Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est
“Este artigo foi publicado no Courrier de Rome em maio de 2020. Notícias recentes nos levam a oferecê-lo novamente.”
1- A paz mantém uma profunda afinidade com a unidade. Pois a paz é a tranquilidade da ordem e a ordem é uma certa forma de unidade. Estamos em paz quando não estamos dispersos, dissipados, divididos, mas antes ao contrário: unidos e unificados em nosso conhecimento e em nosso amor. A perturbação, contrária à paz, ocorre quando nossa inteligência tem dúvidas, porque ou ela é solicitada em duas considerações contrárias ou quando nossa vontade está dividida entre dois desejos opostos.
2 – O surgimento do Coronavirus, sobre o qual tanto temos falado, provocou medidas restritivas e repressivas sem precedentes em todo o mundo. Estas têm sido ocasião de uma crise econômica e financeira incomparáveis. E tudo isso mostra como é fácil agora para nossos líderes colocar quase toda a população mundial sob controle.
3 – Há cerca de três meses, muitas pessoas têm compartilhado reflexões que esses diferentes eventos suscitam. Seria talvez demasiado fácil designá-los como “conspiradores” e é, de fato, a vantagem de tais slogans dispensar a reflexão e dar o pretexto fácil para uma rejeição que nenhuma motivação séria pode apoiar. Os slogans geralmente são claros e diretos, como qualquer coisa simplista. Além desse ostracismo do slogan, vamos pensar um pouco. O que é um “conspirador“?
4 – Em certo sentido, somos todos mais ou menos assim, pois “Todo homem deseja naturalmente conhecer“, diz Aristóteles. Todos buscamos explicações e isso é inevitável, porque está profundamente enraizado em nossa natureza humana: sempre procuramos saber “por quê?” E, ao fazer isso, buscamos conhecer as causas. Pois, precisamente, o saber e a ciência consistem no conhecimento das causas, em buscar o “porquê“. Nesse sentido, todo homem é evidentemente um teórico da conspiração, e, para ele não o fosse, teria de ser despojado de sua natureza humana!
5 – Existe, entretanto, Causa e causa. Vamos distinguir entre Causa e causa e também distinguiremos os diferentes tipos de teóricos da conspiração.
6 – Certamente, sempre há a causa absolutamente primeira: Deus e sua Providência. É elevando-nos ao nível desta Causa das causas que somos verdadeiramente sábios e filósofos; mais sábios até mesmo do que os próprios filósofos: teólogos. No entanto, esta causa, mesmo que por um lado explique tudo, pelo outro ela não explica tudo! E é por isso que nosso desejo natural de saber tem tanta dificuldade em se satisfazer. Na verdade, a Causa Primeira é apenas a primeira e, se ela explica tudo, representa uma explicação comum a todos os efeitos. Esses efeitos se explicam também por outras razões e por outras causas muito particulares. A doença é permitida por Deus em vista da nossa santificação, para nos dar a oportunidade de redimir nossas faltas; mas também é explicada pelos germes (e existem todos os tipos deles) ou por nossas deficiências imunológicas (que podem ser muito variadas). A ciência, que é apenas ciência, não sabedoria, mas conhecimento especializado e erudito, busca esse tipo de explicação e, até certo ponto, satisfaz nosso desejo de saber. Esta medida é legítima, desde que as explicações sejam suficientemente sólidas e comprovadas. E desde que esta explicação pelas causas particulares, de ordem inferior, permaneça subordinada à explicação pela Causa Primeira, Causa das causas: a ciência, que é o conhecimento das causas criadas, não deve excluir a sabedoria, que é o conhecimento da Causa incriada. Se nossa ciência estiver ordenada sob a nossa sabedoria, então estamos em ordem. Por conseguinte, estamos em paz, porque estamos em posse daquela tranquilidade da ordem que é a paz, porquanto estamos na unidade. A unidade de nosso conhecimento adequadamente hierarquizado. Até aqui, os teóricos da conspiração ainda são pessoas honestas e pacíficas.
7 – As dificuldades começam quando a busca pelas causas particulares nem sempre é bem sucedida. É então que ela se estagna e se dispersa. Muitos elementos nos escapam, o que significa que aqueles que não nos escapam não são suficientes porque permanecem parciais demais. E mesmo se conseguirmos conhecê-los, eles oscilam, eles mudam e eventualmente escapam de nós novamente. Os “porquês” suscitam incessantemente outros “por quês?” e por não podermos deter-nos para fixar-nos num conhecimento ordenado, perdemos a paz. O bom senso é sempre suficiente para nos dizer que, além das explicações muito óbvias que nos são apresentadas por outros, há provavelmente em algum lugar outras explicações particulares que ignoramos, e que elas existem mesmo se as ignorarmos. E a sabedoria também é sempre suficiente para nos dizer que todas essas explicações particulares que talvez não saibamos estão nas mãos do Bom Deus. E é precisamente quando a explicação pelas causas particulares permanece insuficiente ou muito parcial que nosso desejo de saber deve ser satisfeito com a Causa das causas: ela sempre explica tudo, mesmo que não nos explique tudo, pelo menos por enquanto. A curiosidade é uma distorção – um desvio – do nosso desejo natural de saber: consiste em querer conhecer explicações particulares que nos permanecem inacessíveis e das quais talvez não necessitamos. A ciência, então, corre o risco de nos fazer esquecer – ou desprezar – a sabedoria.
8 – Eis a tentação que enfrentamos nestes tempos de pandemia e confinamento. A tentação do conhecimento que nem sempre está em ordem. Basta-nos saber que, se Deus decide não impedir a ação de todos os demônios do globalismo, é porque Ele é Deus, ou seja, suficientemente sábio para dominar o jogo de todas as causas particulares até o fim, mesmo que estas nos escapem.
9 – Os santos costumam ser “falsamente ingênuos” e é por isso que todos nós os amamos. Essa falsa ingenuidade representa – involuntariamente, mas nunca de forma verdadeiramente ingênua – uma lição viva. Uma lição viva, todos somos sempre, e antes de tudo para nós mesmos, especialmente quando somos realmente ingênuos. Mas a lição é ainda maior e mais interessante para aqueles que são falsamente ingênuos. Sentado sobre o esterco e com o corpo coberto de pústulas, o santo Jó meditava antecipadamente sobre a palavra do Evangelho: “Nenhum de seus cabelos cairá sem a permissão do Pai Celestial“. Foi ingênuo? Poderíamos nos perguntar, na primeira leitura desta história sagrada, se ela não foi um tanto heróica. Mas com o retrospecto de muitas leituras, e no final (esperamos) desta loucura do Coronavírus, poderemos também perceber que Jó não era um teórico da conspiração.
Pe. Jean-Michel Gleize, FSSPX