OS DIREITOS E AS OBRIGAÇÕES
Os defensores dos “direitos humanos” entendem, por estas palavras, dois tipos de valores que buscam defender: ora a expressão se refere a problemas de alegadas “torturas” em prisioneiros que eles chamam “políticos” — e nesse caso trata-se de uma campanha que só começou a existir no mundo a partir da derrubada de governos esquerdistas na América Latina — ora dos que se arvoram em defensores dos “direitos humanos” se referem a requisitos “democráticos” da organização social, requisitos esses nascidos das concepções iluministas do século XVIII e que misturam atributos de ordem natural com pretensos direitos de uma lógica materialista presente no humanismo desde a Renascença.
É curioso notar que as grandes ordenações jurídicas do passado da humanidade, desde o Código de Hamurabi, as leis gregas e até as codificações do Direito Romano, sempre se exprimiram antes em termos de mandamentos, proibições ou obrigações quando regulavam a vida dos homens em sociedade; raramente falavam em direitos. Mais nítida ainda se vê que esta é a maneira adequada de encarar a lei ou regra de convivência social, nos mandamentos da lei de Deus, revelada aos antigos hebreus e confirmada nos Evangelhos. Em termos de lei natural, tratadistas católicos modernos, que não puderem furtar-se a influências nefastas do neo-paganismo de nossos dias, costumam conceder que a “pessoa humana”, como eles dizem, tem o direito à vida, aos meios de subsistência condigna etc., maneira de falar que soaria curiosa e estranha a qualquer pensador católico antes do final do século XIV, os quais diriam antes que viver é um atributo da natureza humana, comum aos outros seres vivos e que no caso especial do homem esse atributo, por causa da ordem estabelecida por Deus deve ser obrigatoriamente respeitado, salvo quando em certas situações o dever de respeitar a vida própria impõe a eliminação da vida de um agressor injusto, por exemplo. Também diriam os antigos pensadores católicos que o homem tem por imperativo de sua natureza, o instinto, comum ao dos animais, de procurar sua subsistência e que necessita de um patrimônio que o ajude nisso, cabendo aos demais respeitarem essa necessidade e esse patrimônio mas não formulariam tal atributo ou tal imperativo em termos de um “direito” no sentido que a expressão ganhou, direito que, como perguntou com razão o Prof. Gudin, não se sabe em que guichê ou repartição poderia ser objeto de cobrança individual.
Há, em torno dessas concepções “humanísticas” que começaram no século XVI, uma gradual mudança de acento tônico nos termos dessa relação social que é a norma da lei. Onde a ênfase natural dos antigos recaia sobre o termo “ligado” pela lei, isto é, aquele sobre quem a lei impera, de quem se quer um determinado comportamento em conformidade com determinada ordem, as concepções que se foram estabelecendo a partir da revolução humanística passaram a emprestar maior atenção e seu principal acento ao outro termo, o termo, digamos beneficiário daquelas obrigações, isto é, os que simplesmente deveriam receber os efeitos da boa ordenação social. Estes passam a ser objeto principal da ênfase e, assim passam a ser titulares de “direitos”. Onde antes imperava a noção de norma, de ordenação, de lei, passará gradualmente a imperar a idéia de reivindicação, de insurreição sob o pretexto de direitos desatendidos, de rebeldia. Não é de espantar que, em conseqüência, os homens se tenham tornado “ingovernáveis” como disse profeticamente, em meados do século passado, o grande pensador espanhol Donoso Cortês.
Toda uma filosofia de vida e um ideal último de felicidade se relacionam com esse problema. De um lado os que hierarquizam devidamente os valores e os fins poderão sofrer injustiças ou pleitear nos tribunais o cumprimento de obrigações por parte de terceiros que, sendo faltosos, prejudicam os reclamantes mas o farão ou deixarão de fazer, conformemente à boa hierarquia de valores e dos fins. Em palavras mais claras: os que vivem para um fim espiritual saberão que podem sofrer desfalques materiais sem grandes comoções ou pleitearão o cumprimento de normas sociais com adequado desprendimento. Os que, por outro lado, agem ou falam como se a vida dos homens se devesse resolver apenas aqui na terra — (e, evidentemente, os bens materiais passam então a desempenhar para eles um papel preponderante) — reivindicarão seus “direitos” com crescente veemência.
A análise exaustiva do processo de paganização das mentalidades em nosso tempo e das concepções que vieram a compor o espetáculo que temos hoje diante dos olhos, é tarefa gigantesca que excede as possibilidades do orador. Assinalemos, apenas, em face do exposto, a diferença fundamental de atitude espiritual entre os que preferem viver em termos de obrigações a cumprir ainda quando pleiteiem alguma coisa nos tribunais, e, de outro lado, os que querem acentuar seu apreço por um universo reivindicador de “direitos”, ainda que aleguem a dispensa pessoal de tais ou quais direitos próprios.
