É necessário o cuidado de nos acharmos em qualquer tempo, como quiséramos estar na hora da morte.
“Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor” (Ap 14,13).
Diz Santo Ambrósio que morrem felizmente aqueles que ao morrer já estão mortos para o mundo, ou seja desprendidos dos bens que por força então hão de deixar. Por isso, é necessário que desde já aceitemos o abandono de nossa fazenda, a separação de nossos parentes e de todos os bens terrenos. Se não o fizermos voluntariamente durante a vida, forçosa e necessariamente o teremos de fazer na morte, com a diferença de que então não será sem grande dor e grave perigo de nossa salvação eterna. Adverte-nos, neste propósito, Santo Agostinho, que constitui grande alívio, para morrer tranquilo, regular em vida os interesses temporais, fazendo previamente as disposições relativas aos bens que temos de deixar, a fim de que na hora derradeira somente pensemos em nossa união com Deus. Convirá então só ocupar-se das coisas de Deus e da glória, pois são demasiadamente preciosos os últimos momentos da vida para dissipá-los em assuntos terrenos. No transe da morte se completa e se aperfeiçoa a coroa dos justos, porque é então que se recolhe a melhor soma de méritos, abraçando as dores e a própria morte com resignação ou amor.
Mas não poderá ter na morte estes bons sentimentos quem neles não se exercitou durante a vida. Para este fim alguns fiéis praticam, com grande aproveitamento, a devoção de renovar em cada mês o protesto da morte, com todos os atos em tal transe próprios de um cristão, e isto depois de receber os sacramentos da confissão e comunhão, imaginando que se acham moribundos e a ponto de sair desta vida.
O que se não faz na vida, difícil é fazê-lo na morte. A grande serva de Deus, irmã Catarina de Santo Alberto, filha de Santa Teresa, suspirava na hora da morte, exclamando:
“Não suspiro, minhas irmãs, por temor à morte, pois há vinte e cinco anos que a espero; suspiro porque vejo tantos pecadores iludidos que esperam para reconciliar-se com Deus até à hora da morte, quando apenas poderão pronunciar o nome de Jesus”.
Examina, pois, meu irmão, se teu coração tem apego a qualquer coisa da terra, a determinadas pessoas, honras, riquezas, casa, sociedade ou diversões, e considera que não hás de viver aqui eternamente.
Virá o dia, talvez próximo, em que deverás deixar tudo. Por que, neste caso, manter o afeto nessas coisas, correndo risco de ter morte inquieta?…
Oferece-te, desde já, por completo a Deus, que pode, quando lhe aprouver, privar-te desses bens. Quem quiser morrer resignado, há de ter resignação desde agora em todos os acidentes contrários que lhe possam suceder; e há de afastar de si os afetos às coisas da terra. — Afigura-te que vais morrer — diz São Jerônimo — e facilmente conseguirás desprezar tudo.
Se ainda não escolheste estado de vida, toma aquele que na hora da morte quererias ter escolhido e que possa proporcionar-te um trânsito mais consolador à eternidade. Se já tens um estado, faze tudo que ao morrer quiseras ter feito nesse estado. Procede como se cada dia fosse o último da vida, cada ação a derradeira que praticas; a última oração, a última confissão, a última comunhão. Imagina que estás moribundo, estendido sobre o leito, e que ouves aquelas palavras imperiosas: Sai deste mundo. Quanto estes pensamentos nos podem ajudar a caminhar bem e a menosprezar as coisas mundanas!
“Bem-aventurado aquele servo, a quem o seu senhor, quando vier, achar procedendo assim” (Mt 24,46).
Aquele que espera a toda hora a morte, ainda que esta venha subitamente, não pode deixar de morrer bem.
AFETOS E SÚPLICAS
Todo cristão, quando se lhe anuncia a hora da morte, deve estar preparado para dizer o seguinte: Senhor, restam-me poucas horas de vida; quero empregá-las em amar-vos quanto posso, para entrar na eternidade amando-vos. Pouco me resta para vos oferecer, mas ofereço-vos estas dores e o sacrifício que vos ofereceu por mim Jesus Cristo na cruz. Poucas e breves são, Senhor, as penas que padeço, em comparação com as que hei merecido; mas, tais como são, abraço-as em sinal do amor que vos tenho.
Resigno-me a todos os castigos que me queirais infligir nesta e na outra vida. Contanto que possa amar-vos eternamente, castigai-me quanto vos aprouver. Peço não me priveis de vosso amor. Reconheço que não mereço amar-vos por haver tantas vezes desprezado o vosso amor, mas vós não podeis repelir uma alma arrependida. Pesa-me, ó Suma Bondade, de vos ter ofendido. Amo-vos com todas as verás do meu coração, e em vós deposito toda a minha confiança, ó Redentor meu! Nas vossas mãos chagadas encomendo a minha alma… Ó meu Jesus, para salvar-me derramastes todo o vosso sangue. Não permitais que me aparte de vós (Sl 30,6). Amo-vos, Eterno Deus, e espero amar-vos durante toda a eternidade… Virgem e Mãe minha, ajudai-me na minha última hora! Entrego-vos minha alma! Dizei a vosso Filho que tenha piedade de mim! A vós me recomendo: livrai-me da condenação eterna!
Preparação para a morte – Santo Afonso