As democracias nascidas de 1789 não são as dos antigos gregos.
Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est
Entre os gregos, o governo da cidade era confiado à massa de cidadãos a fim de garantir o interesse geral. Pelo fato de todos os cidadãos serem considerados iguais, todos eles podiam reivindicar a defesa do bem comum sem que nenhum deles fosse superior. Esse era o regime constitucional comumente chamado hoje de democracia. Regime esse diferente dos outros dois (regime monárquico ou aristocrático), pois todos tinham acesso ao poder e não apenas um ou alguns como nesses citados. Nessas democracias, nenhum cidadão tinha mais poder que outro e ninguém era mais subserviente do que qualquer outro, mas todos tinham a obrigação de subscrever as leis em vigor e governar com justiça.
Essa forma de governo baseava-se, portanto, na igualdade de todos os cidadãos e, consequentemente, também na liberdade política de cada indivíduo. Um pouco quimérico, é verdade, esse regime poderia degenerar-se devido à falta de virtude por parte dos seus cidadãos, e a democracia seria, na verdade, uma corrupção desse regime constitucional. Os pobres aproveitavam-se disso para enriquecer impunemente.
Mas já não é mais assim.
“As democracias nascidas de1789 não são as dos antigos gregos.”
A Revolução Francesa modificou bastante esse regime. Se ainda leva o nome de democracia é porque o poder não vem de uma única pessoa, mas da maioria. Apenas a liberdade política de qual os gregos se orgulhavam, sujeita a leis mais ou menos baseadas na natureza, mudou. Essa liberdade tornou-se uma ausência de sujeição política, entendida como autonomia, tanto individual quanto coletiva, que já não tem mais limites. Sem Deus, sem mestre, não podem mais alegar que estabelecem as regras para uma ação social justa: as próprias leis são feitas por aqueles que governam. Essa autonomia fundamental é, uma portanto, prerrogativa do regime democrático. Hoje, democracia significa liberdade e vice-versa.
“A democracia tornou-se o regime político do liberalismo: sem Deus, sem mestre.”
Estamos obviamente muito longe da verdade proclamada por Leão XIII em 1888: “dizemos que o homem deve, necessariamente, permanecer inteiramente na dependência real e incessante de Deus e que, consequentemente, é absolutamente impossível compreender a liberdade do homem sem submissão a Deus e sujeição à sua vontade… Negar esta soberania de Deus e recusar submeter-se a ela não é liberdade, é abuso de liberdade e rebelião, e é precisamente a partir de tal disposição de alma que o vício capital do liberalismo se constitui e nasce.”
A Igreja Conciliar nunca cessou de examinar o homem moderno, esse democrata e liberal, om uma atenção que desafia todas as expectativas. Paulo VI declarou, em seu discurso de 7 de dezembro de 1965, durante a última sessão pública do Concílio: “A Igreja do Concílio não se contentou em refletir sobre a sua própria natureza e sobre as relações que a unem a Deus. Ela também preocupou-se muito com o homem, como ele realmente se apresenta em nosso tempo… homem inteiramente ocupado consigo mesmo… e uma simpatia ilimitada permeou todo o seu ser.”
E, em 8 de dezembro de 1965, Paulo VI concluiu o Concílio dirigindo-se, em primeiro lugar, aos detentores do poder: “a Igreja pede-vos apenas liberdade.” Esta proposição assustadora não apenas descoroou Nosso Senhor, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, mas também entregou o homem à sua própria autonomia.
Nesse mesmo discurso, o Papa também diz, benevolentemente às mulheres: “A Igreja orgulha-se de ter dignificado e libertado a mulher, de ter feito resplandecer, ao longo dos séculos, sua igualdade fundamental com o homem“. E concluiu dirigindo-se aos jovens da época: “A Igreja está preocupada com o fato de que essa sociedade que quereis constituir respeite a dignidade, a liberdade, os direitos das pessoas: e essas pessoas sois vós”. O Concílio defendeu, assim, claramente, a igualdade e a liberdade para todos, homens e mulheres, indivíduos e povos, igualdade e liberdade. Os jovens daquela época são os mestres hoje e são eles destilam esse liberalismo que envenena o mundo.
Infelizmente, hoje, vemos muitas dessas ideias extravagantes tomando conta da própria Igreja. Então, não poderia essa igualdade para todos, essa liberdade para todos, afetar também a própria Igreja? Poderia, então, mudar o seu regime e também tornar-se uma democracia moderna? O mistério está diante dos nossos olhos: estamos testemunhnado mudanças profundas que afetam a Igreja. Novas leis, agora, dão a todos os mesmos direitos, sejam homens ou mulheres, justos ou injustos: isso é “liberdade irrestrita” na própria Igreja.
Estamos aflitos, mas temos fé. Cremos na Igreja una, santa, católica e apostólica. Acreditamos, ainda hoje, e mais do que nunca, que Nosso Senhor Jesus Cristo fundou a sua Igreja, uma sociedade visível, monárquica, hierárquica, que é perpétua e durará até ao fim do mundo.
Pe. Benoît de Jorna, FSSPX
Fonte: Editorial da revista Fideliter n° 274