A insurreição que se foi formando ao longo do século XVIII, pela ação eficaz das sociedades secretas, pondo em prática as idéias disseminadas por renomados “intelectuais”, foi, como se sabe, uma reação contra os chamados “privilégios”. Devemos notar que a ação dos “intelectuais” dos séculos XVI, XVII e XVIII, os piores e principais agentes da revolução subversiva que se reativou no mundo moderno, conquistou primeiro, como seria de esperar, as classes superiores da sociedade. Como bem mostra o historiador francês L. Cristiani, as primeiras veleidades intelectuais do humanismo renascentista — a fruição estética da arte grega e romana — conquistou os Papas que, durante cerca de 100 anos foram homens mundanos, protetores de artistas e “intelectuais” e parecem não ter percebido o que se escondia debaixo daquele súbito, estranho e, na verdade pouco inteligente interesse copiativo pela arte dos clássicos na antiguidade. A ação dos “intelectuais” porém ambicionava mais do que a simples proteção (e custeio) por parte de Papas. Conscientemente ou não, os “intelectuais” começam a querer influir nos reis, tanto atingindo-os pela vaidade “intelectual” quanto pelo temor, através da disseminação de idéias (como já Erasmo fazia) que alegam direitos dos “povos” contra as pretensões dos reis com suas guerras, suas ambições dinásticas, etc. a concepção do chamado “direito divino dos reis” — que não foi jamais um conceito medieval mas dos reis dos séculos XVII e XVIII — representa uma atitude dos reis que se apropriaram, em seu próprio benefício, daquelas idéias, tal como farão mais tarde os burgueses roubando aos revolucionários iluministas os frutos da Revolução Francesa. Temos os reis do século XVIII no extremo oposto da noção de realeza dos reis católicos medievais. Quer na leitura da vida de São Luís, rei de França, quer na do rei católico inglês Alfredo, que lhe é anterior, quer na dos outros reis dessa época quando os europeus conheceram os melhores governos que já tiveram e também a felicidade relativa dos povos, podemos ler expressões como esta: “Para ele, o rei Alfredo, reinar era um encargo que lhe fora cometido por Deus”. A origem da autoridade real residia, com acerto, em Deus e por isso mesmo sabiam eles, sabiam todos, a Deus cumpria ao rei prestar contas. Essas contas, já se podia ler no Livro da Sabedoria, VI. 6, são tomadas dos que governam, “com extremo rigor”. Enquanto que para os reis do século XVIII, a idéia do “direito divino dos reis” é uma idéia de fruição absolutista, isto é, uma idéia semelhante àquela que dos direitos em geral se iam formando naqueles que acabariam por cortar-lhes as cabeças.
A grande historiadora francesa Marie Madeleine Martin, no seu livro “Le Latin Immortel” — Difusion de la Pensée Française, 1971, mostra muito bem como até mesmo os que se organizaram para combater a influência do protestantismo, por exemplo, os jesuítas (cujo método de trabalho consistiu inteligentemente em preparar, durante 20 anos, os filhos dos reis e nobres para evitar que fossem infeccionados pela rebeldia de Lutero, procurando assim influir na sociedade inteira pela melhor preparação dos seus dirigentes) mesmo eles, por não terem percebido e não se terem guardado do veneno disfarçadamente presente no “humanismo” renascentista, tornaram-se portadores, veículos simultâneos tanto de uma formação religiosa católica com suas práticas e formulações verbais, como de uma formação “intelectual” e estética em que a vaidade literária, a pretensão de falar grego e latim com o purismo de Cícero, as disputas artísticas que representavam uma homenagem e um reforço para aqueles que levantavam bandeiras de rebelião, contribuíam, como diz ela, cada vez mais para que os alunos achassem sem relação com a vida diária, sem relação com o quadro de valores que também o mundo em volta adotava, sem conexões vitais com aquilo que parecia digno de admiração toda aquela soma de preces e ritos puramente verbais, cada vez menos dotados de sentido.
Com razão disse, portanto, um escritor francês, Hugues Kéraly, que as idéias dos reis decapitados pela Revolução não estavam muito longe das idéias daqueles que os matavam. Com efeito, ao longo do século XVIII os “intelectuais” enciclopedistas e mais tarde Rousseau, repetindo o que começaram a dizer Locke e Hobbes, estabelecem a premissa (indemonstrada e discutível) de que os homens nascem “livres e iguais”. Logo, por que haverá “direitos divinos” só para os reis ou “privilégios” para os nobres? Na verdade, aqueles que foram então derrubados haviam corrompido a verdadeira noção dos privilégios, transformando-os de instrumentos necessários para o desempenho de um encargo social, em objeto de fruição.
“LIBERDADES”, ANTES E DEPOIS
Ora, enquanto nessa guerra de “intelectuais” contra “reis e nobres” existe, no fundo, uma disputa pelo poder, suas conseqüências irão afetar de modo insuspeitado o “povo”, o homem comum, aquele que os “intelectuais” usaram como instrumento de combate e como pretexto para as conotações morais com que pretenderam ornar sua rebelião.
