OS FALSOS FUNDAMENTOS DO CARISMATICISMO

FSSPX Distrito da América do Sul — Tradução: Dominus Est

Conquanto a “renovação carismática” não é católica em suas origens, boas razões poderiam tê-la justificado mais tarde. Mas não foi assim: estudemos, portanto, os fundamentos falsos e heréticos desse movimento.

Pretensos fundamentos escriturísticos

O movimento procura justificar-se nos capítulos 12 a 14[1] da primeira Carta de São Paulo aos Coríntios. A semelhança entre o movimento pentecostal e o ocorrido em Corinto é apenas superficial, pois os dois acontecimentos concordam unicamente em ambos pretender a recepção do Espírito Santo e alguns carismas: línguas, curas, profecias; de resto, diferem radicalmente. Assim:

  • Em Corinto não havia nem Batismo do Espírito, nem imposição de mãos, nem muito menos tentativas de organizar reuniões de oração ou retiros para distribuir o Espírito Santo.
  • Das Cartas de São Paulo se deduz que o fenômeno não estava generalizado na Igreja, mas limitado exclusivamente a Corinto. Ademais, uma vez comprovados aqueles abusos, desapareceram e deles não mais se ouviu falar na Igreja até o ano de 1966.
  • Em Corinto, os carismáticos falavam “línguas estranhas”, ao contrário dos pentecostais, que emitem sons estranhos e um balbuciar que não pode ser a língua da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.

Os pentecostais também acrescentam alguns episódios dos Atos dos Apóstolos, especialmente a efusão do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Procuram trazer à mente de todo cristão aquela grande experiência mística: “por que” — questionam eles — “devemos privar um cristão daquele dom incomparável, tão necessário para uma vida cristã fervorosa?” A isso pode se responder dizendo:

  • No primeiro Pentecostes, a experiência mística e sensível do Espírito Santo, junto aos carismas de línguas, profecias e curas, foi concedida apenas aos Apóstolos e, provavelmente, aos discípulos presentes no Cenáculo, mas não ao resto dos convertidos que naquele dia foram batizados.
  • Os Apóstolos falavam em um idioma — o arameu —, enquanto os ouvintes os ouviam falar cada qual em sua própria língua (grego, latim, parto, elamita, etc.). Evidentemente, é totalmente diferente do que acontece nos encontros carismáticos de oração.
  • No que se refere ao capítulo 8 dos Atos dos Apóstolos — que relata como o Espírito Santo desceu sobre os recém convertidos da Galileia pelo ministério de Pedro e João, após a evangelização do diácono Filipe —, a interpretação da Igreja é o que trata do sacramento da Confirmação.

Os outros textos do Novo Testamento, que geralmente são apresentados, podem ser reduzidos a uma explicação mais coerente do que a que foi pretendida pelos carismáticos. Que após a imposição de mãos de Ananias, Saulo recuperou a visão e ficou repleto do Espírito Santo, entende-se a missão especial que ele teria que cumprir nesse caso, especialmente se se repara que Ananias era sacerdote. Exceto nesse caso, não o vemos impondo suas mãos aqui e acolá.

Que Paulo, encontrando discípulos de João Batista em Éfeso, batizou-os e impôs-lhes as mãos, tendo em seguida o Espírito Santo descido e eles começaram a falar em línguas e a profetizar, justifica-se pelo fato de que Paulo já era Bispo.

Fora destes textos, não há outras provas da efusão externa do Espírito Santo. E isto porque Cristo jamais prometera tais experiências místicas e dons extraordinários aos cristãos, nem deu qualquer provisão para transmiti-los por meio de ritos particulares. Ele instituiu, sim, o sacramento da Confirmação, que a Igreja sempre administrou e através do qual cada cristão participa na efusão do Espírito Santo, mas este Espírito não é conferido com sinais externos e milagres, senão silenciosa e misteriosamente, como nos demais sacramentos.

A Igreja jamais conheceu semelhante Batismo do Espírito. Se isso fosse verdadeiro, não seria um simples sacramento, mas um “super sacramento”, superior aos outros sete, porque não produziria somente a graça interna, mas, também, uma plenitude semelhante a do dia de Pentecostes; além disso, uma efusão externa milagrosa e, por fim, conferiria também dons milagrosos — curas, profecias e línguas — todos contrários à fé.

Se o que os pentecostais afirmam do Batismo do Espírito fosse verdadeiro, onde deveria ser colocada a Confirmação na vida cristã? Eles tendem a se esquivar desta espinhosa questão e, não podendo abertamente negar este sacramento, relegam-no a um plano secundário. Por isso Ranaghan diz que

“pode-se estar mais seguro do que significa estar batizado no Espírito Santo, do que o que significa estar confirmado”.

Diante disso, o Concílio de Florença afirmou claramente que a confirmação é o Pentecostes de todo cristão. Portanto, de duas uma: ou o Batismo do Espírito é verdadeiro e a confirmação falsa, ou a confirmação é verdadeira e o Batismo do Espírito é falso. Não podem ser verdadeiras as duas coisas.

