A salvação eterna não é só o mais importante, senão o único negócio que nesta vida nos impende (Lc 10,42). São Bernardo deplora a cegueira dos cristãos que, qualificando de brinquedos infantis certos passatempos da infância, chamam negócios sérios suas ocupações mundanas. Maiores loucuras são as néscias puerilidades dos homens.
“Que aproveita ao homem — disse o Senhor — ganhar o mundo inteiro e perder sua alma?” (Mt 16,26).
Se tu te salvas, meu irmão, nada importa que no mundo hajas sido pobre, perseguido e desprezado. Salvando-te, acabar-se-ão os males e serás feliz por toda a eternidade. Mas, se te enganares e te perderes, de que te servirá no inferno haveres desfrutado de todos os prazeres do mundo, teres sido rico e cortejado? Perdida a alma, tudo está perdido: honras, divertimentos e riquezas.
Que responderás a Jesus Cristo no dia do juízo? Se um rei enviasse um embaixador a uma grande cidade, a fim de tratar de um negócio importante, e esse ministro, em vez de ali dedicar-se à missão que lhe fora confiada, só se ocupasse de banquetes, festas e espetáculos, de modo que por sua negligência fracassasse a negociação, que contas poderia dar ao rei à sua volta? Do mesmo modo, ó meu Deus, que conta poderá dar ao Senhor no dia do juízo, aquele que, colocado neste mundo, não para divertir-se, nem enriquecer, nem adquirir honras, senão para salvar sua alma, infelizmente a tudo atendeu, menos à sua alma? Os mundanos não pensam no presente e nunca no futuro. São Filipe Néri, falando certa vez em Roma com um jovem talentoso chamado Francisco Nazzera, assim se expressou:
“Tu, meu filho, terás carreira brilhante: serás bom advogado, depois prelado, a seguir cardeal, quem sabe? talvez Papa… mas depois? e depois? Ide, disse-lhe alfim, pensai nestas últimas palavras.”
Foi Francisco para casa e, meditando no sentido daquelas palavras “e depois? e depois?” abandonou os negócios terrenos, deixou o mundo para ingressar na mesma congregação a que pertencia São Filipe Néri, e aí ocupar-se somente em servir a Deus.
Este é o único negócio, porque só temos uma alma. Certo príncipe solicitou a Bento XII uma graça que não podia ser concedida sem pecado.
Respondeu o Papa ao embaixador:
“Dizei a vosso soberano que, se eu tivesse duas almas, poderia sacrificar uma por ele e reservar a outra para mim, mas como só tenho uma, não quero perdê-la”
São Francisco Xavier dizia que no mundo há um só bem e um só mal. O único bem, salvar-se; condenarse, o único mal. A mesma verdade expunha Santa Teresa e suas religiosas: “Minhas irmãs, uma alma e uma eternidade”; o que quer dizer: há uma alma, e perdida esta, tudo está perdido; há uma eternidade, e a alma, uma vez perdida, para sempre o será. Por isso, David suplicava a Deus, e dizia: Senhor, uma só coisa vos peço: salvai-me a alma, e nada mais quero (Sl 26,4).
Com receio e com temor trabalhai na vossa salvação (Fl 2,12).
Quem não receia nem teme perder-se, não se salvará, porque para se salvar é preciso trabalhar e empregar violência (Mt 11,12). Para alcançar a salvação é necessário que, na hora da morte, apareça a nossa vida semelhante à de Nosso Senhor Jesus Cristo (Rm 8,29). Para este fim devemos esforçar-nos em evitar as ocasiões perigosas e empregar os meios necessários para conseguir a salvação.
“O reino dos céus não se dará aos indolentes — diz São Bernardo, — senão aos que trabalharam no serviço do Senhor”.
Todos desejariam salvar-se, mas sem o menor incômodo.
“O demônio — diz Santo Agostinho — trabalha sem repouso para perder-te, e tu, tratando-se de tua felicidade ou de tua desgraça eterna, tanto te descuidas?”.
AFETOS E SÚPLICAS
Ó meu Deus! quanto vos agradeço terdes permitido que me ache agora a vossos pés e não no inferno, que tantas vezes mereci! De que me serviria a vida que me reservais, se continuasse a viver privado de vossa graça?… Ah, nunca mais será assim! Volteivos a costas, e vos perdi, meu Sumo Bem!… Mas arrependo-me de todo o coração… Oxalá tivesse eu morrido antes mil vezes! Perdi-vos, mas vosso Profeta me assegura que sois todo bondade e que vos deixais achar pelas almas que vos procuram. Se no passado me afastei de vós, ó Rei de minh’alma, agora vos procuro… A vós somente procuro, Senhor. Amar-vos com todas as minhas forças. Aceitai-me e não vos indigneis de que vos ame este coração que outrora vos desprezou. Ensinai-me o que tenho a fazer para vos agradar (Sl 143,10), pois desejo pô-lo em prática. Ó meu Jesus, salvai esta alma que redimistes com vossa vida e vosso sangue.
Dai-me a graça de vos amar sempre nesta vida e na outra. Assim o espero pelos vossos infinitos merecimentos.
E também, Maria Santíssima, por vossa poderosa intercessão.
Preparação para a morte – Santo Afonso