No regime da Idade Média o povo vivia com uma liberdade ignorada e até inconcebível nos nossos dias. Em um livrinho muito instrutivo e particularmente comovente, “Creation de La France”, ed. Itineraires, 1971, Henri Charlier mostra como os homens antigos organizaram-se livremente e segundo as peculiaridades de seus ofícios, em corporações dotadas de “privilégios” isto é, uma vez aprovados seus estatutos pelo Rei, tinham elas a proteção real contra os abusos dos nobres ou terceiros quaisquer. Essas organizações estabeleciam comunidades de trabalho que incluíam patrões e empregados, que assistiam aos profissionais em suas doenças e em sua morte, que protegiam até os consumidores dos abusos quanto a preços e quanto à má qualidade dos produtos. Elas foram expressamente, deliberadamente eliminadas pela Revolução Francesa. As organizações das cidades que administravam os burgos e também detinham privilégios que eram instrumentos de proteção contra os poderosos, foram igualmente destruídas. Os privilégios das organizações eclesiásticas, abrigo e caminho para tantas vidas, os privilégios de centros de estudo como as grandes universidades onde o ambiente propício à ponderação era assim defendido (a esse aspecto voltaremos mais adiante) foram igualmente destruídos. A organização familiar, regida até então quase exclusivamente pelas normas do sacramento e pelas regras da moral católica, passou a ser, também ela, objeto da intromissão de um novo gestor. Em suma, em todos os campos, o homem comum foi despojado de sua livre organização e da proteção contra abusos de poderosos e se viu submetido a uma noção diferente de “liberdade”, jogado às procelas de um universo em que os homens “livres” começavam a disputar os melhores lugares e melhores quinhões. Como disse bem Charlier, os homens ficaram tão “livres” que puderam livremente negociar seu trabalho, mesmo aos domingos, mesmo sem limites de horas e até entregar seus filhos para o trabalho nas minas nas condições que serão objeto dos famosos inquéritos na Inglaterra.
A compreensão do ponto a que a “liberdade” democrática levou a humanidade nos albores da Revolução Industrial; a visão dos primeiros núcleos de miseráveis que nada mais eram do que homens do campo, de saudáveis bochechas rosadas que deixavam suas terras em busca de riquezas fáceis nas industrias nascentes e que, frustrados, deixavam-se ficar nas cidades, em condições cada vez piores, tudo isso começou a inspirar os primeiros movimentos corretivos. Os socialistas (chamados “utópicos” por Karl Marx) nada mais são do que liberais com dor na sua consciência e que, destituídos de uma adequada filosofia política, querem impor limites à liberdade, estabelecer regulamentos, atender a “direitos” dos que acabaram vítimas da grande competição de ganâncias em que os mais fracos, ainda sem certas experiências históricas que hoje temos, ficaram com a parte pior. Naturalmente, os limites, as regulações que procuram, irão os socialistas pedi-la ao Estado leigo, obra-prima da Revolução Francesa, montagem de um esquema que coroava o trabalho de sapa e de invenção das sociedades secretas do século das luzes.
O MELHOR GOVERNO É O GOVERNO DOS MELHORES
Por que motivo terá a Revolução que se fortaleceu nesse século XVIII e eclodiu no seu final, optado pela forma democrática de organização social? Por que ir à Grécia buscar o regime e a Roma pedir o direito pagão para modelo do direito napoleônico? Não se trata de mero acaso mas de aspectos sensoriais de um mesmo espírito. Assim como a explosão que produziu o chamado Renascimento usou o pretexto das artes clássicas greco-romanas na escultura, na pintura, na poesia para repelir o Cristianismo e foi buscar no renascimento do interesse por um grego clássico e um latim purista motivos novos de desdém pela Idade Média católica, assim também o “novo” espírito moderno vai repelir a sociedade formada com certa espontaneidade regida e civilizada pelo cristianismo-católico que purgou os vícios e abusos de Roma de costumes debochados. Em seu lugar propõe-se, coerentemente, formas greco-romanas de organização social, além do que, como vimos, arvorada a bandeira dos “homens livres e iguais”, é também coerente preferir uma organização social dita democrática.
Mas, em diversos aspectos essa “democracia” que se iniciava, a organização do Estado Liberal que começou oscilando entre a anarquia e o terror, desde o princípio mostrou características fundamentais essencialmente diferentes da democracia grega. Na verdade, desde o início, a democracia denunciava, para quem queria ver, que era e é uma impostura; que era e é imoral e irresponsável.