Exame dos chamados carismas

  1. O dom da cura

Ouvindo os carismáticos, pareceria que os milagres fossem comuns e, portanto, uma prova da origem divina do movimento. No entanto, para que uma cura seja milagrosa, são necessárias três condições:

  • que todas as causas naturais capazes de operar uma cura súbita sejam excluídas;
  • que o fato seja submetido a um cuidadoso exame por médicos, cientistas e teólogos, e
  • que a decisão final seja proferida pela autoridade competente.

Agora vejamos, nenhuma das três condições se cumprem no pentecostalismo: eles creem nos milagres pelo simples testemunho daqueles que os recebem. Mais do que milagres, são fatos triviais, milagres “psicológicos” e coisas desse tipo.

Um milagre só pode ter três causas possíveis. Em primeiro lugar, Deus. Neste caso, deve-se estabelecer que são verdadeiros milagres, onde não há vestígios de orgulho, ostentação ou autossatisfação, muito presentes no carismatismo. Em segundo, processos psicológicos. Afirmam que alguns convertidos abandonaram seu hábito de beber; mas todos sabem que os membros dos Alcoólicos Anônimos alcançam resultados semelhantes sem qualquer recurso ao “espírito” invocado pelos pentecostais… Terceiro, o demônio. Sem dúvida que o maligno pode operar alguns “milagres”, especialmente em uma atmosfera carregada de emotividade.

O dom de línguas

Ao que foi dito anteriormente, poderíamos acrescentar algumas outras considerações, porque os pentecostais apreciam muito este “dom”.

Até recentemente eles o consideravam como uma prova definitiva da efusão do Espírito Santo. Se assim fosse, quando o mais normal dos cristãos recebe um sacramento, ele não pode estar muito seguro de tê-lo recebido por causa da ausência de fenômenos externos. A segurança que temos é a fé na promessa de Cristo, atestada pela autoridade da Igreja: uma fé que quase nunca se apoia em sentimentos ou experiências.

Nossa perplexidade aumenta se repararmos na natureza do “carisma”, porque as línguas faladas pelos pentecostais não são sons humanos, mas ininteligíveis. As línguas mencionadas nos Atos dos Apóstolos e na Carta aos Coríntios eram idiomas verdadeiros.

No entanto, os pentecostais ensaiam sua explicação: argumentam a possibilidade de rezar “não objetivamente, de uma maneira pré-conceitual”. Esta noção é dada por Le Renouveau Charismatique:

“A possibilidade de orar não-objetivamente, de maneira pré-conceitual, tem considerável valor na vida espiritual. Permite expressar com meios pré-conceituais o que não pode ser expresso conceitualmente. A oração em línguas é para a oração normal, o que a pintura abstrata e não representativa é para a pintura comum. A oração em línguas requer um tipo de inteligência que até as crianças têm”.

Pois bem, tudo isso é, pelo menos, muito confuso e difícil de entender. Não existe nada semelhante na Tradição da Igreja, nem no ensino dos mestres espirituais e místicos. Embora Cristo tenha ensinado os apóstolos e aos primeiros discípulos a orar e até mesmo tenha dado uma fórmula para expressar suas próprias petições, ele jamais fez isso de uma maneira “pré-conceitual” e “não objetiva”. Esse tipo de oração supõe que os murmúrios não correspondem à realidade objetiva, que o Espírito Santo é incapaz de expressar a realidade divina na linguagem racional, quando esse mesmo Espírito, através das bocas dos profetas e dos apóstolos, e do próprio Cristo, falou a mais alta verdade em uma linguagem humana.

Nenhuma referência a um ato sagrado.

Indiferentismo religioso

Como já foi observado, o movimento católico pentecostal foi importado do pentecostalismo protestante. Em coerência com este antecedente, embora em discordância com suas próprias origens, os católicos celebram encontros de oração com protestantes de qualquer denominação. Durante seu curso, quem recebeu o dom de ser “guia” pode impor as mãos sobre qualquer pessoa, independentemente da seita a que pertença.

Todos pedem o dom do Espírito Santo, falam em línguas, interpretam, profetizam e curam. Ambos os grupos querem trabalhar pela unidade à parte das questões doutrinárias, tentando alcançar a união situando-se “em um nível mais profundo”. Esse “nível mais profundo” é o “nível emocional”, muitas vezes confundido com “amor sobrenatural”. O movimento pentecostal, em suma, está destinado a destruir a esperança do verdadeiro ecumenismo, já que nenhuma união é possível se nossos irmãos protestantes não aceitarem a verdade plena da Igreja Católica.

Demolição do ascetismo cristão

Se da teologia passarmos para a ascese, tal como os santos a viveram e a ensinaram, descobrimos que o carismatismo não apenas carece dos requisitos fundamentais para uma verdadeira ascensão a Deus, mas é até mesmo prejudicial a ela.

