VER DEUS?

Os discípulos ouviram Jesus e seguiram-no.

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

Simples assim… seguiram Jesus. Aliás, tão fácil quanto os outros, que posteriormente seguirão Jesus ao abandonar seus barcos, seus livros contábeis, suas vidas. O que viram, então, estes que O seguiram, para segui-Lo tão facilmente? Há apenas uma única resposta possível, que somente aqueles que não têm hesitado em seguir Jesus compreendem: “O Senhor está aqui, Ele te chama”.

No livro do Êxodo, nesse diálogo inaudito com o Eterno, Moisés procurou inverter a ordem da iniciativa divina pedindo permissão para vê-Lo face a face. Esse pedido foi recusado: “Não poderás, porém, ver a minha face, porque o homem não pode ver-me e viver.” Contudo, diante da insistência de Moisés, o Eterno aceitou uma espécie de acordo. “Eis um lugar junto de mim, tu estarás sobre aquela pedra. Quando passar a minha glória, eu te meterei na concavidade da pedra, e te cobrirei com a minha mão, até que tenha passado. Depois tirarei a minha mão e tu me verás pelas costas; o meu rosto não o poderás ver”. Moisés viu Deus, mas de costas, no exato momento em que Ele desaparecia atrás da montanha.

Às margens do Rio Jordão, Jesus sabe para onde vai. Ele se detém e se volta para André e João… “Todos nos participamos da sua plenitude, e recebemos graça sobre graça”, dirá o último. Moisés não pôde ver a glória de Deus senão de costas, e eis que, quanto a estes homens, Deus se mostra pelo rosto de seu Filho. O rosto de Jesus não os matará, senão de amor.

“Pois a Lei foi dada por Moisés; mas a graça e a verdade foram trazidas por Jesus Cristo. Ninguém jamais viu a Deus; o Filho unigênito, que está no seio do Pai, ele mesmo é que o deu a conhecer”.

De acordo com a palavra de João Batista, esses homens viram o Cordeiro de Deus, o único, aquele que foi anunciado pelo cordeiro pascal, a pequena vítima imaculada de um ano, cujo sangue salvou os judeus da espada exterminadora. Foi o derradeiro ato de espera do Antigo Testamento, antes de: “e o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória, glória como de Filho Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”. Quanta emoção nestas palavras: até aquele momento, apenas a Santíssima Virgem havia tido esse privilégio. Ela tinha contemplado este rosto em segredo, enquanto seu filho dormia em seu peito. Este olhar, estes primeiros sorrisos, estas primeiras palavras, tinham-na extasiado em Deus. Ela era completamente pura, completamente bela…suas atenções maternais agradaram tanto a Santíssima Trindade que nenhuma inaptidão, nenhuma imperfeição poderia manchar essa linda criança nela. Mas a hora de Deus havia chegado. Naquele dia, à décima hora, às margens do Jordão, Deus mostrou sua face aos homens, aos pecadores, que logo lhe tirariam todo o aspecto humano.

Nesse momento, André e João veem, como num espelho da alma, o olhar do Verbo sobre eles.  É um olhar inédito. Um olhar que se dirige às suas almas perdidas. É um olhar que cura e dá vida; é o olhar que foi buscar Pedro perdido no pretório. É o olhar da Caridade. É o olhar de Deus. Este olhar se apoderou definitivamente de João, que doravante não dirá mais nada sobre si mesmo além de Eu sou aquele a quem Jesus ama.

Pe. Vincent Bétin, FSSPX