Os gregos tinham plena consciência (em Aristóteles, por exemplo, se encontrará expressamente a idéia na sua “Política”, “Restrições à idéia de Democracia”) de que o melhor governo é o governo dos melhores. A participação popular que Péricles, orgulhosamente proclama em seu discurso ao estrangeiro, na verdade compreendia um patriciado. Não que se exigisse, na prática do governo grego, que os homens capazes de decidir passassem por exames em sua virtude mas tinha-se consciência de que era aos homens virtuosos que se deveria pedir orientação em matéria de governo. Além disso sabia-se que a direção do país deveria caber a quem tivesse algo a perder, isto é, a quem tivesse propriedades e rendas, não irresponsavelmente entregue a quem não tem porque zelar pelo bem comum. O breve esplendor da cândida democracia grega, que tão fortemente iludiu os melhores pensadores da antiguidade por falta do discernimento que o cristianismo lhes daria e por falta de uma experiência histórica trágica que hoje temos, durou apenas cerca de 100 anos, logo apagada pela desmoralização trazida pelos demagogos e pela corrupção trazida pelos aproveitadores.
Melhor ainda do que na Grécia, com mais acerto e discernimento, os grandes pensadores católicos fixaram claramente a vinculação profunda necessária entre a participação dos homens comuns, de algum modo, na direção dos negócios públicos — participação conveniente, como diz São Tomás, que citamos em “A procura do melhor governo”, para que os povos estimem sua constituição e a defendam. Não só virtudes, é necessária também a sabedoria para aqueles que exercem essa participação elegendo pelo menos alguns dos dirigentes, “chefes do povo”, ou, conforme a linguagem de cada autor, magistrados ou dirigentes mais em contato com os dirigidos. Citamos um texto muito expressivo de Santo Agostinho colhido também na Suma Teológico e que é o seguinte:
“Se um povo é sério e prudente (moderatus), zeloso pelo interesse público, é justo que se faça uma lei que permita a este povo dar a si mesmo os magistrados que administrarão a república. Entretanto se, tornado pouco a pouco depravado, este povo torne venal seu sufrágio e confie o governo a celerados e infames, é justo que se lhe retire a faculdade de conferir os encargos públicos e se volte ao sistema de sufrágio limitado a algumas pessoas idôneas.” Tratado do Livre-Arbítrio — Livro 1° — Capítulo VI.
Este texto digno de meditação que impressionou também ao próprio São Tomás deveria ter sido o fundamento filosófico da atitude dos soldados brasileiros que assumiram a direção do país, graças a Deus, em 1964. Este texto, a meu ver, justifica que a mantenham até agora e ainda por muitos anos, embora eu tema que o exercício do poder possa corrompe-los e embora distinga entre defender, por exemplo, o AI-5 que defendo, e defender este ou aquele governante ou esta ou aquela medida em que, muitas vezes, são com justiça criticados.
Enquanto na Grécia e na Idade Média Cristã a participação dos homens comuns na vida política vinculava-se, de algum modo, a critérios de moral e de sabedoria, os falsos postulados que ensejaram a Revolução Francesa irão gerar conceitos distanciados de quaisquer regulação moral. “Os homens nascem livres e iguais”, “o bom selvagem é corrompido pela sociedade que encontra ao nascer e que deve ser substituída pela Vontade Geral nascida do Pacto Social” tudo isso encerra a idéia de que os homens, sendo iguais, têm igual direito de participação nas decisões de governo. Tudo isso gera uma idéia de democracia para todos onde deixa de ter lugar qualquer cuidado com as virtudes ou a sabedoria de quem decide. Quando muito exige-se simplesmente que os governantes não sejam batedores de carteiras. Quanto à sabedoria, essa, há muito que deixou de ter qualquer sentido para os apreciadores da erudição, da ciência e da enciclopédia.
MORALISTAS SEM MORAL
Não é preciso muita cultura, muitas citações para demonstrar que a idéia que os defensores da democracia fazem do seu valor prende-se não ao fato de que a democracia faz os homens espiritualmente melhores ou é, ela mesma, obra dos melhores homens. O que os liberais apreciam é o que eles próprios denominam de “jogo democrático” isto é, o funcionamento da engrenagem que eles próprios montaram e da qual afirmam derivar para os homens benefícios temporais vários. Aqui mesmo ouvimos, não faz muitos meses uma interessante e significativa palestra de um dos nossos mais eminentes conselheiros que acompanhei com muita atenção, justamente procurando ver onde encontraria os sinais de qualquer intervenção das regras da moral como condicionamento indispensável ao bom funcionamento do sistema. Não. O que Sua Excelência (como aliás todo os liberais fazem) descreveu com entusiasmo foi a beleza de uma festa cívica, o congraçamento da população, o voto, a cerimônia de votar e até a proteção dos fuzis ensarilhados que irmana militares civis. É realmente assim que a democracia entusiasma seus seguidores. Não é aliás de admirar. A Democracia moderna, como vimos nas palestras anteriores citadas, é a autora do Estado Leigo Civil, isto é, da concepção outrora chamada “racional” que acha que a atividade política é uma coisa séria demais para, como diziam seus pensadores, ser submetida a conceitos de moral ou religião que relegam para o chamado “foro íntimo” das pessoas que vão à Missa aos domingos. Mas, curiosamente, a democracia sendo algo à margem da moral tem, não obstante, atitude moralista. Os democratas olham severamente e com censura no olhar a quem não lhes segue o padrão. Chamam ditadura ou totalitarismo (confundindo os dois conceitos que são bastante diferentes) a todo sistema que não os segue.
