AS TENTAÇÕES CONTRA A PUREZA

Se esta virtude é bela, é também particularmente atacada. O mundo e o demônio se aliam, mobilizando contra ela todas as suas potências e todas as suas seduções. 

… Vós jovem cristã, agarrai-vos à Cruz de Jesus e, quando vier a tentação, haurireis na Cruz a força para resistir e a coragem para a vencer. Porque tereis de lutar! a tentação ai está que vos espreita e vos espera. Sobre esse assunto tão delicado, universalmente prático e ao mesmo tempo tão grave, precisais de idéias bem claras. 

Nessas horas críticas produz-se, geralmente, um emaranhado de pensamentos, de desejos, de lutas, de êxitos, de desfalecimentos, em que os sentidos, a imaginação, o coração, a vontade intervêm alternativamente; nesse labirinto aparentemente inextricável de atividades interiores convergentes ou opostas, muitos não sabem como se orientar, como se julgar, como conservar ou retomar a serenidade interior.

Em lendo estas linhas, e mais tarde quando a tentação vier agitar-vos, pairai pois acima desse campo de batalha íntimo; vereis melhor o papel que nele desempenha a vontade, e o que deve ser posto à conta da consciência nesses múltiplos assaltos.

a) Não vos admireis das tentações.

Raras são as almas que escapam a essa humilhante tortura; é como que uma inexóral necessidade. Coisa curiosa; temos vergonha de confessar essas misérias; imaginamos que os outros nunca tiveram de sentir essas dentadas dolorosas, e que basta sermos assaltado por uma tentação para ficarmos manchado! 

… Escutai São Paulo: 

Infeliz homem que sou, quem me livrará deste corpo de morte? Com medo de que a grandeza das minhas revelações não me ensoberbecesse, foi-me dado o estímulo da carne, o anjo de Satã esbofeteou-me!”

E Santo Agostinho:

Ó volúpia infernal, de ti vêm quase todos os males que enchem o mundo!”

Falando das lutas que teve de sustentar no momento da sua conversão, diz ainda ele:

“Minhas velhas paixões comprimiram-se em volta de mim, pegavam-me pela minha veste de carne, e procuravam arrastar-me ao mal!…”

Ah! Quem é então que não tem a sua veste de carne, esse manto de chumbo, essa túnica de fogo?

E São Jerônimo, que se condenara a viver nos desertos, é aí perseguido pelas imagens voluptuosas da cidade de Roma; vê-as protejar-se nas paredes da gruta onde, no ardor da luta, ele se mortificava batendo no peito com uma pedra!

Como então vos admirardes de que a tentação vos aflija também? Não! as pobres misérias ambulantes deste mundo farão bem em evitar esta loucura de um amor-próprio ferido.

b) Não vos pertubeis nas tentações.

Ficai calma! Quando o demônio pode lançar a perturbação num coração, aproveita-se disso para rebodrar seus assaltos. Mons. de Ségur escrevia a uma alma atormentada:

“Despreza essas imaginações más que tomas falsamente por pensamentos culpados; o pecado dos maus pensamentos não consiste em ter na mente o pensamento do mal, mas em se representar voluntariamente ações más como as fazendo e tomando nelas um prazer voluntário. Todas essas faíscas que o demônio te espalha diante dos olhos são simples fogos fátuos com que não te deves incomodar.”

E, depois, que é que prova a sanha do demônio senão que o vosso adversário ainda não ganhou nada?

Não se assedia uma cidade tomada! não se ataca um inimigo que se rende! toda derrota põe fim à luta, e a paz, uma triste paz, é adquirida pelos vencidos!

Demais, não esqueçais que não só a vós que o demônio ataca; é é o próprio Jesus Cristo que ele persegue em vós! Tal como sois, só desprezo podeis inspirar a esse gênio infernal; não se vê porque razão lhe podereis inspirar ódio!

Sim, é a Deus que ele ataca em vós! Deus Padre, de quem sois a imagem e filha; Jesus, que é e se diz vosso irmão; o Espírito Santo, de quem sois o templo! Eis o que lhe provoca a inveja, a cólera e o ódioAssim sendo, acreditais que Deus possa desinteressar-se de uma causa que se tornou a sua? Pode Ele ficar impassível, indiferente a uma luta que sustentais por Ele?

