1º – O que é a humildade
“A humildade, dizia Lacordaire, não consiste em ocultarmos os nossos talentos e as nossas virtudes, em nos julgarmos pior ou mais medíocre do que somos, mas em reconhecermos o que temos; em suma, é o respeito da verdade.”
É a franqueza e a lealdade de uma alma que quer que a verdade seja conhecida, e que triunfe mesmo se esse triunfo deve confundi-la.
A humilde dá uma noção verdadeira de Deus, dos outros e de nós mesmos, apreciando cada um pelo seu justo valor e dando-lhe de todo modo o que lhe é devido. Mas essa virtude tão bela, tão oportuna, tão razoável, encontra grandes dificuldades na nossa natureza viciada e pede um poderoso recurso de graças.
Ela é qualquer coisa de tão grande, de tão heróico, que os próprios Apóstolos tiveram grande dificuldade em aprendê-la. Depois de seguirem três anos inteiros o Filho de Deus e de com Ele aprenderem, depois de terem sob os olhos seus exemplos de profundo abaixamento, eles ainda disputavam entre si para saber a quem era que cabia o primeiro lugar entre eles.
A humildade, diz também São Bernardo, “é uma virtude pela qual a gente se conhece e se despreza”. Mas por que então encontramos tão poucas almas humildes? É que poucas se conhecem; e não se conhecem porque não têm a coragem de fazer essa introspecção de si mesmas que as convenceria da sua miséria ou do seu nada.
Quando a gente estuda a fundo, se quiser ser sincero chega a fazer uma tríplice verificação:
Nada sou!
Nada posso!
Nada valho!
É tudo! É duro! É verdade!
2º – Motivos de ser humilde
a) Deus só dá graça aos humildes
Há um fato que domina toda a vida espiritual: sem a graça nada podemos fazer. Ora, Deus afirmou que só dá a sua graça aos humildes e resiste aos soberbos; donde mister se faz concluir que a humildade nos é absolutamente indispensável.
b) Nos nossas relações com Deus, não passamos de pobres mendigos
A nossa dependência d’Ele é absoluta. Se à vossa porta se apresentasse um mendigo orgulhoso, pedindo esmola com ar soberbo, que faríeis? Fechar-lhes-íeis assim a vossa porta como o vosso coração. Deus age do mesmo modo. Quando vê vir a Ele uma alma enroupada numa dignidade que não é a sua, Ele volta a cabeça, não escuta, deixa essa alma orgulhosa, à sua impotência… e ela cai.
c) A humildade é a raiz de todas as virtudes
Sem ela:
– Nenhuma fé: é preciso ser humilde para se curvar sem a menor dúvida, perante a autoridade de Deus que, sempre verídica, impõe para crer coisas que excedem o alcance da nossa inteligência.
– Nenhuma esperança: inspirando-se no orgulho, a gente pensa facilmente não precisar de nada, nem de ninguém; é preciso crer no seu próprio nada, na sua total impotência, para se volver para Deus e tudo esperar das Suas promessas e da Sua bondade.
Nenhuma caridade: num coração soberbo só achamos desdém, egoísmo, empáfia, insolência, violência, arrogância e vaidade; o amor de Deus e do próximo é excluído dele.
Nenhuma pureza: Diz a Escritura: “Ninguém pode permanecer puro sem um dom especial de Deus.” Ora, se Deus resiste aos soberbos, como poderá a alma orgulhosa, deixada às suas próprias forças, vencer as tentações? O vício impuro é a punição habitual do orgulho.
Nenhum zelo: para querer fazer o bem e aplicar-se a isso, é preciso ainda a graça, e Deus só a concederá aquele que se humilha. Os grandes santos foram todos humildes. O lugar deles na história está em relação com a sua humildade. Basta ler a vida de São Vicente de Paulo para se convencer disto.
d) A humildade é uma fonte de força
Quando uma alma está bem vazia de si mesma, Deus a enche com seu poder. É esta a explicação da força dos santos. Eles consentiram em não ser nada, e por isso Aquele que é tudo veio a eles, operou maravilhas.
