A leitura do debate em torno das Cartas do Concílio, do Padre Berto, teólogo de Mons. Marcel Lefebvre no Concílio, publicado na revista dos dominicanos franceses Le Sel de la Terre nº 45 mostrou-me, ainda uma vez o quanto a crise atual joga as almas em todas as direções no meio desta névoa espessa que cobre a Igreja.
Parece evidente que, quarenta anos após o Concílio, é necessário trabalhar mais a fundo a questão da natureza exata da crise modernista, sua essência, a base teológica explicativa de tal situação, sem esquecer os apoios nas Sagradas Escrituras e nos Padres da Igreja, também importantes. Assim, como conseqüência desta análise, devemos procurar estabelecer de modo mais sólido, até que medida um católico é obrigado a seguir a Roma modernista, seus textos, seus ritos, seus acordos.
Devemos estar sempre disponíveis para fazer acordos, sempre de boa vontade e acolhedores para os textos do Papa ou dos cardeais, para em seguida criticá-los ou, ao contrário, devemos nos afastar de verdade das autoridades romanas e levar nossa crítica ao conjunto de textos da Roma conciliar, mesmo reconhecendo, aqui ou ali, algumas frases mais tradicionais? A questão não é nova. A novidade está nas circunstâncias atuais, quarenta anos depois do concílio e quinze depois das sagrações episcopais de 1988.
É um fato que cada vez que nos aproximamos dessa espécie de máquina, de mecânica que se estabeleceu nas congregações romanas, voltamos machucados, deixando presos nas rodas padres amigos, fiéis engolidos nos meandros da nova religião; um pedaço de nossas vidas.
Em 1988 foram os padres que partiram para a Fraternidade S. Pedro, Dom Gérard etc. Em 2001, os padres de Campos.
Por outro lado, esta recusa de se examinar com boa vontade os textos ou propostas vindas de Roma não seria um constante perigo de se cair no sede-vacantismo? Eis o impasse onde podemos entrar se nossas considerações sobre a crise da Igreja seguirem o caminho das opiniões pessoais mais do que a busca da verdade. Porém, a crise atual é de tal sorte que temos necessidade de uma sabedoria toda sobrenatural: “É aqui que é preciso um espírito dotado de sabedoria”1 nos diz São João no seu Apocalipse, nos capítulos 17 e 18 que tratam desta “Babilônia”, a cidade das sete colinas, fornicando furiosamente com todos os reis da terra, que carrega em si o seu nome: Mistério. Esta prostituta montada na besta, que fez o apóstolo ficar “em extremo admirado”. Apenas os dados da teologia da Igreja não são suficientes.
Devemos constatar que todos os que partiram com os acordos com o Vaticano, bem longe de continuar o mesmo combate de antes, como todos proclamaram em alta voz que fariam, foram contaminados profundamente pelo espírito do Vaticano II. E eu pergunto: – de onde vem esta unanimidade? Porque razão todos passam a aceitar até mesmo a missa nova que sempre foi considerada como o principal mal de Vaticano II?
Antes mesmo de ser uma questão de doutrina, ela é uma questão de ordem espiritual. Os padres não começam a aceitar Vaticano II devido a um estudo aprofundado da Nova Missa ou dos textos do Concílio, mas sim por uma mudança de orientação da alma, olhares que exprimem dois momentos diferentes. Antes, eles tinham uma graça, uma luz espiritual que penso estar presente em cada alma fiel, mesmo nas mais ignorantes, em cada um dos que seguiram o mesmo caminho traçado por Dom Lefebvre e por Dom Antônio de Castro Mayer. Em seguida, quando eles perdem esta graça, seguem às apalpadelas no escuro e se agarram na única realidade que encontram ao alcance, ou seja, a hierarquia. Esta será expressa de modo diverso: para uns será o “perímetro visível”, como queria Dom Gerard; para outros uma “administração apostólica”, como foi oferecido aos padres de Campos; ou ainda a Comissão Ecclesia Dei, como foi o caso da Fraternidade São Pedro2. Quanto ao resto, os quarenta anos de perseguição, de escândalos, de heresias, não levam mais em conta devido à cegueira dos seus corações.
