
Para toda alma, independente do seu grau de intimidade com Deus, uma verdadeira vida cristã pressupõe quatro elementos essenciais: um relacionamento frequente com Deus através da oração; uma grande fidelidade em submeter a Deus todas as ações; uma grande constância em afastar todos os obstáculos que impeçam alguém de servi-Lo; e, finalmente, uma união íntima com Deus através dos sacramentos.
Fonte: Le Bachais – N° 83 – Tradução: Dominus Est
A Oração
Devemos orar, e orar bem. As duas palavras-chave são: regularidade e respeitosa atenção. Contra a regularidade, geralmente se opõem o cansaço e a falta de vontade. A “regra” nº 1 é dedicar-nos a isso a todo custo, com esforços generosos, independentemente dos “estados de espírito”. Trata-se, acima de tudo, de orar e orar ainda mais, apesar das dificuldades que encontramos nisso, da pouca atração, ou mesmo da repugnância.
Devemos dedicar-nos às nossas orações com devoção. Embora nem sempre seja a falta de desejo que prejudica nossa vida de oração, às vezes é também a pressa, o desejo de terminar o mais rápido possível porque temos outra coisa em mente; às vezes é também a rotina ou a desatenção: oramos porque… mas sim, por quê, exatamente?
Não devemos nos cansar de nos colocar na presença de Deus pelo tempo que for necessário. Uma oração que consiste principalmente nisso é boa. É exercitar nossa fé na grandeza e na bondade Daquele a quem nos dirigimos e em nossa extrema necessidade de Sua ajuda. Não iniciemos a oração sem isso.
Agir para Deus
É conveniente, em nossa oração no início do dia, oferecer nossas ações, sofrimentos ou preocupações e renovar, ao longo do dia, essa intenção de agir em tudo para Deus. Dois meios principais nos ajudarão nisso:
– O recolhimento. A vida atual está mais acelerada do que nunca, por isso é importante parar de vez em quando, recolher-se para se recomendar a Deus, pedir-Lhe ajuda e oferecer-Lhe nossos trabalhos. Algumas pessoas praticam a oferta da hora. O toque dos relógios ou dos sinos da igreja pode favorecer isso. Também podemos desacelerar mudando de atividades, iniciando algo que vai durar algum tempo. Lembremo-nos também de oferecer a Deus nossos momentos de lazer. Procuremos reprimir a tendência à precipitação que às vezes nos domina, especialmente quando estamos com pressa. Oferecer regularmente nossas ações a Deus também deve nos ajudar a evitar longos períodos de tempo perdido, principalmente em frente às telas.
– Uma regra de vida específica. É um meio eficaz para nos preservar da dissipação tão natural ao coração humano. Esta regra será mais ou menos minunciosa, dependendo do nosso progresso na piedade. Em todo caso, é importante estabelecer claramente quando e como vamos orar (isso às vezes inclui refletir sobre isso a dois, para os casados): o tempo dedicado às orações, à devoção à Virgem Santíssima, ao alimento da oração por meio da leitura espiritual, ao exame de consciência, à Santa Missa e à recepção dos sacramentos. Outro elemento a ser considerado cuidadosamente é o dever inerente ao nosso estado de vida, bem como às nossas ocupações comuns. Não se trata aqui de ações ligadas às nossas iniciativas, às vezes não regidas pela vontade de Deus; pelo contrário, são ações claramente exigidas por Deus, portanto, devem ser cuidadosamente consideradas para que a maneira de as realizar também pertença verdadeiramente a Deus. Por fim, em nossa regra de vida, podemos anotar as principais virtudes que desejamos praticar. Uma criança, por exemplo, pode se esforçar para praticar a virtude da obediência a todos os seus superiores; os adolescentes podem se concentrar na virtude da pureza. Todos podem e devem praticar alguma forma de mortificação para combater uma má inclinação ou uma paixão descontrolada.
Remover os obstáculos
Aquele que se opõe a mim, quando desejo fazer o bem, sou eu mesmo. Cada um deve travar uma luta contra si mesmo desde o início da vida espiritual, ou seja, desde a mais tenra idade. Sem essa abnegação, nada de sólido ou duradouro será alcançado.
As almas que precisam lutar contra maus hábitos graves devem usar os meios proporcionais de oração (novenas, missas) e também pedir orações por elas. Eventos como uma peregrinação, uma festa religiosa ou um retiro são oportunidades privilegiadas para pedir graças que libertem do pecado mortal.
