A “LIBERDADE RELIGIOSA” – O ESTANDARTE DE SATANÁS ERGUIDO NO MEIO DA IGREJA

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Pe. Pierre Marie, O. P.

Na raiz do liberalismo encontra-se, como já se viu, uma falta de coragem para condenar o erro. O liberalismo penetrou oficialmente na Igreja no dia em que foi aceito o direito à “liberdade religiosa” no foro externo. É este, indubitavelmente, o erro fundamental do Concílio, o erro mais grave. Se se admite a assim chamada “liberdade religiosa”, é claro que, em vista disto, se deve adaptar-se ao pluralismo religioso e procurar conviver com as outras religiões. Tal é a tarefa do ecumenismo. Da mesma forma, admitida a “liberdade religiosa”, é preciso adotar uma forma de governo eclesiástico que favoreça a liberdade, e este será o papel da colegialidade, a qual não é senão a introdução da democracia na Igreja.

Se, ao contrário, se rejeita a “liberdade religiosa”, buscar-se-á favorecer a unidade centrada na Verdade, mediante a conversão à verdadeira Fé. Assim se evitará também dissolver a autoridade na colegialidade e no número. Isso para que a verdade possa ser mais eficazmente ensinada pela autoridade do Magistério, e o erro, condenado com mais energia.

Sabe-se que os inimigos da religião compreenderam, há mais de dois séculos, que a instauração da “liberdade religiosa” é o meio mais eficaz para destruir a Fé católica. Eles a impuseram a partir da assim chamada Revolução francesa, e as diversas tentativas de restauração não ousaram questionar esta “liberdade”.

Sabe-se também que a maçonaria fez pressão sobre a Igreja para esta adotar a doutrina sobre a “liberdade religiosa”, no último Concílio. Dom Lefebvre recorda o exemplo do Cardeal Bea e dos seus contatos, antes do Concílio, com os membros da B´nai Brith, a maçonaria judaica. O próprio Cardeal Willebrands no Osservatore Romano, por ocasião da morte de Adolfo Visser´t Hooft, idealizador e primeiro secretário do Conselho Ecumênico das Igrejas (C. O. E.) conhecidamente ligado à maçonaria, escrevia: “Foi ele [Visser´t Hooft] quem me sugeriu dois pontos concretos que deviam constituir a “pedra de toque” dos aspectos ecumênicos do Concílio: o problema da liberdade religiosa e o dos matrimônios mistos”1.

No boletim do Centro de Documentação do Grande Oriente da França, no. 48, de 1964, lê-se nas páginas 84 e seg.: “Nós nos propomos […] atrair a atenção dos nossos leitores para as intervenções dos bispos e cardeais que, no decurso dos debates, parecem ter manifestado o anúncio de um certo degelo do pensamento católico”. E entre as intervenções cita-se um certo “Arcebispo Wojtyla (Cracóvia)”: “É preciso aceitar o perigo do erro. Não se abraça a verdade sem ter uma certa experiência do erro, é preciso por isso falar do direito de buscar e de errar. Eu reivindico a liberdade de conquistar a verdade”.

Sabe-se também que o Concílio procurou esconder o veneno, falando dum direito negativo ao erro. “A Igreja — assim se pretende — condenou o direito positivo ao erro: ninguém tem o direito moral de escolher o mal e o erro. Ela porém não condena o direito negativo ao erro: o homem tem o direito de não ser impedido de professar os próprios erros, se isto não perturba a paz e a ordem pública”.

No periódico “Le Sel de la terre” demonstramos a falsidade dessa argumentação: a Igreja, com a sua praxe multissecular coercitiva do erro religioso, mostrou que esta não reconhece nem um direito negativo às falsas religiões.

Por outro lado, na prática, não se faz esta distinção, e a Santa Sé, nos seus atos oficiais, refere-se ao direito à liberdade religiosa como foi enunciado pela ONU. Assim, no § 2 do acordo recente entre a Santa Sé e Israel: “A Santa Sé, recordando a Declaração sobre a liberdade religiosa do Concílio ecumênico Vaticano II, “Dignitatis Humanae”, afirma o empenho da Igreja Católica em preservar o direito de todos à liberdade de religião e de consciência, como sublinha a Declaração universal dos direitos humanos e os outros atos internacionais dos quais participa”2. Ou também: “O Concílio Vaticano II […] declara que a pessoa humana “tem direito à liberdade religiosa” (Dignitatis Humanae no. 2). Neste documento, o Concílio sente-se unido aos milhões de homens que, no mundo, aderem, em todas as suas aplicações práticas, ao artigo 18 da declaração universal dos direitos humanos da ONU, a qual afirma: “Todos têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião”3.