Para nós, que queremos ficar fiéis ao combate, mesmo nesta marginalização não desejada, como poderemos conciliar este estado de coisas com a necessidade real de nos submetermos à hierarquia da Igreja? Eis a questão delicada que se impõe. Por vezes esta questão é deixada na sombra para que a alma possa seguir seu caminho no combate pela fé, que é o essencial da vida católica. Aparentemente tudo segue seu curso. Mas desde que ela começa a ser colocada, aparece o temor e a angústia diante da possibilidade de se estar fora da Igreja, provocando o impasse, estas diferentes formas de se encarar a crise, um certo estado de alma que se manifesta por diferentes métodos de combate. É necessário achar uma explicação que seja ao mesmo tempo verdadeira teologicamente e pacificadora dessas angústias da alma católica, antes que ela perca a graça e se deixe levar pelas águas agitadas da Roma modernista.
Ora, esta explicação existe. Ela foi formulada pela primeira vez, que eu saiba, por Gustavo Corção, em 1976 e mesmo antes, em 1974. Corção mostrava que no cisma do Ocidente, no séc. XIV, os católicos se encontravam diante de uma única Igreja mas tendo dois papas, sem saber qual o verdadeiro. Hoje, ao contrário, estamos diante de um só papa, uma só hierarquia, mas que governa duas igrejas: a verdadeira Igreja Católica e A Outra. Vejamos como Corção entendeu a coisa:
“minha sofrida e firme convicção, tantas vezes sustentada aqui, ali e acolá é que existe, entre a Religião Católica professada em todo o mundo católico até poucos anos atrás e a religião ostensivamente apresentada como “nova”, “progressista”, “evoluída”, uma diferença de espécie ou diferença por alteridade. São portanto duas as Igrejas atualmente governadas e servidas pela mesma hierarquia: a Igreja Católica de sempre, e a Outra.”3
A idéia já lhe viera em 1974. Num artigo chamado Estranhos Contrastes, sobre o comunismo no Chile e no mundo, Corção fala, talvez pela primeira vez, das duas Igrejas:
“O que me parece difícil é fugir à evidência de um cisma, não do governo da Igreja, mas na sua própria personalidade: o que há no mundo moderno são duas Igrejas com parte da hierarquia comum ou alternante. E mais do que nunca tornou-se importante para todos bem demarcar a Igreja a que pertence… Tentarei trabalhar nesta idéia que me parece verdadeira e saudável.”4
Sublinhei acima a “diferença por alteridade” para mostrar que o autor explica esta questão pela citação da ep. aos Gálatas, 1,6 – Se um anjo do céu vem vos ensinar um outro evangelho, que seja anátema – De onde se conclui que não é necessário que se ensinem heresias, doutrinas opostas, basta que se ensine outra coisa. Que os modernistas não venham nos dizer que os textos do Concílio não são heréticos. Não precisam ser para que sejam rechaçados pela Igreja de sempre e por todos os fiéis católicos. Eles são outra coisa. Basta. Mons. Tissier de Mallerais, um dos bispos sagrados por Mons. Lefebvre, dizia também isso:
Para ser heterodoxo, hoje em dia, não é mais preciso negar verdades de fé, como outrora, basta mudar o sentido das palavras… Assim, não é mais necessário para ser herético, contradizer as verdades ensinadas pelo magistério tradicional, basta deslocar o enfoque, retirando-o do essencial para colocá-lo no secundário ou no acessório.5
A questão principal é a identidade da Igreja Católica. Qualquer estudo da teologia desta crise deverá levar isso em conta.
São Paulo só pôde dar este preceito aos Gálatas por saber que, mesmo sem serem filósofos com ciência adquirida, todos têm no nível do senso comum a capacidade de distinguir o mesmo e o outro6.
Em outro lugar Corção escreveu: “Nenhuma reforma pode prevalecer sobre a identidade e sobre a continuidade dessa identidade.”
Mons. Lefebvre, na famosa conferência de retiro espiritual dada em Ecône, em 1989, mostrou muito bem que a visibilidade da Igreja não pode se encontrar na “igreja oficial” porque esta não possui mais a unidade da fé necessária para estabelecer as quatro notas essenciais da verdadeira Igreja Católica.7
A coisa não pára por aí. Precisamos tentar identificar esta falsa igreja que se faz passar pela Igreja militante com tal audácia que conseguiu ter em seu comando os próprios chefes da verdadeira Igreja católica. É ainda Gustavo Corção que nos mostra o caminho do nosso estudo:
Estamos evidentemente diante de alguma Coisa alterada, ou adulterada, que em vários sinais difere profundamente da Igreja Unam et Sanctam. Não podendo crer que a própria Igreja se alterou e se adulterou, como pretendem os que começam por duvidar de sua perseverante identidade, só nos resta pensar que outra substância está nos meios católicos sem ser católica. E faz questão de se inculcar como católica, pelos sinais exteriores e pelos títulos, não fazendo porém nenhuma questão de ser católica pelas idéias que difunde: “decifra-me ou devoro-te”8.
