Prof. Paolo Pasqualucci (Courrier de Rome nº 387) – Tradução: Dominus Est
3. O juízo de Nosso Senhor é o Juízo de Deus
O juízo anunciado por Nosso Senhor é uma sentença inapelável. A sentença em si é um comando que aplica a justiça. Com efeito, dizemos que a sentença ou o julgamento, para serem verdadeiramente tais, devem ser justos. A justiça que se realiza no juízo de Nosso Senhor não é humana, mas divina. É o juízo de Deus, que conhece os corações, que tudo vê, que tudo sabe, que tudo perscruta; juízo infalível cuja sentença dura por toda a eternidade. Quem pode pensar em atacá-lo? «Todas as coisas estão a nu e a descoberto, aos olhos Daquele de quem falamos» (Heb. 4, 13).
Portanto, o juízo de Nosso Senhor é justo porque é o juízo de Deus. Por meio dele, Nosso Senhor aplica sobre nós a vontade de Deus. Fazer a vontade de Deus, servare mandata: essa atitude e esse comportamento já resumem para nós homens, durante nossa vida terrestre, todo o significado da justiça, tomado em seu fundamento sobrenatural. E essa vontade nos é conhecida. É ela que está contida na lei natural e divina, inata em nós (Rom. 2, 14-16), gravada no Decálogo, realizada pela pregação do Verbo encarnado (Mt. 5, 17).
E Aquele que julga depois da morte e que virá a julgar no final dos tempos, na Ressureição dos corpos, durante o tempo da Sua vida mortal aplicou a si mesmo, durante sua vida mortal, o princípio que Ele nos aplica para nos julgar. Com efeito, durante toda sua vida terrestre Ele sempre fez a vontade do Pai e jamais a sua; e Ele a fez com obediência perfeita, até ao «testemunho de sangue», até a morte na Cruz (Heb. 5, 7-10; 12, 4), sofrendo até o fim toda a atrocidade de um juízo injusto.
3.1. A obra da salvação se concilia com o juízo
Ensinando a Nicodemos o significado do homem novo, que é tal só se ele se regenera espiritualmente mediante a fé Nele, com a ajuda da Graça, Nosso Senhor especifica: «Porque Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu seu Filho unigênito, para que todo o que crê nele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou seu Filho ao mundo, para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não crê no nome do Filho unigênito de Deus. A condenação está nisto: A luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más» (Jo. 3, 16-19).
Os semeadores de enganos espalhados hoje entre nós isolam a noção de salvação contida no testemunho de São João, no versículo 17, para insinuar que a salvação do mundo, fim da vinda de Cristo, exclui em si todo tipo de juízo contra o próprio mundo, inclusive no juízo final e universal, cuja vinda não é negada expressamente, mas calada até fazer com que ela caia no esquecimento. Mas diante dessa falsa opinião, restabeleçamos a verdade.
Se Deus quisesse a Encarnação para condenar o mundo, então ela teria tido na prática o significado de um Juízo universal e ninguém escaparia. Em vez disso, o objetivo da Encarnação é a nossa salvação. Mas será a salvação daqueles que tiverem crido que Jesus é o Filho de Deus e que tiverem ouvido seus ensinamentos e adequado sua vida a eles, inclusive os justos que, encontrando-se fora da Igreja sem culpa de sua parte, tiverem recebido do Espírito Santo o batismo de desejo, explícito e implícito. Aquele que tiver acreditado «escapará do juízo». Devemos aí compreender que sua alma não irá para o Juízo como todas as outras? Não. No grego do Novo Testamento, o termo juízo (krísis) significa também condenação e portanto danação, e contém a ideia de juízo de condenação à danação (Zorell). É por isso que aquele que «escapar do juízo» é aquele que não morrerá em seus pecados, porquanto o juízo individual após a morte não o condenará ao inferno. Do contrário, será «julgado», ou seja, encontrado culpado e danado, aquele que não tiver acreditado e tiver rejeitado Cristo, comportando-se em conformidade a isso, ou seja, preferindo as trevas em vez da luz, as obras más em vez das boas, e essa constitui o que nós podemos considerar como a motivação do «juízo», ou seja, da condenação. Este será julgado, ou seja, encontrado culpado.
Deste ensinamento, compreendido corretamente segundo o magistério da Igreja, resulta então exatamente o contrário do que é difundido em nossos dias pelos clérigos infiéis, preocupados somente em agradar ao mundo: a salvação do mundo, que é necessariamente circunscrita àqueles que creem em Cristo, não somente não exclui mas implica, por via de consequência lógica, a danação de todos aqueles que tiverem conscientemente recusado a Cristo, preferindo suas obras más em vez do caminho da Santa Cruz, indicada por Ele. Tal é a vontade do Pai, como resulta claramente da Sagrada Escritura.
Esse ensinamento deriva de maneira ainda mais clara de uma outra célebre passagem do Evangelho segundo São João. Imediatamente após a última Ceia, replicando às massas e aos chefes, que não queriam crer Nele, Jesus disse: «Se alguém ouvir as minhas palavras e não as guardar, eu não o julgo, porque não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo. O que me despreza e não recebe as minhas palavras, já tem quem o julgue; a palavra que anunciei, essa o julgará no último dia. Com efeito, eu não falei por mim mesmo, mas o Pai que me enviou, ele mesmo me prescreveu o que eu devia dizer e ensinar. Eu sei que o seu mandamento é a vida eterna. As coisas, pois, que digo, digo-as como meu Pai me disse» (Jo. 12, 47-50).
Os errantes e traidores apossaram-se do versículo 47, isolando-o de seu contexto para distorcer seu sentido em favor de suas falsas doutrinas. Mas o sentido ortodoxo da passagem inteira é aquele que sempre foi ensinado pela Igreja, completamente oposto às heresias difundidas hoje. Aquele que não observa as palavras de Cristo após tê-las escutado é o pecador que despreza voluntariamente seu ensinamento. Mas ele não será julgado (por Cristo) neste mundo, assim como é verdade que é necessário deixar crescer o joio até o momento da colheita, como o diz a célebre parábola (Mt. 13, 24-30). Então quando ele será julgado? Imediatamente após sua morte, por sua alma, e o Dia do Juízo. No último dia, aquele do Juízo Universal, ele será julgado pela Palavra (logos) de Cristo. Ele será julgado por essa palavra que o Senhor pronuncia agora, por aquele ensinamento que o sujeito recusa agora. E por que o réu será julgado por essa palavra, que ficará pendurada no pescoço como uma pedra de moinho, para precipitá-lo para sempre no inferno? Porque essa palavra não vem de alguém que fala «por si mesmo» (como O caluniavam os fariseus). Essa palavra vem do Pai, e ela Lhe foi prescrita (entolén dídoken, mandatum dedit) pelo Pai. Ela é, portanto, a única Palavra que dá a vida eterna, sendo o mandamento do Pai a «vida eterna». A Palavra de Cristo, que vem do Pai, ensinada e escutada, constitui o fundamento do Juízo. É sobre ela que se fundarão as bases de acusação ou as absolvições. O juízo não é arbitrário. Ele se funda sobre um corpo doutrinal conhecido e arqui-conhecido, assim como sobre a infalível interpretação divina de nossas intenções e ações.