Vidimus eum… despectum et novissimum virorum – “Vimo-lo… feito um objeto de desprezo e o último dos homens” (Is. 53, 3).
Sumário. Quem pudera jamais imaginar que, tendo o Filho de Deus vindo à terra a fazer-se homem por amor dos homens, viesse a ser tratado por eles com tamanhos insultos e injúrias, como se fosse o último e o mais vil de todos? No entanto, assim aconteceu. Jesus foi traído por Judas, negado por Pedro, abandonado por seus discípulos, tratado de louco, açoitado qual escravo, e, afinal, proposto ao homicida Barrabás, foi condenado a morrer crucificado. Ah! Se este exemplo de Jesus Cristo não cura o nosso orgulho, não há remédio que o possa curar.
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Diz Bellarmino que os desprezos causam mais pena às almas grandes do que as dores do corpo. Com efeito, se estas afligem a carne, aqueles afligem a alma, cuja pena é tanto maior quanto ela é mais nobre que o corpo. Mas quem teria jamais imaginado que o personagem mais digno do céu e da terra, o Filho de Deus, vindo ao mundo a fazer-se homem por amor dos homens, houvesse de ser tratado por estes com tamanhos desprezos e injúrias, como se fosse o último e o mais vil dos mortais? No entanto, assim aconteceu, pelo que Isaías disse: Vimo-lo desprezado e feito o último dos homens.
E que qualidade de afrontas não sofreu o Redentor em todo o tempo de sua vida, e especialmente em sua Paixão? Viu-se exposto a afrontas da parte de seus próprios discípulos. Um deles o traiu e vendeu por trinta dinheiros. Outro negou-o muitas vezes, mostrando assim que se envergonhava de o ter conhecido. Os outros discípulos, vendo-o preso e amarrado, fugiram todos e o abandonaram: Tunc discipuli eius, relinquentes eum, omnes fugerunt (1). Se Jesus Cristo foi tratado assim pelos seus próprios discípulos, faze-te uma idéia de como havia de ser tratado pelos seus inimigos mais encarniçados!
Ai, meu Senhor! No Sinédrio de Caifás vejo-Vos amarrado como um malfeitor; esbofeteado como homem insolente, declarado réu de morte como usurpador sacrílego da dignidade divina; e como homem já condenado ao suplício, vejo-Vos entregue à discrição de um canalha que Vos maltrata com pontapés, escarros e empurrões. Na casa de Herodes, Vos vejo, ó meu Jesus, feito alvo dos escárnios daquele rei impuro e de toda a sua corte; vejo-Vos coberto de um manto branco, tratado como ignorante e louco, e levado assim pelas ruas de Jerusalém. – No pretório de Pilatos, Vos vejo açoitado com milhares de golpes, qual servo rebelde, coroado de espinhos qual rei de teatro; posposto ao homicida Barrabás, e, finalmente, condenado a morrer crucificado. Por isso, vejo-Vos, por último, no Calvário, crucificado entre dois ladrões, praguejado, amofinado, insultado e feito o mais vil dos homens, homem de dores e opróbrios. Ai meu pobre Senhor!
As injúrias e os desprezos que Jesus Cristo quis sofrer no tempo de sua Paixão, foram tantos e tão grandes, que, no dizer de Santo Anselmo, não podia ser mais humilhado, do que realmente o foi. E o devoto Taulero diz que é opinião de São Jerônimo, que as penas sofridas por nosso Senhor, especialmente na noite que precedia a sua morte, só serão plenamente conhecidas no dia do juízo.
Mas para que tantos desprezos? É São Pedro quem no-lo diz: Jesus Cristo quis desta forma mostrar-nos quanto nos ama e ensinar-nos pelo seu exemplo a sofrermos resignadamente os desprezos e as injúrias: Christus passus est pro nobis, vobis relinquens exemplum, ut sequamini vestigia eius (2). Eis porque Santo Agostinho, falando das ignomínias padecidas pelo Senhor, conclui: “Se esta medicina não cura o nosso orgulho, não sei que outro remédio o possa curar!”
Ah, meu Jesus! Vendo um Deus tão desprezado por meu amor, não poderei eu sofrer o mais pequeno desprezo por vosso amor? Eu, pecador e orgulhoso? E d’onde, meu divino Mestre, me pode vir este orgulho? Pelos merecimentos das afrontas que tendes suportado por mim, dai-me a graça de sofrer, com paciência e com alegria, as afrontas e as injúrias. Proponho com vosso auxílio, d’aqui em diante, não me entregar mais ao ressentimento e receber com alegria todos os opróbrios de que eu possa ser alvo. Mereceria outros desprezos, porque desprezei a vossa divina Majestade e mereci os desprezos do inferno. E Vós, meu amado Redentor, me fizestes verdadeiramente doces e amáveis as afrontas, quando aceitastes tantas afrontas por meu amor. Proponho além disso, para Vos agradar, fazer todo o bem que eu puder àquele que me desprezar, ao menos dizer bem dele e orar por ele. Desde já Vos peço que acumuleis todas as vossas graças sobre os de quem tenha recebido alguma injúria. Amo-Vos, bondade infinita, e quero amar-Vos sempre com todas as minhas forças. – Ó minha aflita Mãe, Maria, alcançai-me a santa perseverança.
- Marc. 14, 50.
2. 1 Petr. 2, 21.
Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II – Santo Afonso