Corção compreendeu que a crise da Igreja ia bem além de uma questão de reformas mais ou menos revolucionárias. Quando Jean Madiran, na revista Itinéraires, pedia ao papa que nos devolvesse … “a missa, o catecismo e as Sagradas Escrituras”, Corção completava:
Eu diria que, em vez de escolher os três pontos: a missa, o catecismo e as Escrituras, prefiro um só grito, uma única súplica dirigida ao papa para pedir a expulsão do espírito que anima todas essas reformas, que anima todas estas aberrações, estas demolições dentro da Igreja. Eu gritaria: “Devolva-nos o Catolicismo!” Sim, é a Igreja Católica, enquanto Católica que passa por um processo de auto-demolição. É a catolicidade maternal e virginal da única Igreja de Cristo que é atacada, sitiada, invadida, em favor de um cristianismo vago, achatado, ressecado e exangue9.
Esta palavra de Paulo VI – auto-demolição da Igreja – é utilizada freqüentemente por todos os defensores da Tradição, inclusive Mons. Lefebvre, como um argumento ad hominem. Ela não pode exprimir a realidade teológica da vida da Igreja e deve ser rechaçada. Não somente a Igreja não pode se auto-demolir como não há nenhuma necessidade para nós de recorrer a este argumento. O papa Paulo VI que nada mais fez do que acelerar o trem do modernismo, se não gerou a Outra, é responsável por tê-la levado à maturidade. Não, a natureza desta crise só pode estar em outra coisa, acha-se na tentativa de demolição da verdadeira Igreja católica pelo câncer espiritual que a agarrou pela garganta, a sufoca e crucifica-a. É a Outra que procura destruir a Igreja, o que difere muito de uma auto-demolição.
Penso poder dizer que esta argumentação baseada em duas igrejas mortalmente opostas é a única a proteger todos os dados da teologia da Igreja diante da avalanche que tudo carregou. Tive, por duas vezes, a oportunidade de usar esta argumentação, em situações parecidas: no Barroux, em 1988, diante do Dom Basile, quando este foi indicado por Dom Gérard para responder às minhas questões sobre os acordos com Roma. Era a época do sofisma do “perímetro visível”10. Dom Basile achou que a existência real da Outra conduziria ao sede-vacantismo, isso porque ele não quis raciocinar na possibilidade de haver um só papa para duas igrejas, pois não encontrava nada sobre isso nos manuais de teologia ou nos exemplos da história da Igreja (lógico). A segunda vez foi em 2001, diante de um dos padres de Campos que afirmou que esta doutrina significaria que as portas do inferno teriam prevalecido sobre a Igreja, como se a presença da Outra destruísse a verdadeira Igreja. Ora, nem um nem outro quiseram examinar a questão até o fim.
Não me parece possível que alguém negue o caráter excepcional, surpreendente e inesperado da crise atual. Uma crise que dura já quarenta anos, tendo à sua frente já três papas com praticamente todo o episcopado. Como não considerar o grande mistério de vermos o corpo da Igreja trabalhando ativamente para a destruição da Esposa de Cristo? Pode-se afirmar sem temeridade que esta crise nada tem a ver com o mistério de iniqüidade anunciado por S. Paulo aos Tessalonicenses, quando percebemos claramente que a grande apostasia que o acompanha já está generalizada? Não estaria aí, justamente, a causa do enorme espanto que sentiu São João quando viu a prostituta do Apocalipse que carregava em si seu nome: Mistério?
A natureza da crise começa a ser melhor estabelecida pela denominação de uma Outra substância, de uma Outra sociedade de bispos tendo o próprio papa como chefe, de uma Outra religião que nos faz pensar nesta abominação da desolação posta no lugar santo, vista pelo profeta Daniel e lembrada por Nosso Senhor em circunstâncias que nos fazem tremer. Já podemos considerar com certo recuo nossas relações com Roma, antes mesmo de aprofundarmos nossas considerações sobre A Outra.
Antes de tudo, desaparece a questão mais delicada:
– Vocês são sede-vacantistas? – Não, é justamente o que não somos.
– Então, para vocês, o papa é verdadeiramente o Vigário de Cristo? – Sim, ele é, ele tem todos os sinais. Ele ocupa a sede de Roma, é reconhecido por todo o mundo como papa, e exerce atos de governo próprios ao Pontífice Romano. Esta questão já não se coloca por diversas razões: não há resposta possível porque só um papa futuro poderá julgar o papa atual11. Enquanto a Igreja não declarar este juízo solene nossa consideração deve se limitar aos sinais visíveis do pontificado, e nesse caso devemos afirmar que João Paulo II é o Vigário de Cristo.
