D. LEFEBVRE, CAUSA DA CRISE NA IGREJA? – PELO PE. JEAN-MICHEL GLEIZE, FSSPX

A edição de março da Revista  francesa La Nef inclui um dossiê especial de 22 páginas (páginas 12 a 33) dedicada à Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX) e com o subtítulo: “Qual lugar na Igreja?”. Sob a direção de Christophe Geffroy, é, na realidade, uma verdadeira acusação preparada ao trabalho de D. Marcel Lefebvre.

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

AS ACUSAÇÕES

Além de uma “breve história” (muito tendenciosa e não muito verdadeira) da Fraternidade São Pio X (pp. 12-17), o Sr. Geffroy publica a prosa do Cônego Albert Jacquemin, professor da Faculdade de Direito Canônico do Instituto Católico de Paris que, mais uma vez, tenta dar crédito à “situação de ruptura da comunhão eclesial” em que se encontra a FSSPX (pp. 18-19). A isso se acrescenta um artigo do jovem Matthieu Lavagna que, há algum tempo, repete aqui e ali os mesmos argumentos destinados a provar que a FSSPX nega a indefectibilidade da Igreja (pp. 20–22). Em seguida, vem outra tentativa do Padre Basile Valuet, de estabelecer a perfeita continuidade do Vaticano II com a Tradição nos três pontos problemáticos contestados pela FSSPX, a saber: a Liberdade Religiosa, o Ecumenismo e o Diálogo Inter-Religioso (p. 23–25). Segue-se uma reflexão do Padre Fabrice Loiseau, fundador da Sociedade dos Missionários da Divina Misericórdia, sobre “a tentação sedevacantista”, uma contribuição de Pierre Louis sobre a Traditionis custodes, buscando verificar se este documento poderia ou não justificar, a posteriori, as sagrações de 1988 (pp. 28–29), uma entrevista com o Padre Grégoire Celier, representante da FSSPX: “A FSSPX, sintoma da crise?” (p. 30–31) e, como epílogo, a eterna questão fetichista dos eclesiadeistas: “É possível um acordo?” (pág. 32–33). A revista também publica em seu site as “Respostas aos argumentos da FSSPX sobre as sagrações de 1988” já apresentadas no La Pensée catholique n° 250 de janeiro-fevereiro de 1991.

  • Christophe Geffroy: História tendenciosa ou história verdadeira?
  • Albert Jacquemin: Que ruptura e que comunhão?
  • Mathieu Lavagna: Indefectibilidade do Papa ou da Igreja?
  • Padre Basile: Continuidade a qualquer preço?
  • Fabrice Loiseau: As miragens obsessivas do sedevacantismo
  • Pierre Louis: O único sensato, a ser lógico.
  • Christophe Geffroy: Paz sem guerra?
  • Respostas falsas para argumentos verdadeiros.

Por que um ataque tão grande?

É o Padre Celier quem dá a explicação mais provável em uma das respostas dadas durante a entrevista (p. 31): “Durante 15 após o Motu Proprio de 2007, houve um período bastante favorável para aqueles que eram chamados de “Ecclesia Dei. Mas a situação deles continua precária: eles agora são alvo de intimidações e perseguições. Em Paris, por exemplo, metade dos lugares onde a Missa tradicional era celebrada foi suprimida com com um golpe de caneta: isso não é nada animador no que diz respeito à experiência da Tradição.

PRIMEIRA ACUSAÇÃO: UMA BREVE HISTÓRIA DA FSSPX

A história pode ser resumida nesta caricatura descarada: foi D. Lefebvre que veio perturbar a paz e a comunhão eclesial, porque:

Longe de se contentar em manter a Missa antiga e formar seus seminaristas da maneira ‘tradicional’, ele se engajou em uma batalha virulenta contra a reforma litúrgica e o Concílio Vaticano II, vendo nas três principais ‘novidades’ do Concílio – liberdade religiosa, ecumenismo e diálogo inter-religioso, colegialidade – uma apostasia” (p. 12), constituindo o Breve Exame Crítico do Novus Ordo Missae “uma diatribe de rara violência, sem benevolência ou nuance (p. 12).

Mas, na verdade, como ele poderia ter “formado tradicionalmente” sem se engajar em “um combate virulento” contra tudo o que se opunha à formação clássica? Aos olhos de Christophe Geffroy, combater o erro seria carecer de benevolência e nuance. Mas ainda é necessário ver onde está o erro…

O momento decisivo desta história é a Declaração de 21 de novembro de 1974:

Esta declaração, que rejeitava explicitamente a autoridade papal sobre as reformas em andamento, não pôde ser aceita por Roma, que exigiu uma retratação de D. Lefebvre. Foi sua recusa obstinada que levou às medidas romanas contra sua Fraternidade, que não tinha mais reconhecimento canônico nem existência legal a partir de 1975. Esta declaração de novembro de 1974 foi importante por várias razões: primeiro porque marcou o início do processo de rebelião que levaria às rupturas de 1976 e 1988; segundo porque permaneceu sendo a “Carta” constantemente reivindicada pelos líderes da FSSPX – ainda muito recentemente por ocasião do seu 50º aniversário (p. 13).