Ah! se este pensamento vos estivesse bem presente na hora da tentação, nunca seríeis vencida nem ficariéis perturbada! “Há muito mais gente conosco do que com eles“, dizia Eliseu ao seu servo espantado de ver um exército inteiro em perseguição do seu amo. E o discípulo do profeta viu então, a montanha coberta de cavaleiros celestes e de carros de fogo.

Durante a tentação, o céu inteiro está convosco, invisível mas real! Que força então! porque, 

“Se Deus está conosco, quem estará contra nós?”.

c) Não vos queixeis nas tentações.

A calmaria podre deixa brotrar virtudes franzinhas, magras, delicadas, que a menor borrasca carrega. Os grandes choques e as grandes lutas robustecem a alma e forjam o caráter. As almas que não têm às vezes sobressaltos não são, comumente, grandes almas. Na Escritura há sobre isto palavras bem consoladoras: 

“O Senhor vos tenta para saber se o amais de todo o coração!”

 (Deut. 13,3).

 E estoutra: 

“Porque eras agradável a Deus, necessário se fazia que a tentação viesse experimentar-te!” 

(Tob 12,13).

Depois disso, como nos queixarmos? Aliás, se o demônio se encarniça contra vós, é bom sinal, não se ataca um morto!

d) Muitas vezes a tentação é um grande bem.

1º – Torna-voa aguerrida;

2º – Dá-vos ensejo de provar a Deus o vosso amor;

3º – Leva-vos a fazer sacrifícios;

4º – Torna-vos, enfim, mais humildes e fortalece-vos na virtude.

É como um pé de vento que fez cair os galhos mortos e arraiga ainda mais a árvore vigorosa. Demais, toda resistência é um ato de vontade, de fé, de esperança e de amor.

e) Sentir não é consentir.

Diz São Francisco de Sales:

“É preciso ter grande coragem nas tentações, e não se julgar vencido enquanto elas desagradarem; porque sentir não é consentir, e pode a gente senti-las embora elas desagradem.”

f) Nosso coração é como um espelho, diz São Francisco de Sales.

O vidro do espelho representa ingenuamente a coisa que a ele está oposta, mas essa coisa não está no espelho. O mesmo se dá com o nosso coração. É um espelho onde o diabo pode representar tudo o que há de mais infame, mas só a nossa vontade é que pode abrir a porta e bele fazer entrar essas execrações. Faça, pois, o diabo tantas caretas quanto quiser, forme diante de vosso coração as imagens mais horrendas , tudo isso não vos torna culpado.

g) Mas a minha tentação durou muito tempo, direi vós!

Que importa! devesse ela durar a nossa vida toda, nem por isso seria um pecado. Há santos que foram tentados até à mortesem trégüa e sem repouso.

h) Receio ter consentido.

O consentimento, diz São Francisco de Sales, presume uma aquiescência da alma tão plena e uma determinação tão absoluta, que eu não quisera pôr o pecado capital senão numa aceitação da vontade que não deixa após si dúvida alguma. Enquanto a tentação vos desagradar, nada há a temer; porquanto, porque é que ela vos desagrada, senão porque não a quereis?”

i) Quando é que há pecado mortal?

Quanto a saber e a decidir por vós mesma, na dúvida, se pecastes gravemente ou não, isso às vezes pode-vos ser impossível, e a investigação inquieta a este respeito nunca é oportuna.

Para uma alma que não é escrupulosa, uma dúvida verdadeira supõe ter havido uma negligência bastante notável, de que é preciso pedir perdão a Deus, sem repisar mais nisso. Para uma alma habitualmente piedosa, a dúvida exclui o consentimento formal e deliberado, e portanto também o pecado mortalporquanto, nessa alma, o consentimento que produzisse o pecado mortal não passaria despercebido.

Em muitos casos, diz Santo Agostinho, é dificílimo, e mesmo perigoso, procurar esse discernimento.”

São Tomás e Santo Afonso Maria de Ligório usam da mesma linguagem.

Aí ainda, escutemos São Francisco de Sales:

“Quando não sabemos discernir se somos culpados, devemos-nos humilhar, pedir mais luz para outra vez, e esquecer inteiramente o que se passou; porque uma curiosa e solícita investigação vem do amor-próprio. Demais, à força de querermos investigar se, como e até onde havemos consentido, tornamos a tentação ainda mais perigosa, alimentando-a quando não mais deveríamos pensar nela.”

Formação da Donzela – Pe. José Baeteman

Fonte: A Grande Guerra