Em primeiro lugar, arruína a humildade e favorece o orgulho, porque a pessoa orgulhosa é cheia de autoconfiança, procura o sensacional e o ostenta como virtude. Mas o humilde, por outro lado, busca a última posição, evita o sensacional e o extraordinário, tem medo de se enganar e se considera indigno de dons extraordinários. Se Deus os concede, ele os aceita com temor e tremor, suplicando-lhe para que os retire e o conduza pela via ordinária.

Portanto, expõe a alma ao autoengano. Alimentando um mórbido desejo pelo sensacional, o movimento cria uma atmosfera sobrecarregada de emoção que leva ao autoengano. Declarar que a experiência pessoal é a prova suprema da efusão do Espírito Santo é algo contrário ao ensinamento de Cristo, que disse que o cumprimento da vontade de Deus é o único critério seguro de estar no caminho da salvação:

“Nem todo o que me diz ‘Senhor, Senhor!’ Entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai Celestial.”

Enquanto os carismáticos consideram os dons extraordinários como sinais irrefutáveis da experiência do divino, Nosso Senhor os exclui como sinais de uma salvação segura:

“Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não pregamos nós em vosso nome, e não foi em vosso nome que expulsamos os demônios e fizemos muitos milagres?’ E, no entanto, eu lhes direi: ‘Nunca vos conheci. Retirai-vos de mim, operários maus!’”

Além do mais, é contrário à experiência daqueles que viveram espiritualmente. O ensino e a prática dos pentecostais contradizem o exemplo dos santos, que constantemente temiam ser enganados pelo demônio, desprezavam fenômenos extraordinários e pediam ao Senhor que os mantivesse na via espiritual não extraordinária.

Para evitar o autoengano, ordinariamente confiavam-se a experientes diretores espirituais. Confidenciavam-lhes até mesmo os mais insignificantes sentimentos de seus corações, e heroicamente obedeciam ao lhes ordenado. Alguém pode imaginar Santa Catarina de Sena, Santa Teresa de Ávila, São Francisco de Assis ou Santo Inácio de Loyola, percorrendo o mundo exibindo a si mesmos como os dispensadores do Espírito Santo?

Por outro lado, os carismáticos abandonam a cruz. O movimento se concentra na celebração da “alegria” do espírito. Por acaso há lugar no movimento para a agonia do Getsêmani, pelos tormentos da Paixão, pelas noites da alma que tanto se denotam na vida dos santos?

Os pentecostais deveriam saber que a santidade é alcançada por um caminho em que a alegria não é abundante: Quem quer ser meu discípulo, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e segue-me. A autêntica celebração da alegria está reservada para o Céu. É um sinal de maior perfeição dizer que sua vontade será feita tanto na agonia do Getsêmani quanto na alegria de Pentecostes.

Em suma, o movimento carismático contradiz o próprio ensinamento do Concílio Vaticano II, que afirma:

“Dons extraordinários não devem ser pedidos imprudentemente, nem deles devemos esperar com presunção os frutos das obras apostólicas” (Lumen Gentium, 12).

Tais palavras parecem inspiradas por Deus como uma pré-condenação de um movimento que surgiria imediatamente na esteira do Concílio.

Conclusão

Examinando objetiva e imparcialmente o movimento pentecostal, descobrimos que ele é frágil, contraditório e pernicioso. Mas, no meio do clamor e tumulto suscitados pelo movimento, é difícil prevalecer a voz da razão.

Em uma época delirante como a nossa, na qual o ensinamento e a Tradição da Igreja são atacados, os tempos profetizados por São Paulo a Timóteo parecem ter chegado:

“Virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si”. (2Tm 4,3)

São Paulo nos convida a examinar tudo, reter o bem e rejeitar o mal. À luz da sã teologia e da Tradição, o carismatismo não é uma coisa boa: parte de pretensões fantásticas, mina a fé, induz as almas a um falso misticismo e, através da credulidade e do orgulho oculto, entrega de bandeja essas almas ao Demônio. Portanto, o julgamento do Arcebispo Robert Dwyer está plenamente justificado, quando afirmou:

“Nós julgamos o movimento carismático como uma das orientações mais perigosas da Igreja em nosso tempo, intimamente ligado em espírito com outros movimentos destrutivos e separadores, que ameaça a sua unidade bem como põe em risco inúmeras almas” (“Christian Order”, maio de 1955 , página 265).  

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Extraído da Revista “Iesus Christus” nº 92, correspondente ao período de março-abril de 2004, e publicado anteriormente em “Sim Sim Não Não”, agosto de 1981.

[1] O apóstolo fala nestes dois capítulos dos dons de falar com sabedoria, com muita ciência, extraordinária fé e confiança, a graça de curar enfermidades, o dom de milagres, da profecia, da discrição dos espíritos, o dom de línguas e o de interpretar as palavras ou raciocínio. “Todas estas coisas são causadas pelo mesmo e único Espírito, distribuindo-as a cada um conforme quer” (I Cor 12, 11). Então ele explica o julgamento que deve ser feito sobre cada um desses dons.

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Outros três excelentes textos sobre o assunto:

O Dom de Linguas, os Padres da Igreja e os Santos

O movimento carismático: uma perigosa ilusão

A Renovação Carismática Católica