Se procurarmos essa curiosa faceta dos liberais, se procurarmos fazer, digamos, a psicanálise da mentalidade liberal, mesmo sem chegar à suspeita de seu desdém e de sua recusa pela ordem estabelecida por Deus, encontramos duas idéias ou antes duas atitudes básicas que constituem, a meu ver, o núcleo fundamental da mentalidade liberal que resiste a todas as evidências e recusa todas as criticas, mesmo quando irrespondíveis.
A POLÍTICA “RACIONAL” COM SUA FEITIÇARIA
A primeira dessas atitudes básicas é a que confia e valoriza como moral ou moralmente boa a participação de todos na direção do país. O fato de ser uma gestão de todos, isto é, dos homens que nascem livres e iguais, é que parece ser para o liberal uma vantagem, uma dignidade, um valor. A crítica que acabamos de fazer, apontando a circunstância de que justamente essa atitude desvincula a participação na direção da vida pública de qualquer exigência de virtudes morais e de senso de responsabilidade, não chega a comover os liberais porque, em primeiro lugar, a Revolução Liberal nasceu de uma corrente espiritual que no fundo é atéia, cozinhada nas entranhas das organizações secretas do século XVIII e que até hoje, na maçonaria por exemplo, ou é francamente atéia, ou, no ramo originariamente escocês, é deísta, mas de um deísmo tão flagrantemente fabricado por eles mesmos e de tão ostensivo mau gosto que custa a crer que ainda haja quem nele veja algo realmente religioso. Assim aos liberais, no fundo, pouco se lhes dá que a democracia não seja moral. Chama-la-ão “racional”, “cientifica” ou até “técnica” conforme o século seja XVIII, o XIX ou o XX. Também a acusação de irresponsabilidade e de tendência para a anarquia, não atinge muito profundamente o liberal porque, como todo ateu, ele acaba acreditando em forças mágicas e em propriedades transcendentais daquilo que fabricou. Assim inventa, para se defender das evidências da experiência histórica de anarquias, desordens e corrupção, uma série de frases como “o povo acerta elegendo errado” ou “no fim dá certo” ou, como diziam os membros do Partido Libertador, que o exercício do jogo democrático é educativo e politizador e acaba por produzir homens melhores na direção do país (mesmo partindo, como se procurou mostrar no trabalho anterior, da ação dos homens piores) o que não deixa de ter algo semelhante à candura dos gregos. Mas, além dessa, digamos, fé ou atitude de uma espécie de religiosidade que espera o melhor do pior, há ainda para socorrer e reforçar essa primeira atitude básica que faz do democrata um moralista sem moral, o sentimento que ele tem, em certos momentos de que quer “para todos”, para “os outros” uma participação no poder. Disse “em certos momentos” porque nesses, o democrata não se lembra dos sinais que traem o fundo de cupidez pelo poder por parte dos que, realmente, “dirigem o processo”, com estamos procurando mostrar.
A segunda atitude básica, procuremos exprimi-la tal como a vemos. As bandeiras levantadas pelas correntes que produziram a Revolução Francesa tinham, como se sabe e já mencionamos, o elemento fundamental que gerou a sua obra moderna, a democracia. Este elemento fundamental chama-se a Liberdade ou melhor, “as liberdades”, a base e fundamento dos “direitos do homem” proclamados pela Revolução vitoriosa.
Em diversos trabalhos anteriores, não só aqueles antes referidos que aqui apresentamos em 1976, mas em outros publicados na revista PERMANÊNCIA, especialmente um chamado “Os donos de jornais e a liberdade deles” (PERMANÊNCIA n° 62) procuramos mostrar que as liberdades ou são falsas liberdades de que só alguns dos neo-privilegiados gozam ou são liberdades que os homens sempre tiveram no regime feudal, como, por exemplo, escolher sua profissão ou sua mulher. Mas, dentre as liberdades do mundo liberal fabricado pelo Iluminismo do século XVIII, é principalmente a “livre discussão”, a “livre associação”, a “livre expressão do pensamento” que, segundo os liberais asseguram ao “povo” ser o gestor dos negócios públicos mediante a livre eleição de representantes ou, como dizem eles: o povo é a fonte e a origem do poder e da soberania que passam aos governantes pelo voto.
No entanto além de ser evidente que apenas alguns têm como exprimir seu pensamento e esses são muito poucos — no mundo ocidental são os que dispõem de veículos de difusão de idéias e aqueles seus amigos e “intelectuais” que apreciam, pode-se também mostrar que o mundo em que vivemos, num país dito democrático, é um paraíso de inculcação de idéias através de monstruosos mecanismos gigantescos que, ostensiva ou secretamente, melhor dizendo, ostensiva e secretamente, promovem, fabricam não só aquilo que se costuma chamar de “opinião pública” como vão mais longe, fixando o temário ao qual somos obrigados a dar atenção e mais o relevo desse ou daquele tema e ainda uma escala de prioridades e de valor para eles. Só esse temário é que tem como que existência real, tudo o mais ficando esbatido numa espécie de condição fantasmagórica, sem existência e sobretudo sem nenhuma importância.
