fé católica. «Ora, para que, não obstante, o obséquio de nossa fé estivesse em conformidade com a razão [cf. Rm 12,1], quis Deus ajuntar ao auxílio interno do Espírito Santo os argumentos externos de sua revelação, isto é, os fatos divinos, e sobretudo os milagres e as profecias, que, por demonstrarem luminosamente a onipotência e a ciência infinita de Deus, são da revelação divina sinais certíssimos e adaptados à inteligência de todos»[1]. Este ensinamento do Concílio Vaticano I é confirmado pelo ensinamento do Papa São Pio X no Juramento antimodernista: «Segundo: admito e reconheço como sinais certíssimos da origem divina da religião cristã as provas externas da Revelação, isto é, os feitos divinos, em primeiro lugar os milagres e as profecias, e afirmo que são perfeitamente adaptadas à inteligência de todos as idades e [de todos os] homens, inclusive os da época presente»[2].
Os sinais certíssimos são, portanto, os milagres. Em sua etimologia, a palavra «milagre» vem do substantivo latino miraculum, que por sua vez deriva do verbo mirari, que não significa «admirar»[3], mas «considerar com espanto». Ora, espantar-se é considerar um efeito cuja causa é desconhecida. Portanto, o milagre é um efeito cuja causa mantém-se oculta, porquanto é incognoscível. Especificando ainda mais esse vínculo que relaciona a noção de milagre (e portanto de espanto) à ignorância de uma causa, Santo Tomás [4] mostra que o espanto sobrevém diante não de um efeito raro, mas de um novo e inabitual[5]. Ora, esse gênero de efeitos é aquele que não procede de causas já conhecidas.
Vamos mais longe distinguindo o que diz respeito ao espanto: Ele procede da ignorância de uma causa, e ela pode ser ignorada de duas maneiras. Ela pode estar oculta para uma categoria de observadores, mas não para todos: ela provoca então o espanto do vulgo diante daquilo que se convém chamar de maravilhoso (mirum). Por exemplo, o eclipse causa espanto no vulgo, mas não causa espanto no astrônomo. Em seguida, a causa pode estar oculta para qualquer que seja o observador: é o miraculum propriamente dito, aquele que provoca o espanto de todos, mesmo dentre estudiosos e sábios. A definição sintética e científica do milagre é formulada pelo doutor angélico[6] em termos já tornados clássicos: um fenômeno constatável pelo homem (e portanto sensível), mas cuja produção lhe escapa, dado que é sobrenatural, tem Deus como seu autor único e está além das capacidades de todas as naturezas criadas, inclusive a dos anjos.
O milagre é um sinal na medida em que é um efeito que remete necessariamente a uma intervenção divina. Nesse caso, desde que o sinal seja verificado, o raciocínio sobre o qual se apoia torna-se irrefutável. O único meio de refutá-lo é negar o sinal. Porquanto se há efeito, há causa: se há fumaça, há fogo. Se há um milagre, há uma intervenção de Deus que atesta a verdade da doutrina ou a santidade da vida.
Santo Tomás insiste sobre essa razão de ser do milagre. Deus faz os milagres em prol dos homens e em dois casos: seja para autenticar a pregação da fé, seja para autenticar a santidade de um homem que Ele quer propor como um modelo de virtude. Conforme o segundo fim, somente os santos podem fazer milagres, enquanto estão vivos ou após a morte[7]. O Concílio Vaticano I, no trecho já citado, insiste no fato de que os milagres são «fatos divinos» que, por demonstrarem luminosamente a onipotência e a ciência infinita de Deus, são sinais certíssimos da revelação divina. Esses «sinais» são fatos divinos, e é precisamente por serem divinos que eles são «certíssimos». O fato observado é o «sinal certíssimo» e absolutamente indubitável da verdade da doutrina ou da santidade da vida, na medida exata em que ele é um «fato divino», ou seja, um fato que só Deus poderia ter produzido. Fora disso, nenhum sinal e nenhuma certeza. Um fato em que não se pudesse dizer que só Deus poderia produzi-lo, ou seja, em particular um fato em que a ciência ou a medicina não conhecem tudo o que lhe diz respeito, de tal maneira que não se poderia excluir absolutamente a intervenção de uma causa criada de ordem natural para explicar sua produção, esse tal fato não poderia representar o sinal certíssimo requerido pela Igreja para atestar a verdade da doutrina ou da santidade de vida.
Segundo o parecer de todos os médicos competentes, certas curas, ainda que raras ou excepcionais, não são por isso miraculosas: elas não são nem novas e nem inabituais[9]. Os fatos desse gênero não poderiam representar, portanto, os «sinais certíssimos» necessários para atestar a santidade de vida, tal como se requer durante um processo de beatificação ou de canonização. Por isso a sabedoria milenar da Igreja, tal como se exprimiu nas normas anteriores ao Novo Código de 1983, previa a não consideração desses fatos. Desde o Novo Código, as novas normas pós-conciliares abriram a porta para todos os abusos, incluindo a canonização dos papas fundadores do Vaticano II: João XXIII, Paulo VI e João Paulo II.
