Fonte: FSSPX – Distrito da Espanha e Portugal
Elevado no alto do Calvário, pregado no madeiro entre o Céu e a terra, Nosso Senhor não sofria apenas no corpo, mas contemplava com os olhos da alma tudo o que se passava à Sua volta… e muito mais além. Desde a Cruz, Jesus via.
Via os Seus, via os inimigos, via os que choravam, os que fugiam, a Sua Mãe…
E também te via a ti.
Esta meditação convida-nos a entrar nesse momento sagrado, a olhar o mundo e a nossa própria vida com os olhos de Cristo crucificado, e a deixarmo-nos olhar por Ele com ternura e verdade.
Porque o Seu olhar não foi de acusação, mas de redenção.
Não foi de condenação, mas de compaixão.
E esse olhar… ainda hoje te procura.
1 – Via a cegueira do seu povo
Do alto da Cruz, Jesus não via apenas as pedras de Jerusalém… via os corações endurecidos do seu povo.
O povo eleito… aquele que Ele próprio alimentara no deserto, instruíra através dos profetas, libertara tantas vezes… agora gritava: “Crucifica-O!”
Via os fariseus, orgulhosos por O terem silenciado.
Via os escribas, convencidos da sua própria justiça.
Via o Sinédrio, satisfeito por tê-Lo condenado.
Via aquelas bocas que, dias antes, O aclamavam como Rei e agora pediam a Sua morte.
Santo Tomás de Aquino ensina que “Deus permite a cegueira espiritual como castigo de um coração que não quer ver” (Suma Teológica, II-II, q.15, a.1).
A cegueira dos judeus não era simples ignorância: era recusa voluntária da Luz.
São Afonso Maria de Ligório escreve com tristeza:
“Infeliz da alma que tem a Verdade diante de si e prefere permanecer nas trevas! Que ferida profunda causam no Coração de Jesus os olhos que se recusam a ver!”
Jesus via isto… e não amaldiçoava. Não se vingava.
Chorava em silêncio. Tal como chorara dias antes sobre Jerusalém:
“Jerusalém, Jerusalém… quantas vezes quis reunir os teus filhos como a galinha reúne os pintainhos debaixo das asas, e tu não quiseste!” (Lc 13, 34)
A Sua dor era a de um Deus rejeitado por aqueles que mais amava.
2 – Via a ausência dos seus amigos
Uma das dores mais agudas…
Onde estavam os Doze? Os Seus apóstolos? Os amigos a quem confiara tudo?
Pedro, o impetuoso, que prometera dar a vida por Ele, escondera-se com medo… depois de O negar três vezes.
Os outros tinham fugido.
Jesus via os lugares vazios. Sabia quem faltava.
E sentia o abandono.
Só João estava ali.
E mesmo essa presença fiel era uma espada, pois mostrava que era possível permanecer… mas os outros não quiseram.
Santo Tomás comenta que Cristo quis experimentar até o abandono, “para resgatar até os pecados da traição.”
São Afonso escreve:
“Os amigos fogem quando chega a cruz; só o verdadeiro amor permanece. E o Coração de Jesus, traído, amou ainda mais.”
Desde a Cruz, Cristo ensina-nos que a amizade verdadeira prova-se na hora da dor.
3 – Via o bom ladrão
À sua direita… uma alma brilhava no meio da escuridão: o bom ladrão.
Um homem que desperdiçara a vida… e agora, nos seus últimos momentos, reconhecia-O como Rei.
“Senhor, lembra-Te de mim quando estiveres no Teu Reino.”
Jesus via aquele coração arrependido…
E respondia com uma promessa inesperada:
“Hoje estarás comigo no Paraíso.”
São Afonso exclama:
“Foi um ladrão o primeiro a entrar no Paraíso. Ó misericórdia divina! Ó triunfo do amor que não se deixa vencer nem por uma vida inteira de pecado!”
Jesus via no bom ladrão o primeiro fruto da Sua Cruz.
E dá-nos esperança: ninguém está tão perdido que não possa ser salvo, se houver arrependimento sincero.
4 – Via as mulheres piedosas
Um pouco afastadas, chorando, estavam as santas mulheres.
Não tinham poder. Não podiam impedi-Lo de ser crucificado.
Mas estavam lá.
Tinham lágrimas.
Tinham fidelidade.
Tinham amor.
Jesus olhou para elas… e disse:
“Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai antes por vós e pelos vossos filhos.” (Lc 23, 28)
Santo Tomás vê aqui um gesto missionário: mesmo na Cruz, Cristo chama à conversão.
São Afonso comenta:
“As lágrimas que nascem do amor e da compaixão são como sementes de salvação. Aquelas mulheres, sem o saberem, inauguravam a Igreja fiel.”
Jesus recolhe as suas lágrimas como um tesouro.
Porque as lágrimas de quem ama não são inúteis.
São oferendas silenciosas.
5 – Via a sua Mãe
A mais terna e mais dolorosa de todas as visões.
Maria.
Ali estava Ela. De pé.
Não desmaiava. Não fugia.