– Como pode o papa ensinar tantos erros gravíssimos, fazer gestos tão escandalosos, sem perder o carisma papal? – porque ele é, ao mesmo tempo, o chefe de uma falsa religião fundada em Vaticano II, quando os bispos do mundo todo estabeleceram A Outra. Daí a necessidade de refletir sem medos sobre os fundamentos dessa Anti-Igreja para estabelecer que, efetivamente, ela se constitui como uma falsa religião, com um clero, ritos próprios, um corpo de doutrina e leis específicas.
– Como explicar que a existência dessa Outra não seja a derrota total da verdadeira Igreja Católica? – Aqui o mistério aumenta, sem dúvida. A Santa Igreja Católica está sempre viva, mas sitiada e invadida, como nos dizia Corção acima. Eu não usaria a imagem de uma invasão militar, com um governo ilegítimo esmagando o rei, ou a imagem da Aids espiritual usada por Mons. Lefebvre, mas a invasão de um câncer espiritual, como uma pele, uma fina película transparente e, sobretudo, viva, que engole a Igreja católica tornando-a prisioneira, sem movimentos próprios, sem palavra, sem rito nem lei. Como todo câncer, ela nasce de dentro e se desenvolve sem controle do organismo, levando-o por um caminho de morte. A transparência desse câncer vem do fato que o governo da Outra é feito pelos mesmos homens, a mesma hierarquia que deveria governar a Igreja católica. Assim, quando um Mons. Lefebvre, por exemplo, ousava se levantar contra o papa, este, ou os bispos lhe apontavam o dedo: atenção, é o papa, são os bispos, obedeça! É claro que nosso bispo, sendo perfeitamente católico, queria obedecer e demonstrar seu apego à Santa Sé, como tantas vezes ele exprimiu, mas desde que ele se aproximava, a voz que ouvia não era a da Mãe, mas uma voz estranha, desconhecida e mesmo monstruosa. Foi diferente em 1988? E em 2001, com Mons. Fellay? As exigências impostas a Mons. Lefebvre de pedir desculpas, em 6 de maio de 1988, ou a recusa de liberar a missa tradicional a todos os padres porque seria um ultraje a Vaticano II, em 2001, são sinais impressionantes de que as autoridades falavam antes como representantes da Outra e não como chefes católicos.
Será que um papa, enquanto papa, representando a verdadeira Igreja, podia recusar-se a um gesto como este em favor de uma missa santa, perfeitamente legítima e ortodoxa?
– Alguém poderia ainda objetar que a missa de uma tal igreja diabólica não poderia ser válida, enquanto que o próprio Mons. Lefebvre e tantos outros sempre afirmaram que a nova missa é válida. – Ainda aqui, a única resposta que mantém intactos todos os dados da teologia vem dessa usurpação. O câncer que cobre a Igreja não é apenas uma metáfora. É uma realidade analógica, um verdadeiro câncer espiritual. Como tal, ele lança seus tentáculos mórbidos no interior do Corpo Místico de Cristo para sugar sua vida e a eficácia de seus ritos. Ele domina de tal modo a Esposa de Cristo, ele a mantém em tal controle que esta vê as conseqüências terríveis dessa usurpação de sua vida sem poder nada fazer, impotente para vir em auxílio de seus filhos cegos e conduzidos à morte da heresia, do sacrilégio, do pecado.
Todos os sacramentos e sacramentais, tudo o que dependerá de um rito, será assim sugado do coração mesmo da Igreja. E os fiéis serão enganados quando, assistindo a um rito novo, pensarão ver nele algo de ainda católico.
Que esperteza do demônio! Quanta audácia! E que diabólica satisfação não deve ele sentir quando nos vê batendo cabeça uns contra os outros, sem saber muito bem como nos posicionar diante dessa nova versão do William Wilson do conto de Edgar Allan Poe.
Se Mons. Lefebvre compreendeu que era necessário resistir até o fim, até ser “excomungado” – e ele disse bem que era excomungado pela Roma modernista, logo pela Outra – foi em razão da essência não-católica de todo esse mundo de Vaticano II. A famosa Carta que ele escreveu aos quatro bispos sagrados em 30 de junho de 1988 não deixa dúvidas: estes novos bispos deverão depositar aos pés do Santo Padre seu episcopado quando Roma será convertida à Tradição. Não antes, porque eles teriam que tratar com uma outra coisa, uma outra igreja, tendo as mesmas autoridades humanas. Se nós recusamos admitir que trata-se de Outra coisa, cairemos facilmente na armadilha onde caíram os padres de Campos: eles pretenderam que não era possível Deus permitir que toda a hierarquia se enganasse de caminho durante um tempo tão longo. Com a presença do câncer espiritual a questão do tempo não se coloca mais. Pode durar enquanto Deus quiser, como uma purificação necessária, ou como a Paixão da Igreja, seguindo a Paixão do seu Mestre.