A FABRICAÇÃO DA “OPINIÃO PÚBLICA”
Se considerarmos, para começar, o processo democrático, tudo aquilo que se costuma chamar de “jogo” democrático, é indiscutível que o papel principal dos partidos políticos é uma função ostensiva de inculcação. Isso, aliás, não é negado. Opera-se, no campo das idéias, em um regime “democrático”, coisa semelhante ao que se veio processando no correspondente sistema econômico que se costuma chamar de capitalismo. A característica fundamental do capitalismo não é propriamente o papel desempenhado pelo capital (fator sempre presente, como elemento naturalmente participante da produção, em qualquer sistema) mas, de um lado, o papel desempenhado pelo capitalista — separado dos demais participantes da obra da produção pelo desaparecimento das corporações que uniam patrões e empregados em uma só comunidade regida pelas normas da profissão — e, de outro lado e sobretudo, o papel desempenhado pela inculcação de falsas necessidades, que deu origem àquilo que hoje se denomina economia de mercado para grandes massas de consumidores, ou o que se chama sociedade de consumo. Assim como, pela propaganda ostensiva, se procura inculcar estranhas necessidades em homens que puderam, durante séculos, viver felizes em um regime frugal (puderam até viver felizes em um regime próspero mas não o podem em um regime “desenvolvido”) assim também a inculcação ostensiva de idéias se faz pela propaganda ostensiva dos partidos políticos. Acontece porém que o universo de inculcações não se limita às inculcações ostensivas e nem só de ostensivas organizações vive o mundo democrático. Além dos organismos ostensivos e confessadamente votados à inculcação, temos os organismos semi-secretos: os donos de jornais e/ou eventual cartel de donos de jornais (como aconteceu no processo Watergate); centrais sindicais; centros universitários ou organizações pseudo-cientificas ou pseudo-intelectuais; centros de organização de universitários como os diretórios e agora, ultimamente, para nosso estupor, para nossa infinita vergonha e inacostumado sofrimento, organizações de eclesiásticos como a CNBB. Esses organismos semi-secretamente votados a uma obra de inculcação, utilizam pretextos vários e semi-encobertos: por exemplo, o dever de orientar sindicalizados ou de apresentar reclamos ditos científicos ou de representar “jovens” nas suas “aspirações” ou de exercer o papel que cabe à Igreja intervindo também no campo temporal. Esses mesmos organismos fazem então um tipo semi-escondido de inculcação que já não é mais franca (e menos eficaz) propaganda direta e ostensiva. Agora as idéias ou sistemas ou atitudes fundamentais procura-se que sejam inculcadas através do exemplo de personalidades respeitadas por esse ou aquele motivo, que se pronunciam a favor de tais ou quais direções, emprestando-lhes o prestígio que têm assim como, no campo da promoção de vendas de automóveis ou dentifrícios se utilizam de pernas nuas de mulheres bonitas para associar o que se quer inculcar ao que se considera digno de admiração ou apreço. É por isso que os organismos que querem induzir uma população em determinada direção, digamos por exemplo, os comunistas, sabem que lhes convém utilizar em países sul-americanos personalidades como Dom Helder que, quando não apenas fala mas empenha-se em uma campanha, está associando sua condição de arcebispo da Igreja Católica com o socialismo que acaba de pregar no discurso de paraninfo que fez a uma turma de alunos menores de idade da Escola Americana no Rio de Janeiro mercê da fraqueza intelectual dos diretores daquela escola que se deixaram paralisar como crianças pela política do fato consumado posta em prática pelas artimanhas de uma aluna precocemente esperta, filha de um deputado. Também os donos de jornais ou aqueles que eles admitem em seus instrumentos de divulgação — de inculcação — de idéias, injetam todo um conjunto de valores preceptivamente passados de modo semi-secreto, por exemplo, pela recusa à existência decretada como pena para certos temas ou pelo relevo que determinam para outros. Assim, quando, com ar de quem divulga um fato da maior e mais terrificante importância, os jornais infiltrados punham na primeira página, como principal manchete, como faziam em 1962, “A UNE está reunida”, contagiaram com isso toda uma população que ficava inconscientemente intimidada diante de tão poderosa e temível “entidade máxima”. Isso é o que, realmente e felizmente, a censura estabelecida pelos dirigentes do levante militar que nos salvou em 1964 coibiu, passando a obrigar os jornais a indicar no lugar que lhe compete, isto é, em duas ou três linhas minúsculas na página interna de eventos criminais, o fato por exemplo, de terem sido mortos ao resistirem à prisão, tais ou quais terroristas assassinos comunistas ao invés de fazer deles heróis, pelo relevo dado ao assunto, pelas fotografias na primeira página, pelos comentários de personalidades importantes a respeito, etc.