Deus só se quer servir de instrumentos bem humildes, bem maleáveis, pequenos e fracos, a fim de que a sua glória, a d’Ele, resplandeça.
Vede Santa Genoveva ou Santa Joana d’Arc; vede, mais perto e vós, Santa Teresa do Menino Jesus! Vede Santa Bernadette, a venerável Catarina Labouré e tantas outras que a piedade venera! Que exemplos frisantes de pequenas almas bem humildes, bem simples, com as quais Deus fez grandes coisas!
No ofício da SS. Virgem, a liturgia põe nos lábios de Maria estas graciosas palavras: “Porque eu era pequenina, agradei ao Altíssimo”. Se quiserdes agradar a Deus, sede humilde, fazei-vos também pequenina diante d’Ele. Não podemos esquecer a advertência de Jesus:
“Se não fordes semelhantes a uma criancinha, não entrareis no Reino dos Céus.”
e) O vosso ser
Misto de grandeza e de baixeza, de força e de fraqueza, de predicados e de defeitos. Não tenho nada de meu, que me pertença como próprio: meu espírito, meu corpo, minha alma, minhas qualidades, tudo recebi de Deus.
Nosso Senhor dizia um dia a uma santa:
“Eu sou Aquele que sou; e tu és aquela que não é!”
Há cem anos, onde estáveis? Daqui a cem anos, onde estareis? Quem então ainda pensará em vós? Tereis passado como uma sombra, como a nau que fende as ondas e de que, em breve, não mais se vê o rastro.
Vosso corpo? “lama coberta de neve”, diz um santo! Três dias após a sua morte, ele se torna o pasto dos vermes, um objeto de abjeção que se deve, bem depressa, confiar à terra.
Vossa alma? Criada à imagem de Deus, ela é bela por natureza; mas o pecado original privou-a das as suas magníficas prerrogativas.
Sem dúvida o Batismo lhe trouxe os esplendores da graça divina, mas, depois que fizestes desse dom tão precioso? Rainha exilada, vossa alma não tem caído às vezes na triste condição de uma escrava?
Vosso coração? … O que fazeis dele? A que o dais? Que lugar nele ocupa Deus?…
Vossa consciência? Ah! Se ela pudesse falar! Tão jovem e, quiçá, já tão culpada!
José de Maistre dizia: “Não sei o que pode ser a consciência de um celerado, mas é medonha a de um homem honesto!” dir-se-ia que, descoberta pela visão da simples tendência que nos leva ao mal, ele se recusasse a lhe considerar a realidade numa alma culpada.
f) Vossos pecados
Quanto aos vossos pecados passados, conheceis-lhes o número? A gravidade? Se o vosso anjo vos pusesse sob os olhos o “livro das vossas confissões”, não teríeis de corar? E, quanto ao futuro, podeis responder por vós? “Não há pecado cometido por um homem que não possa ser cometido por outro, se a mão que fez o homem não estiver lá para preservá-lo!” Este pensamento de Santo Agostinho tem com que fazer curvar as cabeças mais altaneiras.
g) Exemplo de um Deus que se humilha
Ó alma orgulhosa, deixa, de uma vez, de lado todas as frioleiras da tua vaidade e da tua pretensa grandeza! Ou, antes, não! faze-te bela, grande, soberba, orna-te, enfeita-te de todas as qualidades morais e físicas, faze-te tão orgulhosa e vaidosa quanto o és em certas horas, e olha!
Olha essa criancinha que chora em cima de um molho de palha, numa manjedoura de animais, no meio de um estábulo. Essa criança é Deus, o único Deus verdadeiro! Olha e lembra-te!
Vê esse jovem que trabalha na modesta oficina de um carpinteiro de aldeia, que cepilha pranchas, que conserta charruas e outros instrumentos de lavoura. Esse jovem é Deus! Olha e lembra-te!
Considera esse homem rodeado de alguns discípulos, perto de uma mesa; Ele cingiu os rins e, de joelhos ante um deles, lava-lhe os pés. Este, um horrível traidor, é Judas, e aquele que Lhe lava os pés é Jesus. Olha é lembra-te!