Eis, então, a paz que começa a se fazer presente na alma católica libertada de seus escrúpulos, compreensíveis mas tão perigosos. Não será mais preciso ficar como que mal acomodado na cadeira, sem poder aceitar os erros e sem querer lançar para longe a hierarquia constituída. Firmemos nossos pés nesta terra da salvação que é a verdadeira Igreja de sempre. Se ela está prisioneira da Outra, sejamos nós também prisioneiros, excomungados, marginalizados, crucificados, como ela, nossa Mãe, está crucificada e se aproxima desta morte mística própria ao Corpo Místico de Cristo, o que, bem longe de ser uma derrota é o início da vitória.
As duas tentações presentes em nossos meios já existiam no tempo de Nosso Senhor. Os sede-vacantistas se parecem com os apóstolos escandalizados com a Cruz, que fugiram, um após outro, até que só ficou um, São João, o único que tinha atingido, antes mesmo de Pentecostes, um grau particular da Sabedoria. Já os que se inclinam para os acordos com Roma se parecem com os discípulos que abandonaram Jesus em troca da “legalidade” farisaica, porque as apóstrofes do Mestre contra as autoridades eram para eles insuportáveis. –“E vós, quereis também partir?….Para onde iríamos, Senhor, só Vós tendes palavras de vida eterna”.
Esta paz da alma só pode existir com a graça. Esta graça nada mais é do que um ato de fé sobrenatural continuamente em ação na alma. É um pecado contra a fé que fez cair todos os que partiram, por medo, por escrúpulos ou por excesso de rigorismo. Atraídos irresistivelmente por uma armadilha armada pela Outra, caíram os que fizeram acordos com Roma, nesta falta contra a Fé que responde a nossa questão do início: porque todos, unanimemente, acabam aceitando todo o Vaticano II? Faltando a fé, eles não conseguem mais enxergar nada além do câncer que esgana a verdadeira Igreja.
No outro pólo, os sede-vacantistas não são atraídos, mas antes empurrados por uma estranha força que os afasta da Igreja por não suportarem a idéia de que ela possa estar crucificada sobre o Gólgota da religião pluralista de um mundo maçonicamente globalizado.
O ato de fé de que se trata aqui não é uma coisa fácil e evidente. A graça deve ser renovada todos os dias numa constante oração, numa profunda humildade, numa confiança total. Não na confiança nesses homens da hierarquia visto serem verdadeiros traidores que preferem governar A Outra em vez de governar a Católica. Confiança em Deus, uma fé sem reservas no governo que a Cabeça, o Chefe, Jesus Cristo, exerce sobre sua Esposa mesmo no momento mais doloroso da crucifixão e da morte. Do Gólgota místico onde certamente ela se encontra, desta crucifixão que a torna mais unida e mais semelhante a seu Esposo divino, ou do túmulo onde ela há de passar seus três dias, ela ressurgirá na glória, como Nosso Senhor, para nos deixar a marca do seu Corpo visível, mais belo que nunca, mais santo, desta Esposa sem manchas nem rugas que será para nós a vida do Reino do Céu.Ressurrexit sicut dixit, Allelúia!
- Apoc. 17, 9
- Veja detalhes no nosso livro Tradição versus Vaticano, Ed Permanência, 2001
- O Globo, 29/12/1977
- O Globo, 30/03/1974
- Revista Le Sel de la Terre, nº 42, 2002 – Apresentação ao Sermão das ordenações
- O Globo, artigo Trabalhemos com Jesus, 7 de junho 1975
- http://www.permanencia.org.br/drupal/node/1400
- O Globo, artigo Decifra-me ou devoro-te, 21 de fevereiro 1976
- Itinéraires, 181, março 1974 – artigo Mon désir est-il de plaire aux hommes? – Seria meu desejo agradar aos homens?
- Dom Gérard Calvet dizia que nós não estávamos fora da Igreja mas sim fora do perímetro visível da Igreja, confundindo visibilidade da Igreja com oficialidade legal do Vaticano.
- Mons. Tissier de Mallerais mostrou bem isso no seu sermão de 2002. cf. http://www.permanencia.org.br/drupal/node/663