AQUELES QUE AMAM A DEUS, VIVEM SEMPRE SATISFEITOS

satisfeitoEpíteto e Atho (Hos. L. 1.) dois Bem-aventurados Mártires de Jesus Cristo, quando sofreram o tormento, queimados com fachos por ordem do tirano, e dilacerados com ganchos de ferro, disseram somente: «Senhor, seja feita em nós a Vossa vontade. E quando chegaram ao lugar da execução, exclamaram em altas vozes: «Bendito sejais, ó Deus Eterno, porque a Vossa vontade se cumpriu amplamente em nós.»

Cesário relata (Liv. 10, Cap. 6.) que certo religioso, que ainda que exteriormente não era diferente dos mais, tinha contudo chegado a um tal grau de santidade, que pelo mero toque de seus hábitos, curava aqueles que estavam doentes. O Superior admirado disto, per­guntou-lhe como fazia ele estes milagres, não vivendo mais exemplarmente do que os outros: ao que o religioso respondeu que também se admirava, e não sabia a razão disso: mas quais são as vossas devoções? lhe tornou o abade. O bom religioso repli­cou, que poucas eram, ou para melhor dizer, nenhumas, mas que sempre tinha cuidado de entregar a sua vontade à vontade de Deus, e que nosso Senhor lhe havia concedido a graça de abandonar inteiramente a sua vontade à divina «A prosperidade não me eleva, nem a adversidade me abate, porque eu tudo recebo como vindo da mão de Deus, e para este fim dirijo todas as minhas preces, para que a Sua vontade se cumpra perfeitamente em mim.» O Superior lhe replicou: «Não vos ressentistes vós ontem contra o inimigo, que tanto nos prejudicou, roubando-nos os nossos mantimentos, e lançando-nos o fogo na nossa propriedade, destruindo-nos o nosso gado e a nossa seara? Não, foi a sua resposta, pelo contrário, dei graças a Deus como cos­tumo fazer em iguais desgraças; conhecendo que Deus faz ou permite tudo para a Sua maior glória e nosso maior bem; e por esta razão sempre estou contente, suceda o que suceder.» Ouvindo isto o abade, e vendo-o em tanta uniformidade com a vontade divina, não se admirou mais de que ele fizesse mi­lagres. Aquele que assim fizer não só vem a ser um grande Santo, mas goza de uma paz perpétua.

Afonso o grande, rei de Aragão, príncipe o mais sábio, perguntando-se-lhe quem pen­sava ele que era o homem mas feliz, res­pondeu «aquele que em tudo se con­forma com a divina vontade, e que recebe os bens e os males como se viessem das mãos de Deus.» Aqueles que amam a Deus, todas as coisas concorrem para bem. (Rom. VIII. 28) Aqueles que amam a Deus, vivem sempre satisfeitos, porque todo o seu prazer é cumprir a divina vontade, mesmo nas coisas que lhe são desagradáveis tanto que as inquietações se mudam em deleites, pelo pensamento de que, aceitando-as voluntaria­mente, agradam a seu amado Senhor. «Tudo quanto acontecer ao homem justo, o não entristecerá.» (Prov. XII. 21.) E com efeito, que maior felicidade pode o homem expe­rimentar, do que o cumprimento de seus desejos? Então, quando se deseja o que Deus quer, tem cada um tudo quanto deseja, pois que (exceto o pecado) tudo quanto suceder no mundo é pela vontade de Deus. Conta-se nas vidas dos padres, que certo lavrador colhia sempre maior quantidade de frutos do que os seus vizinhos, e pergun­tando-se-lhe o motivo, respondeu: — que se não admirassem porque as estações andavam sempre a seu arbítrio. — Como assim? disseram os outros; — porque, respondeu ele, nunca desejo outro tempo senão aquele que Deus manda, e como eu quero o que Deus quer, Ele também me faz a vontade, dan­do-me uma boa colheita. 

— As almas re­signadas, diz Salviano quando se sentem humilhadas, confessam a sua humilhação; quando são pobres, sofrem voluntariamente a sua pobreza; em uma palavra, resignam-se a tudo quanto lhes acontece, e por isso são sempre felizes durante a vida. Se chega o calor, o frio, ou a chuva, aquele que se conforma à vontade do Senhor, diz: «Eu desejo que haja calor, e frio, ou chuva, porque essa é a vontade de Deus.» Se a pobreza, a perseguição ou doença o afligem, ou a mesma morte, ele dirá: «eu desejo ser pobre, perseguido ou doente, porque esta é a vontade de Deus. É esta a gloriosa li­berdade que os filhos de Deus gozam, a qual vale mais do que todos os reinos e principa­dos deste mundo: Esta é a sólida paz que os Santos desfrutam, que excede a toda a compreensão. E todos os pra­zeres sensuais, festas, banquetes, honras e mundanas gratificações são vaidade e ca­ducidade, e, enquanto que fascinam e entretém por alguns momentos, afligem o espírito, onde só pode haver a verdadeira felicidade. Aqui exclama Salomão, depois de ter esgotado o gozo das delícias do mundo: Mas isto é também vaidade e vexação de espírito (Ecl. IV. 16.) O louco, diz o Espírito Santo, muda como a lua, mas o homem justo continua em seu juízo, assim como o sol. (Ecl. XXVII. 12.) O insensato, isto é, o pecador muda como a lua, hoje está no crescente, amanhã no minguante, hoje está alegre, amanhã triste, hoje meigo, amanhã furioso como um tigre; e por que? porque a sua felicidade depende da prosperidade e adversidade, que ele pode en­contrar, e então muda conforme as circunstâncias. Mas o homem justo é como o sol sempre igual na sua serenidade, sejam os sucessos quais forem; porque a sua felici­dade está na conformidade com a vontade divina, e por esta conformidade goza uma inalterável paz. «Paz na terra aos homens de boa vontade» disse o Anjo aos pastores. (S. Luc. II. 14.) E quem são estes homens de boa vontade? São aqueles que estão sempre unidos à divina vontade, a qual é sempre soberanamente boa e perfeita. Tal é a boa, aceita e perfeita vontade de Deus. (Rom. XII. 2.) Porque Deus não pode desejar coisa alguma, que não seja a melhor e a mais perfeita.

Tratado da conformidade com a vontade de Deus – Santo Afonso