Releiamos este artigo 18 da Declaração universal dos direitos humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicções, assim como a liberdade de manifestar a própria religião ou convicções, só ou em comum, tanto em público como em particular, mediante o ensino, as práticas, o culto e a execução dos ritos”.

Notamos que o artigo não fala dos justos limites que, no dizer dos partidários do Concílio, são um elemento essencial da liberdade religiosa conciliar, aquilo pelo qual esta se distinguiria da falsa liberdade dos maçons e dos liberais. Eis, paralelamente, o artigo correspondente da Declaração dos direito humanos e do cidadão de 1789: “Ninguém deve ser incomodado pelas suas opiniões também religiosas, contanto que a sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei” (art. 10).

Essa liberdade religiosa da Declaração dos direitos humanos do homem e do cidadão em 1789, aproxima-se mais da doutrina conciliar em prever “justos limites” à “liberdade religiosa” e contudo foi declarada um “direito monstruoso” pelo Papa Pio VI 4.

Mede-se assim o desvio da “Igreja conciliar” que não se limita mais a reclamar um “direito negativo e limitado” (já criticável e criticado justamente), mas se alinha pura e simplesmente com a doutrina da ONU!

Ainda recentemente, na reunião inter-religiosa realizada no Vaticano em princípios de novembro, o Papa [João Paulo II – N. da P.] declarou: “Devemos fazer com que todos respeitem a liberdade religiosa. Ela é a pedra angular de todas as liberdades; impedir os outros de professar livremente a própria religião equivale a pôr a nossa em perigo.”

Santo Tomás na Suma Teológica se pergunta se o demônio é o cabeça dos maus, e responde afirmativamente. Ele precisa que o demônio governa os homens, incitando-os ao próprio fim que é a desobediência à Lei de Deus: “O fim que o demônio se propõe é afastar de Deus a criatura racional […] e isso tem motivo de fim enquanto é buscado sob a aparência de liberdade (sub specie libertatis)”.

Portanto, enquanto os pecadores aspiram a este fim, caem debaixo do domínio e governo do demônio, o qual, por isso, é chamado o seu cabeça”5.

“Não é porventura ao grito de “Viva a liberdade”! — comenta o padre Pègues — que se viram perpetrar todos os atentados e crimes contra Deus, contra a Igreja e contra toda a autoridade legítima que queira exercitar o poder em nome deles? Seria muito bom que meditassem esta doutrina de Santo Tomás tantos espíritos ingênuos que pensam ser tudo louvável e excelente neste grito, feito o grito de união na sociedade moderna. No fundo, esse é o grito de revolta do grande inimigo de Deus e dos homens (“Non serviam!”) e é, lançando-o às multidões que ele as reúne, em todo o mundo, debaixo do estandarte da sua rebelião. Na medida em que os homens obedecem a esse grito, caem — diz Santo Tomás — sob o domínio e o governo do demônio”6.

A liberdade, e em particular a “liberdade religiosa”, é o estandarte de Satanás. Os adeptos da “liberdade religiosa” conciliar servem por isso admiravelmente ao demônio. É a abominação da desolação na casa de Deus. “Quem lê, compreenda”, nos diz Nosso Senhor. Diante deste estandarte, erguido no meio da Igreja, devemos reagir alçando o estandarte de Nosso Senhor, no qual está escrito: “Veritas liberabit vos”, “A Verdade vos libertará”. Amemos a verdade: ela nos tornará livres com a verdadeira liberdade dos filhos de Deus; e odiemos o erro, porque é pelo nosso ódio ao erro que Nosso Senhor medirá o nosso amor à Verdade.

1. L´Osservatore Romano, 15/16 de julho de 1985; v. Sì Sì No No, 15 de outubro de 1985, pp. 4 ss.

2. La Croix, 31 de dezembro de 1993.

3. Alocução de João Paulo II aos Bispos da Índia em visita ad limina, 23 de junho de 1979.

4. Pio VI Quod aliquantulum, 10 de março de 1791.

5. ST III, q. 8, a. 7.

6. Comentário do Pe. Pègues ao supracitado artigo de Santo Tomás: “Este artigo, um dos mais importantes da doutrina sagrada é absolutamente próprio da Suma Teológica. Infelizmente, passa freqüentemente despercebido nos comentários”.