O que a Igreja diz sobre a esmola durante a Quaresma – e por que ela é tão importante?
Fonte: SSPX USA – Tradução: Dominus Est
Em um artigo anterior sobre se os católicos poderiam consumir carne artificial nos dias de abstinência, os leitores foram lembrados “da relação histórica entre jejum, abstinência e esmola”, particularmente porque os “períodos e dias penitenciais da Igreja eram considerados tempos em que os cristãos deveriam pegar o dinheiro economizado em comida e distribuí-lo aos pobres”. Este aspecto espiritual da Quaresma, infelizmente, permanece pouco compreendido.
Quando os católicos pensam no tempo da Quaresma, suas cabeças, muitas vezes, se voltam para as práticas de jejum e abstinência. Espera-se também que considerem este período um tempo para orações mais fervorosa, inclusive fazendo esforços extras para participar de serviços (celebrações) da igreja. Nosso Senhor instrui, no entanto, que a esmola está interligada à oração e ao jejum (Mt. 6,1-25). E como a oração e o jejum, a esmola deve ser feita em segredo (Mt. 6,2-4):
“Quando pois dás esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas praças, para serem honrados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. Mas, quando dás esmola, não saiba a tua esquerda o que faz a tua direita, para que a tua esmola fique em segredo; e teu Pai, que vê (o que fazes) em segredo, te pagará.”
Seguindo as palavras de Nosso Senhor, São João apóstolo escreve: “O que tiver bens deste mundo, e vir o seu irmão em necessidade, e lhe fechar as suas entranhas, como está nele a caridade de Deus?” (1 Jo 3,17). Recordem-se que em sua formulação mais forte, Cristo instruiu o jovem que buscava a vida eterna: “vai, vende quanto tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no Céu; e vem depois, e segue-me.” (Mc 10, 21).
Mesmo que nem todos estejam preparados para seguir a admoestação radical de Jesus, São Paulo nos lembra o seguinte (1 Tm 6, 6-10):
“Verdadeiramente a piedade é uma grande fonte de lucro, (tornando-nos contentes) com o que basta (para viver). Porque nada trouxemos para este mundo, e é sem dúvida que não pudemos levar nada dele. Tendo, pois, os alimentos (necessários), e com que nos cobrirmos, contentemo-nos com isto. Porque os que querem enriquecer, caem na tentação e no laço do demônio, e em muitos desejos inúteis e perniciosos, que submergem os homens na morte e na perdição. Porque a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro, por causa do qual alguns se desencaminharam da fé, e se enredaram em muitas aflições.”
Muitos hoje opinarão que não são “ricos” e, portanto, não precisam dar do que possuem. Embora a designação “rico” seja em certo sentido relativa, a grande maioria dos que vivem nos Estados Unidos e no mundo ocidental como um todo, estão muito melhor materialmente do que a maioria dos que viveram durante o período em que Nosso Senhor caminhou sobre a terra. Alguns também podem argumentar que trabalharam duro para os ter, e o Senhor não desejou que alguns tivessem e outros não? A esses e outros sentimentos semelhantes, o Pai da Igreja da Capadócia do século IV, São Basílio o Grande, responde com o seguinte em seu sermão sobre Lucas 13, 21:
“É talvez injusto Deus, que nos distribui os meios de subsistência de modo desigual? Por que tu és rico e aquele é pobre? Certamente para que tu pudesses receber a recompensa da bondade da fiel administração e aquele pudesse conseguir o magnífico prêmio da paciência. E tu, e quanto procuras abarcar tudo nos insaciáveis ventres da avareza, julgas não fazer injustiça a ninguém, privando tanta gente do necessário? Quem é o avarento? Aquele que não se contenta com aquilo que lhe é suficiente. Quem é o ladrão? Quem tira aquilo que é de outro. Não és avaro? Não és ladrão, tu que fazes tua a propriedade que recebeste para administrar? Quem espolia alguém que está vestido é tido como ladrão; e quem, podendo fazê-lo, não reveste quem está nu merecerá outro nome? O pão que tu reténs pertence ao faminto, o manto que guardas no armário é de quem está nu; os sapatos que apodrecem em tua casa pertencem ao descalço; o dinheiro que tens enterrado é do necessitado. Porque tantos são aqueles aos quais fazes injustiças, quantos aqueles que poderias socorrer.”
O que é importante lembrar é que nem Cristo nem seus santos forneceram um “plano” ou “esquema” para dar; cabe a cada cristão a melhor forma de decidir dar sobre o que se tem. Atos cotidianos de misericórdia, como dar comida e dinheiro diretamente a uma pessoa pobre, podem ser associados a esforços comunitários, como voluntariar tempo e recursos para uma sopa comunitária ou doar itens usados em bom estado, como roupas e móveis, para distribuição aos necessitados.
A prudência também deve ser exercida. Aqueles com famílias para sustentar não devem doar a ponto de colocar em risco o bem-estar daqueles de quem são encarregados de cuidar. Além disso, nem todas as pessoas que procuram assistência têm direito a ela. A discrição na esmola é recomendada nas Constituições Apostólicas (II:1-63 e III:4-6): “A esmola não deve ser dada ao malicioso, ao intemperado ou ao preguiçoso; para que não se atribua um prêmio ao vício”. No entanto, tal discrição não deve se tornar uma desculpa para julgar ou reter esmolas arbitrariamente. Como narra a Lenda Dourada sobre o Patriarca de Alexandria do século VII, conhecido como São João Esmoler:
“Certa vez, um pobre homem vestido de peregrino foi até o bem-aventurado João e pediu uma esmola. João chamou seu mordomo e disse: “Dê-lhe seis moedas de ouro!” O homem pegou o dinheiro, foi embora, trocou de roupa, voltou e novamente pediu novamente esmola ao patriarca, que chamou seu mordomo e disse: “Dê-lhe seis moedas de ouro!” Depois que o mendigo saiu, o mordomo disse ao patriarca: “Essa é a segunda vez hoje. Tudo o que ele fez foi trocar de roupa, mas porque me pediste, eu dei.” O bem-aventurado João fingiu não saber disso.
O suposto peregrino e mendigo, porém, trocou de roupa e pediu esmola a João uma terceira vez. O mordomo tocou o braço do patriarca e acenou que era o mesmo homem.
O bem-aventurado João respondeu: “Vá e dê-lhe doze moedas de ouro! Pode ser que meu Senhor Jesus Cristo esteja me testando para ver se este homem pode continuar pedindo mais do que eu posso continuar dando!”
Como São João, os católicos devem tomar cuidado para errar pelo lado da caridade e não pelo do desprezo. Quando confrontado com uma genuína incerteza ao dar esmolas, especialmente quando se trata de uma grande soma de dinheiro, deve-se pedir conselho ao seu confessor ou pai espiritual. Aqueles que ignoram completamente a esmola durante o tempo da Quaresma ou ao longo do ano fazem-no em seu detrimento espiritual. Eles perdem tanto a oportunidade de ajudar o próximo como crescer profundamente na santidade.
“Misericórdia e amor à esmola são obras que Deus ama”, observa São Gregório de Nissa em sua homilia sobre o amor aos pobres. “Deificam aqueles que os praticam e imprimem neles a semelhança do Bem para que se tornem a imagem do Ser Divino.”