As almas que não têm ou já não têm de lutar contra o pecado mortal devem ter muito cuidado para não se habituarem ao pecado venial, com o qual às vezes tendemos a negligenciar. Trata-se, simplesmente, de encarar as próprias faltas uma a uma e travar uma guerra implacável contra elas. A prática diária do exame de consciência será muito útil para isso, especialmente se acrescentarmos um exame ao meio-dia. O objetivo é inspirar sincera contrição e renovar as próprias resoluções. Esses exames devem ser realizados sob o olhar de Deus, metodicamente e com genuína humildade. É altamente recomendável começar esses exames pelo “positivo” e, portanto, pela ação de graças.
Eis um método para examinar a própria consciência. Comece pedindo a Deus a graça de reconhecer as próprias faltas e detestá-las. Dirija-se também a Maria, sem a qual nada podemos fazer, dizendo-lhe simplesmente: Boa Mãe, obtém para mim a graça de ver claramente as minhas misérias e de me humilhar nelas. Em seguida, revise as diferentes ações do dia, na seguinte ordem:
Como você se comportou:
I. Nossos deveres para com Deus: 1. Orações; 2. Exercícios de piedade.
II. Nossos deveres para com o próximo: 1. Gentileza; 2. Caridade; 3. Obediência; 4. Verdade.
III. Nossos deveres para com nós mesmos: 1. Paciência; 2. Humildade; 3. Temperança; 4. Pureza; 5. Deveres de Estado, ou seja, a santificação do nosso trabalho.
Conclua pedindo sinceramente perdão a Deus e prometendo melhorar no futuro.
Na abnegação, é necessário incorporar um elemento ofensivo. “A melhor defesa é o ataque.” Trata-se de mortificação e sacrifício. Para progredir, é necessário realizar um recuo em certas coisas ou atividades desnecessárias que cativam o coração.
Outra obra de renúncia é a busca por nosso defeito dominante. Para este vasto tema, aqui estão apenas algumas pistas para descobri-la: examine cuidadosamente, e várias vezes, quais são nossas preocupações mais comuns; qual é o assunto mais frequente em nossos pensamentos ao acordar pela manhã; quando estamos sozinhos e nos permitimos sonhar acordados, qual é o objeto desses sonhos; qual é a fonte mais habitual de nossas alegrias íntimas, bem como de nossos aborrecimentos; qual é a causa de nossas tristezas; qual é a intenção que mais frequentemente propomos a nós mesmos, o motivo que nos faz agir e que geralmente inspira nossa conduta, qual é a origem dessas faltas, a razão de nossos pecados; quando, sobretudo, há, não uma falta acidental, mas toda uma série de faltas, um estado de resistência à graça, de falha nos exercícios de piedade que durou vários dias, qual é a sua origem e qual é o motivo que impediu o retorno ao bem. Distingue-se ainda o defeito dominante nos ataques do tentador, que muitas vezes nos conhece melhor do que nós mesmos e que dirige seus golpes para onde sabe que somos mais fáceis de vencer. Também o reconhecemos pelas inspirações do Espírito Santo que, nos momentos de fervor, quando sua ação é mais sensível, nos faz compreender, pelos sacrifícios que nos pede, pelos atrativos que nos faz experimentar, pelas resoluções que nos sugere, qual é o caminho que nos levará à perfeição e qual é o vício contra o qual devemos lutar com mais determinação. Reconhece-se ainda pela dificuldade que se tem em combatê-lo; é realmente o pecado favorito, aquele cujo sacrifício é o mais custoso.
Seja qual for o nosso defeito dominante, há sempre dois defeitos fundamentais a combater: o orgulho e o amor às nossas comodidades. Quanto ao orgulho, a maioria de nossas frustrações provém daí; e muitos pecados, provações mal suportadas, boas oportunidades desperdiçadas e resistência à graça também surgem dele. É preciso notar também que uma das formas de orgulho que deve ser reprimida energicamente é o respeito humano.
Os sacramentos
Os três primeiros elementos de uma verdadeira vida cristã correspondem ao que devemos fazer. Neste quarto ponto, a particularidade a ser observada é que quem age principalmente é Nosso Senhor! Devemos sempre nos lembrar disso para fazer boas comunhões, para nos confessarmos bem, para assistirmos bem à Santa Missa.
Não nos esqueçamos de que a comunhão frequente é condição para o progresso na piedade. A comunhão aos domingos, de vez em quando, pode “suficiente” para pessoas que não enfrentam grandes dificuldades. Mas isso raramente é sufuciente para combater uma falha de caráter enraizada.
Observemos que a comunhão se prepara não apenas imediatamente antes, mas também a longo prazo, de acordo com os três pontos mencionados acima. É também muito importante não negligenciar o tempo de ação de graças após a Santa Missa e a Sagrada Comunhão.
Pe. Jacques Mérel, FSSPX