A partir daí, tudo aconteceu, irresistivelmente, para Christophe Geffroy. De fato, ver na Declaração de 21 de novembro o “início de um processo de rebelião” é situar a história das relações entre Roma e Ecône na dependência de uma visão legalista e ignorando totalmente a realidade da crise da Igreja. Ao custo de uma inversão radical, o bem da obediência torna-se superior ao bem da fé. Ou, mais precisamente, uma concepção distorcida de obediência leva o Sr. Geffroy a reduzir a fé à única dimensão das opiniões heterodoxas dos eclesiásticos contemporâneos.

As censuras dirigidas a D. Lefebvre pelo diretor da publicação da La Nef são extremamente reveladoras aqui:

As palavras de D. Lefebvre sugeriam uma noção de Igreja próxima à concepção protestante. Ele afirmava dar continuidade à Igreja porque somente com seus amigos mantinham a verdadeira fé: seria, portanto, a fé que indicaria onde está a Igreja – concepção protestante –, enquanto a doutrina católica ensina que onde está o Papa, onde está a Igreja, aí está a fé (p. 16).

D. Lefebvre manteve a verdadeira fé não “sozinho com seus amigos“, mas na obediência a 20 séculos de Magistério, precedido por todos os Papas e todos os Bispos antes do Vaticano II que se opuseram às falsas doutrinas do liberalismo ratificadas por este Concílio. O postulado protestante (que é o do modernismo) consiste em equiparar a fé à consciência e em afirmar que a Igreja é a assembleia das consciências, a consciência comum dos crentes: a consciência indica, portanto, onde está a Igreja. A doutrina católica ensina que, do ponto de vista constitutivo e essencial, onde está a fé, aí está a Igreja e aí está o Papa, porque é a profissão de fé que define e constitui o vínculo de unidade da Igreja e, com ela, o vínculo de unidade do governo, cujo objetivo é regular a profissão pública da verdadeira fé. Do ponto de vista do sinal e da visibilidade, é então correto dizer que onde está o Papa, está a Igreja e está a fé, mas trata-se então da visibilidade de um efeito que remete à sua causa. Do ponto de vista constitutivo, sem causa não há efeito, e sem fé não há Igreja nem Papa. Pois não é o Papa que constitui a profissão de fé da Igreja.

Pois o Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de S. Pedro para que estes, sob a revelação do mesmo, pregassem uma nova doutrina, mas para que, com a sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente o depósito da fé, ou seja, a revelação herdada dos Apóstolos. 

Concílio Vaticano I, constituição Pastor aeternus, capítulo IV, DS 3070.

E aqui, a visibilidade do efeito é a de uma constância na mesma profissão da mesma doutrina. De fato, “Pois a doutrina da fé, que Deus revelou, não foi proposta ao engenho humano como uma descoberta filosófica a ser por ele aperfeiçoada, mas foi entregue à Esposa de Cristo como um depósito divino, para ser por ela finalmente guardada e infalivelmente ensinada. Daí segue que sempre se deve ter por verdadeiro sentido dos dogmas aquele que a Santa Madre Igreja uma vez tenha declarado, não sendo jamais permitido, nem a título de uma inteligência mais elevada, afastar-se deste sentido” – Concílio Vaticano I, constituição Dei Filius, capítulo IV, DS 3020. 

O protestantismo – inconsciente – do Sr. Geffroy o leva a querer impor à Igreja docente de hoje o oposto do que a Igreja docente sempre impôs durante 20 séculos, e negar aos católicos o direito de se defenderem contra a invasão do neomodernismo na Igreja.

A Declaração de 21 de novembro de 1974 não faz mais do que manifestar em que consiste fundamentalmente o problema entre a Santa Sé e os bispos e padres da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. A explicação é simples: trata-se da divergência entre a Roma de hoje e a Roma de sempre, e essa divergência diz respeito ao modo de compreender e propor a doutrina revelada por Deus. É por isso que este problema não pode, de forma alguma, ser explicado pela atitude adotada até agora por D. Lefebvre e pela Fraternidade São Pio X em relação à Roma atual. O problema não é a Fraternidade São Pio X, mas sim a Roma de hoje, a Roma “de tendência neoprotestante e neomodernista”, como gostava de dizer Sua Excelência D. Marcel Lefebvre. É a Roma de hoje que apresenta um problema, pelo próprio fato de que em Roma os atuais membros da hierarquia, o Papa e os bispos, adotaram essa nova tendência protestante e modernista, rompendo assim com a Roma eterna. E fizeram isso por ocasião do Concílio Vaticano II. E cabe ao Sr. Geffroy provar-nos que seria diferente.

Pe. Jean-Michel Gleize, FSSPX

Continua…