Mas a inculcação no mundo democrático — o mundo do livre pensamento com que o “povo” governa — não pára aí e nem é isso que até aqui vimos o que há de pior na matéria. Além dos organismos ostensivos e dos semi-secretos, há a ação das organizações secretas que existem desde o século XVIII e continuam a existir. Não só a maçonaria e seus competidores, como o IDOC (recomendo a leitura impressionante da denúncia dessa organização internacional no n°4 da revista “Hora Presente” de São Paulo), mas também os cartéis de financistas e banqueiros, as organizações esquerdistas secretas e mais o papel desempenhado por “intelectuais” ou personalidades secretamente participantes de tais organizações. Aqui, agora, a forma secreta de inculcação que promovem se chama, hoje, “sub-liminar”. Por mais que nos horrorize, isto está em pleno uso tanto para a venda de mercadorias (como sabem os técnicos em publicidade) como para a inculcação de idéias, apesar de que todos reconhecem (inclusive os democratas) que esta forma de inculcação é inadmissível. No campo das idéias ou melhor dizendo das inclinações induzidas que levam, eventualmente ou oportunamente, a ações concretas em certas condições, o processo de inculcação se faz com requintes de esperteza e recursos especiais que levam o observador desapaixonado a suspeitar que não apenas habilidades humanas estão aí em ação. O sistema que melhor se pode descrever (pois há alguns que se pode como que adivinhar mas não se prestam facilmente a uma descrição) é o que utiliza, para a inculcação subliminar, aquilo que o filósofo espanhol Julian Marias chamou, em outro contexto, o “consabido”, isto é, um planisfério de coisas, nomes, fatos, idéias, personalidades, eventos que todos conhecem, de que os jornais falam todos os dias, que estão presentes nos filmes, nas cens de televisão, nas músicas dos “jovens” etc. Em um dado ambiente e através de uma técnica que inclui toda uma trama de organizações e atividades articuladas, certas palavras ou atitudes ficam como que “imantadas”, positiva ou negativamente; certos modelos de comportamento ficam como que “pichados”; certos termos ficam carregados de conotações que todos, em um determinado meio, conhecem e avaliam no mesmo modo. A pressão que esta forma de inculcação exerce sobre os indivíduos é quase irresistível para a maioria. Assim, por exemplo, “fascista” ou “reacionário”, paralisa os moços; “progressista” ou “realista” empurra-os em outra direção. Assim a palavra “diálogo”, que deixou de significar uma conversa, passou a significar — significar, não, produzir ou tentar produzir — o abandono de uma superioridade natural e a submissão a uma inferioridade absurdamente colocada em um nível que não merece, isto é, uma subversão. Assim também os “direitos humanos” só existem em se tratando de terroristas comunistas assassinados. Em vão se clamará pelos direitos humanos dos massacrados no Camboja, pelos que foram traídos e abandonados pelos liberais norte-americanos no Vietnã do Sul. Isso não tem como que existência. Não abala os que estão “inseridos” no “consabido” imantado. Eles se dizem: “deixa a onda passar”, fortes nas suas organizações, no sucesso que vêm conseguindo.
A essa terceira e pior forma de inculcação só poderá resistir alguém que, como um católico realmente católico, tem uma fé e uma moral e sobretudo tem a imitar Aquele que se declarou Caminho, Verdade e Vida. Dotado de um critério fundamentalmente diferente daquele do mundo democrático que acabamos de descrever, o católico pode, no cenário iluminado dos assuntos assinalados à nossa consideração quotidiana, impor que alguns sejam eliminados, outros introduzidos e exigir a retificação do relevo e das prioridades, sobretudo da escala de valores, corrigida em sua hierarquia, enfim, lograr melhor avaliação dos fatos e das idéias. Mas os que não têm uma doutrina e o socorro da graça, não vejo como poderão vencer uma onda como a que hoje nos submerge.
A INCULCAÇÃO DE MERCADORIAS E A INCULCAÇÃO DE IDÉIAS
Os liberais porém não se dão por vencidos. Temos aqui um libelo acusatório que desmascara o governo do “povo”, vítima de todo um sistema, praticamente irresistível de inculcação. Mas os liberais respondem, tanto no campo da venda de mercadorias como no da inculcação de idéias, afirmando que seu regime assegura a concorrência. Recuperados do choque, mais moralistas do que nunca, empenham-se sincera e energicamente em tomar todos os cuidados para que a concorrência seja preservada, confiantes em que esta é a fórmula mágica que trará, para os consumidores como para eleitores, o benefício resultante da competição nos esforços daqueles que os procurarão agradar. Ora, no campo da economia os homens aprenderam já que a concorrência pode trazer, aqui ou ali, por algum tempo, o precário benefício aparente de preços mais baixos mas, além daquilo que hoje se denomina concorrência predatória, que torna selvagem e cada vez mais desonestos um mercado sem outros padrões de comportamento, o moderníssimo e recentíssimo fenômeno designado pelo termo “consumismo” nos Estados Unidos veio comprovar que a concorrência, mesmo nos países ditos desenvolvidos, nada trouxe em benefício dos consumidores em termos de qualidade, sobretudo de honradez. Hoje, toda a esperança dos que acreditavam religiosamente nos benefícios mágicos da concorrência voltou-se para a ação fiscalizadora do Estado e isso nos países que ainda se pensa serem liberais. No campo das idéias, porém, insistem os liberais que as tais liberdades de pensar, de agir pelo voto e sobretudo a soberania e o poder residentes no “povo”, são ainda assegurados pela livre disputa das inculcações, pela concorrência dos partidos, pelo que alguns eminentes senhores que ainda se apresentam como bispos ou cardeais chamam de “pluralismo”.