A canonização de Paulo VI está sendo considerada seriamente para o próximo outono. Os teólogos da Congregação para a Causa dos Santos do Vaticano reconheceram um suposto milagre atribuído à intercessão de João Batista Montini. Esse milagre diz supostamente a respeito ao nascimento de uma criança originária de Verona, acontecido em 2014. No quinto mês da gravidez, acontece uma ruptura da placenta. Sua mãe, recusando-se recorrer ao aborto preconizado pela medicina, reza então, ao lado de uma religiosa, no Santuário das Graças em Brescia. A garotinha, chamada Amanda, nasceu no sexto mês da gravidez e desde então cresceu sem problemas. Não obstante o parecer dos teólogos do atual Vaticano, a natureza miraculoso desse fato mantém-se mais que duvidosa. Com efeito, ocorre que frequentemente um bebê sobrevive ao descolamento de placenta. A separação da placenta da parede uterina, se ela se dá no último trimestre de gravidez, pode certamente comprometer a vida e a saúde do bebê, mas não leva necessariamente à morte do feto ou à má formação congênita. Há somente um sério fator de risco, não uma causa certa de morte ou deformidade. Para ser exato, o pretenso milagre não consiste na cura não explicada de uma doença fetal existente ou de uma deformidade, nem a cura da placenta já descolada. Contenta-se aqui em afirmar que o risco não produziu seus efeitos. O caráter milagroso de tal resultado é afirmado de maneira puramente gratuita, sem verdadeiras provas. Não há nenhum «sinal certíssimo» da santidade de Montini.
Ademais, Deus, sendo a própria Sabedoria, não pode produzir esses «sinais certíssimos» para se tornar testemunha do erro ou do pecado; tampouco para atestar uma virtude no máximo ordinária; e menos ainda para respaldar o escândalo de um pontificado que acelerou a protestantização da Igreja. O milagre é necessário para atestar a virtude heroica, que por sua vez é o que constitui a santidade e o que a Igreja quer dar como exemplo[10]. A virtude heroica supõe as virtudes morais e teologais em grau eminente. Ora, sem a prudência, diz Santo Tomás[11], não se poderia ter verdadeira virtude moral e não está nem um pouco claro que Paulo VI tenha exercido essa virtude cardeal em grau eminente. Quanto às virtudes teologais, elas apoiam-se na fé, e é bem duvidoso que Paulo VI tenha possuído e exercido essa virtude fundamental em grau eminente.
É concebível dar como exemplo a toda a Igreja o papa que declarou: «A Tradição não é um dado congelado ou morto, um fato de alguma maneira estático que bloquearia em dado momento a vida desse organismo ativo que é a Igreja» e que censurou Mons. Lefebvre de evocar um conceito «falseado» da Tradição[12]? O pontificado de João Batista Montini é, em todo caso, um sinal certíssimo da introdução de um espírito novo na Igreja, «espírito liberal, teillardiano, modernista, oposto ao Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo»[13]. Um espírito oposto Àquele que animava todos os santos canonizados antes do Concílio.
Notas
- DS 3019.
- DS 3539.
- «Admirar» traduz com precisão o verbo latino animadvertere. A admiração está no termo final da busca filosófica, enquanto que o espanto está em seu termo inicial. Começamos por nos espantarmos, pois não vemos a causa da qual procede o efeito observado (o que implica uma deficiência, ou uma privação de conhecimento) e em seguida admiramos conjuntamente o efeito e sua causa enfim descoberta (o que implica uma perfeição ou uma plenitude de conhecimento). Admiramos porque compreendemos, porque vimos e porque sabemos, enquanto que nos espantamos porque não compreendemos, porque não vemos e porque ignoramos.
- Suma Teológica, IIIa pars, questão 15, artigo 8.
- O que é raro não necessariamente é novo e inabitual. Um efeito raro é um efeito que não se produz com frequência, mas pode se tratar de um efeito já produzido e com uma frequência suficiente para não ser nem novo e nem inabitual. Assim ocorre com certas curas, raras mas perfeitamente identificadas e explicadas pela medicina.
- Suma Teológica, Ia pars, questão 110, artigo 4.
- Suma Teológica, IIaIIa, questão 178, artigo 2, corpus.
- DS 3019.
- Cf. explicação do Doutor Jean-Pierre Dickès, «Santo súbito: um milagre subitamente explicável e portanto de forma alguma miraculoso!» no site La Porte Latine, 10 de junho de 2014. Segundo o parecer dos especialistas, o suposto milagre tomado pela Santa Sé para a canonização de João Paulo II cai nessa categoria de curas raras, mas medicamente explicáveis por fatores naturais. Médicos de reputação internacional protestaram com veemência contra a fraude, mas em vão.
- 10. Cf. artigo «D’avril à octobre» publicado no número de julho-agosto de 2014 do Courrier de Rome.
- Suma Teológica, IaIIa, questão 58, artigo 4.
- Proposta de Paulo VI citada por Mons. Lefebvre na Conferência em Écône de 18 de outubro de 1976, Vu de haut nº 13, capítulo XIV, p. 45-46.
- Extraído do livro J’accuse le Concile, citado por Mons. Lefebvre, Vu de haut nº 13, capítulo XII, p. 37.