Contempla esse condenado de quem mofam, a quem insultam, a quem flagelam. Escarram-Lhe no rosto, enfiam-Lhe espinhos na cabeça, conduzem-no de tribunal em tribunal, condenam-nO à morte; cravam-nO, enfim, numa Cruz, como um escravo, como um salteador, como um ladrão! Esse que assim morre é Deus! É o autor da vida e a própria inocência! Olha e lembra-te!
Vem ainda a esta igrejinha, avança até o altar, fita o tabernáculo, olha para esse cibório e vê essa hostiazinha. Jesus está lá. Abaixa-Se, oculta-Se, vela-Se, aniquila-Se sob as aparências de uma partícula de pão!… Olha e lembra-te!
Sim, essa criança, esse jovem, esse homem, esse crucificado, esse prisioneiro da hóstia, é Jesus, é o teu Deus! Deus se humilha, e tu te exaltas. Ele faz tudo o que pode para não parecer o que é; tu fazes tudo o que podes para pareceres o que não és!
3º – Meios de se tornar humilde
a) Antes de tudo, deveis convercer-vos bem de que o orgulho perde as almas e a humildade as salva. De vez em quando é preciso meditar neste assunto tão grave. Nós não decidimos eficazmente a nossa vontade senão depois de termos conseguido dar-nos convicções fortes.
b) Nunca faleis de vós, nem bem, nem mal. Bem, é fatuidade; mal, às vezes é um artifício para atrair elogios.
c) Não ligueis importância aos juízos humanos; nada é mais falsos, mais vazio, mais vão, mais mutável! A multidão gritava ” hosana!” no dia de Ramos, e cinco dias depois o ” Crucificai-o! ” é que se fazia ouvir.
d) Se vos suceder uma humilhação merecida, humilhai-vos sem pejo. É sempre belo e grande reconhecer os próprios erros. Se ela for imerecida, pensai em Jesus que se calava quando seus inimigos o acusavam falsamente.
e) Pela manhã, refleti nas ocasiões que podereis praticar a humildade, e não passeis um só dia sem produzir ao menos um ato dela, interior ou exterior, mormente exterior. Aí, como em tudo, só pela multiplicação dos atos é que chegareis a um resultado.
f) Tomai como virtude favorita a humildade. Se preciso, reduzi a ela as vossas outras resoluções, e pedi-a a Deus até importuná-lO.
g) No vosso vestir, sede simples e modesta. Lícito vos é andar bem preparada, com certa elegância mesmo, se o quiserdes, isso é da vossa idade. Mas não ostenteis enfeites extravagantes, e nunca mereçais esta maliciosa apóstrofe atraída um dia por uma mulher “coquete”:
“Oh! habitante de um grande vestido, como sois pequena na realidade!”.
h) Ponde-vos ao pé de Deus Nosso Senhor, como uma criança pequenina, ou mesmo como um mendigozinho que pede, que ama e que espera. Este não ignora que nada lhe é devido, mas sabe que seu pai lá está e lhe dará tudo de que ele precisar.
i) Dizei muitas vezes, como Maria: “eis aqui a escrava do Senhor“, e fazei tudo o que Ele vos pedir! Que grandeza, apesar da vossa pequenez, o serdes escrava de um Deus!
j) Orai! Orai! Só Deus pode ajudar-vos a adquirir essa virtude que tanto repugna à nossa natureza. Tende a miúdo nos lábios esta bela oração jaculatória: “Jesus, manso e humilde de coração, fazei o meu coração semelhante ao Vosso.”
Alimentai em vós o desejo ardente, a paizão de vos tornardes humilde! Não vos contenteis com a convicção ou mesmo com a aceitação alegre da vossa própria baixeza! aproveitai todas as ocasiões para fazer uma sincera confissão dela.
Não faltam almas que são humildes na solidão, no seu genuflexório; elas reconhecem o seu nada, a sua baixeza! Estão convictas desta! Mas ai daquele que compartilhasse ostensivamente a convicção delas! … É séria humidade? é profunda?
E, quando a luta for dura, meditai esta palavra que Nosso Senhor disse a uma santa:
“Minha filha, no inferno há muitas virgens, mas não há uma só alma humilde!”
A Formação da Donzela, Pe. J. Baeteman