“Da discussão nasce a luz”, ou “É preciso amplo debate para amadurecimento dos assuntos” ou ainda “é no foro do Parlamento que a nação caldeia as diferentes correntes de opinião para um denominador comum”, tudo isso são pobres fórmulas capengas com que se procura defender o regime brutal da inculcação, mediante métodos que assegurem a livre concorrência. Tais fórmulas afirmam ainda que essa livre concorrência é benéfica para o esclarecimento do “povo” e que este “povo” continua governando pela livre escolha entre as organizações em disputa pela ação mais eficaz.
Ora, o pobre do “povo”, jogado de um lado para outro pelos embates formidáveis daquelas técnicas de inculcação e seus eficientes aparelhos, é um pobre rei destronado que se vê à mercê do vencedor, que não tem como resistir, depois de 400 anos de afastamento e de desvio da Fé que o poderia salvar. Vivendo em um ambiente espiritual poluído e cada vez mais corrompido, o povo se vê despojado de critérios, iludido pelo afago dos demagogos e corruptores, deseducado pela descendente qualidade dos valores e das idéias que lhe são inculcadas.
Mesmo sem o recurso de procurar mostrar, com aquilo que acontece mas a que nem sempre damos nossa devida atenção, o quanto esse ambiente é envenenador e corruptor por desviar-nos da procura da verdade e das retas soluções em proveito do que é mais oportuno ou “popular” ou “com respaldo na opinião pública”, podemos entender que se passa no domínio das idéias em regime de inculcação coisa parecida com o que se passa no domínio da economia dita de consumo. O desejo de agradar e a necessidade de ceder a pressões mais fortes evidentemente favorecem o livre curso das idéias que sejam não as mais acertadas ou melhores — muitas vezes inatingíveis sem alguma preparação intelectual — mas as idéias baratas. Este sistema incentiva os “slogans”, as idéias baratas que brutalizam o assunto em detrimento do acerto delas, isto é, de sua qualidade. É fácil compreender o quanto esse tumulto de competição de inculcadores e suas máquinas montadas na imprensa, seus instrumentos de pressão financeira de intimidação pela ameaça de escândalo, pelo uso da difamação e da calúnia, forma um ambiente que é o antípoda daquilo que se poderia chamar de “propício à ponderação”. Estamos nos antípodas daquilo que chamamos “sabedoria”. Ora, é com sabedoria, antes de mais nada, que se pode gerir de modo feliz e fecundo, uma casa, uma empresa ou um país. Sufocamos por falta de bom senso e de sábias e oportunas decisões, mesmo aqueles que nos dirigem. Pois bem, se estamos nos antípodas da sabedoria, convém repetir que o oposto da sabedoria é a estultice e que o resultado desse ambiente democrático em que disputam máquinas de inculcação é o embrutecimento e a estupidez geral. Não nos admiremos pois dos resultados muitas vezes incompreensíveis dos arranjos democráticos como assinalamos em nossos trabalhos anteriores.
VÍTIMAS QUE SE TORNAM CÚMPLICES
Depois, além do fato de que as soluções “democraticamente” adotadas não são, em regra, as melhores, temos ainda a circunstância de que, na verdade, as diversas máquinas de inculcação não travam uma verdadeira concorrência quanto a certos postulados fundamentais. Democratas ou Republicanos, Liberais ou Conservadores, Maçons ou Comunistas, todos eles são ainda descendentes dos fautores da revolução humanística que até hoje nos dirige e cada vez mais produz um mundo sombrio que está a léguas do radioso porvir que nos prometiam os “intelectuais” do século XVI e os iluministas do século XVIII com sua Deusa Razão. Todos os que travam batalhas na guerra da inculcação têm postulados fundamentais comuns, tal como acontecia com os reis absolutistas e seus carrascos. O principal desses postulados comuns é o que afaga o “povo” (que pensa que elege seus dirigentes) conseguem ainda o requinte de fazer que suas vítimas sejam também seus cúmplices. Além de despojado e explorado por liberais ou socialistas, conforme a perspectiva da exploração, o povo é ainda, por seus algozes, inclinado à perdição das almas.
Júlio Fleichman
(Revista PERMANÊNCIA, N° 104/105, Julho-Agosto de 1977)