TEMPO, UM PRESENTE DE DEUS

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

Enquanto Deus parece nos conceder mais tempo, peçamos ao Espírito Santo que nos ajude a usar sabiamente os dias desse novo ano, segundo o conselho de São Paulo: “Façamos o bem enquanto temos tempo” (Gal 6, 10). A vida na terra prepara para a eternidade. Longe de desperdiçar nosso tempo, é importante que façamos bom uso dele para crescer em Cristo.

Dois olhares no tempo

As Sagradas Escrituras dissertam com lucidez sobre a brevidade da vida. O homem apenas passa pela terra, onde as provas o aguardam. “O homem nascido de mulher vive pouco tempo e está cheio de misérias. Como uma flor nasce e é logo cortada e foge como uma sombra e jamais permanece num mesmo estado” (Jó 14, 1-2).

Na realidade, como explica Bossuet, o tempo pode ser considerado de duas maneiras [1] . Em si mesmo, o tempo “não é nada, porque não tem forma nem substância “. Ele “desvanece em um movimento sempre progressivo, que nunca regride“. Ele não faz nada além de “passar” e ” perecer “. Mas se o homem prende ao tempo “algo mais imutável do que ele mesmo “, então esse tempo se torna “uma passagem para a eternidade que permanece “.

Além disso, continua o Bispo de Meaux, um “homem que teria envelhecido nas vaidades da terra ” não viveu realmente, porque “todos os seus anos foram perdidos“. Mas uma vida cheia de boas obras, por mais curta que seja, é eternamente benéfica. A riqueza de uma vida é medida não por sua longevidade, mas pelo valor de suas ações. A Igreja que honra a virtude do velho Simeão celebra também o martírio dos santos inocentes.

O tempo é precioso, conclui Bourdaloue, porque “é o preço da eternidade”. A salvação depende do tempo. Além disso, “não é somente para nós, mas ainda mais para Ele mesmo e para Sua glória, que Deus nos deu o tempo. Ele quer que o usemos para servi-lo e glorificá-lo” [2] .

O tempo perdido

Sêneca advertia seu discípulo Lucílio [3]: “veja bem: a parte mais importante da vida se passa fazendo o mal, uma grande parte sem fazer nada, e toda a vida é gasta fazendo algo que não é necessário”. O leitor cristão encontra aí falhas que as Sagradas Escrituras denunciam.

Fazer o mal é percorrer o caminho amplo “que conduz à perdição“, e não o caminho estreito “que conduz à vida” (Mt 7, 13-14). O homem desperdiça seu tempo quando busca as obras da carne: “fornicação, impureza, luxúria, idolatria, malefícios, inimizades, contendas, invejas, iras, rixas, discórdias, seitas, ciúmes, embriaguez, glutonerias e outras coisas semelhantes” (Gal 5, 19-21). O homem ainda desperdiça tempo quando negligencia os frutos do espírito: “caridade, gozo, paz, longanimidade, afabilidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança ” (Gl 5,22-23).

Não fazer nada: eis a inclinação da preguiça que torna o homem um trapo: “como a porta rola sobre a sua couceira, assim o preguiçoso no seu leito” (Prov 26, 14). Enquanto a mulher que está sempre alerta, “e não come o pão ociosa” (Pv 31:27) merece um forte elogio, os homens preguiçosos que observam os outros trabalharem são cobrados: “Por que estais aqui todo o dia sem trabalhar?” (Mt 20,6). O preguiçoso posterga o trabalho porque teme o cansaço. Tal como o servo que enterra seu talento na terra, ele nada tem a apresentar a seu senhor quando chega a hora do acerto de contas.

O tempo também é perdido, entregando-se a obras fúteis que se desviam do plano de Deus. Entre os homens, alguns não estão onde o Senhor os espera, pois não discerniram os decretos de sua vontade, apesar das luzes que lhes foram concedidas. Outros se esquivam da vontade divina pois as consideram muito exigente, atribuindo a si próprios missões agradáveis ​​ou gratificantes. É o caso da alma que foge de seu dever de estado sob a aparência de bondade.

Crescer em sabedoria e graça

O evangelho convida os homens a fazer bom uso de seu tempo imitando seu Salvador. Antes de se referir à perda e encontro de Jesus no templo, São Lucas observa: o Menino “crescia e se fortalecia, enchendo-se de sabedoria” (Lc 2,40). E depois deste episódio, o evangelista acrescenta: Jesus progredia “na graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 52).

O cristão é chamado a desenvolver “o homem interior” (Ef 3, 16), ou seja, a crescer “na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pd 3, 18). A alma cresce em virtude quando colabora com a ação de Deus nela. Duas causas principais costumam retardar seu progresso: “a negligência das pequenas coisas a serviço de Deus e a recusa em fazer os sacrifícios por Ele exigidos” [4] .

A vida espiritual do cristão beneficia toda a Igreja, pois o Corpo Místico de Cristo é enriquecido por todos os méritos dos seus membros. Deus prolonga o tempo para a expansão de sua Igreja. Ele é paciente, porque deseja que todos os homens se “convertam à penitência” (2 Pd 3, 9). Mas esses prazos, misericordiosamente inspirados, chegarão ao fim e “o Dia do Senhor virá como um ladrão” (2 Pd 3, 10).

Se nunca é tarde demais para se voltar a Deus, nunca é cedo demais para servir ao Senhor, pois o tempo está se esgotando, como canta Santa Teresinha de Lisieux com seu coração de criança:

“Minha vida é apenas um instante, uma hora passageira

Minha vida é apenas um dia que me escapa e me foge

Tu sabes, ó meu Deus! Para amar-Te na terra

Não tenho nada além de hoje!…”

Pe. Pierre-Marie Berthe, FSSPX, La lettre de Saint-Florent n°277

NOTAS:

  1. Oração fúnebre de Madame Yolande
  2. Terceira meditação sobre a perda do tempo
  3. Carta 1
  4. Pe. Réginald Garrigou Lagrange, As três idades da vida interior