Sofria… mas permanecia firme, como uma rocha.
O olhar de Jesus e o olhar de Maria encontram-se.
Sem palavras. Mas dizem tudo.
Dois Corações unidos na dor e no amor.
São Afonso escreve:
“Maria não cravou os pregos, mas ofereceu o seu Filho com o coração. Foi a sacerdotisa silenciosa do Calvário.”
E então, Jesus, com as Suas últimas forças, diz:
“Mulher, eis o teu filho.”
“Filho, eis a tua Mãe.”
Ele faz o seu testamento.
E não nos deixa riquezas…
Deixa-nos a Sua Mãe.
Dá-nos Maria como consolo eterno junto de todas as nossas cruzes.
Depois de contemplarmos o que Jesus viu no Calvário naquele dia, queremos agora meditar num ponto ainda mais pessoal e profundo:
o que Jesus vê em ti, hoje, desde a Cruz.
Porque o Seu olhar não ficou preso ao ano 33.
Do alto da Cruz, Ele já te via a ti.
Conhecia-te. Amava-te. E olhava para ti com uma ternura sem fim… e com esperança.
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1 – Jesus vê-te… e não te despreza
Sim, Jesus vê a tua miséria.
Vê os teus pecados.
Vê quantas vezes, como Pedro, o negaste…
Quantas vezes, como os outros apóstolos, fugiste…
Quantas vezes foste indiferente, fraco, ingrato.
Mas Ele não desvia o olhar.
Não se envergonha de ti.
Do alto da Cruz, olha-te com compaixão, não com condenação.
Como dizia São Afonso Maria de Ligório:
“Jesus vê-nos não como somos agora, mas como podemos vir a ser com a Sua graça.”
Olha-te como olhou Pedro depois da negação: com um amor que quebra o coração e convida ao arrependimento.
2 – Jesus vê-te… e espera por ti
Vê-te longe… e espera. Vê-te distraído, ferido, desanimado…
E espera.
Não grita. Não força. Mas continua de braços abertos.
Não por causa dos cravos. Mas por amor.
Como o pai do filho pródigo.
Como esperou pelo bom ladrão até ao último instante.
Jesus olha-te desde a Cruz… e espera.
São Afonso dizia:
“Jesus está na Cruz com os braços abertos, para acolher todo o pecador que se volte para Ele.”
Que consolo saber que mesmo na nossa miséria… alguém nos espera com amor.
3 – Jesus vê-te… e espera a tua santidade
Jesus vê-te como és agora…
Mas também como podes ser com a Sua graça.
Vê-te generoso, puro, fiel, alegre.
Vê-te santo.
Como o escultor que olha para o mármore e já vê a obra-prima.
Como o jardineiro que contempla a semente e já imagina o jardim em flor.
Santo Tomás de Aquino dizia que Deus vê “não apenas os actos presentes, mas a ordem de toda a vida.”
Jesus acredita mais em ti do que tu próprio.
E da Cruz, chama-te à tua verdadeira grandeza.
4 – Jesus vê-te… e recorda o quanto sofreu por ti
Cada gota de sangue.
Cada espinho.
Cada bofetada.
Cada palavra de escárnio.
Tudo foi por ti.
Ele já te tinha no coração.
E mesmo vendo os teus pecados… não quis descer da Cruz.
Como diz São Paulo:
“Amou-me, e entregou-se por mim.” (Gál 2,20)
Sim, por ti. Com o teu nome. Com a tua história.
Tu foste o motivo da sua entrega.
São Afonso escrevia:
“Se só tu precisasses de redenção, Ele teria sofrido tudo o mesmo, só por ti.”
5 – Jesus vê-te… e entrega-te a Sua Mãe
Como fez com João, também te entrega Maria.
Olha para Ela… e olha para ti.
E diz:
“Filho, eis a tua Mãe.”
Porque sabe que vais precisar de consolo.
De protecção.
De ternura.
De uma presença junto à tua cruz.
E não há melhor Mãe do que a d’Ele.
São Afonso dizia:
“Quem tem Maria por Mãe, nunca está sozinho nem desamparado.”
Do alto da Cruz, Jesus dá-te o maior presente depois da salvação: a Sua Santíssima Mãe.
Conclusão
Como respondes a este olhar?
Ele vê-te.
Com as tuas quedas.
Com as tuas lutas.
Com os teus medos.
Mas ama-te. Profundamente.
Hoje, Jesus do alto da Cruz olha para ti e pergunta, com infinita doçura:
— Queres voltar para Mim?
— Deixas-Me curar-te?
— Deixas-Me amar-te?
— Permites que te mostre quem realmente és?
Agora… olha tu para Ele.
Mesmo com lágrimas.
Mesmo com vergonha.
Mesmo sem palavras… olha.
E diz, como o bom ladrão:
“Senhor, lembra-Te de mim…”
“Não me deixes afastar mais.”
“Toma a minha miséria… mas não largues a minha mão.”
E ouvirás, lá no fundo da tua alma, a Sua voz amorosa, que rompe qualquer treva:
“Hoje estarás comigo no Paraíso.”