PLENA COMUNHÃO

O conceito de “comunhão” deve ser esclarecido. Celebrar a Pachamama, a Amoris laetitia ou a Fiducia Supplicans é realmente necessário para fazer parte da Igreja?

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

Vou começar com uma anedota. No verão passado, um Irmão do Seminário de Zaitzkofen tirou alguns dias de férias em família. Ele quis fazer suas preces na igreja paroquial, na diocese de Aix-la Chapelle. A igreja estava ornamentada com as cores do arco-íris, mas não tinha nada a ver com o arco-íris de Noé…. O Irmão não se sentiu em plena comunhão com a prática eclesial daquela paróquia, e saiu para rezar em outro lugar.

Recentemente, o presidente da Conferência Episcopal Alemã, Mons. Bätzing, Bispo de Limburgo, afirmou publicamente que a homossexualidade ativa não era um pecado. Assim como o Cardeal Marx, Arcebispo de Munique.

Não estamos em plena comunhão doutrinária com eles, e lamentamos este fato, mas lamentamos por eles, porque não há dúvidas de que não podemos aderir a essa opinião.

O conceito de “comunhão“, por mais tradicional que seja, não é, contudo, de uma clareza e distinção evidentes. Sem dúvida, a vida da Igreja é uma ação santificadora comum, unificada por uma direção comum, que é aquela da hierarquia, cujo topo é o Papa – hoje, o Papa Francisco -, e a comunhão designa a integração nessa ação comum. Ela é expressa por vários sinais, desde as antigas cartas de comunhão entre Bispos, e com o Papa, até os atos administrativos de nomeação legítima, passando pelos atos litúrgicos (leituras de dípticos, beijo da paz, participação em cerimônias, etc.): o que se resume à unidade na profissão de fé e no culto divino, e na submissão à hierarquia legítima. Mas não é necessário aprovar ou cooperar com tudo o que todos os membros da Igreja dizem ou fazem. E a nomeação legítima de um clérigo para um cargo eclesiástico, embora lhe assegure as graças do estado e a legitimidade de suas ações, não o torna infalível para tudo isso (1). Podemos resistir à graça…

Caso contrário, nos depararíamos com o seguinte problema: o princípio da comunhão é que ela é transitiva. Se estou em plena comunhão com o Papa, estou em comunhão com todos aqueles que também estão em comunhão com ele. Ora, não sabemos se Francisco rejeitou as posições heterodoxas – e obstinadas – adotadas pela maioria dos bispos alemães. Portanto, para estar em comunhão com o Papa, é preciso estar em plena comunhão com eles. Que hábil teólogo nos dará a solução para esta espinhosa equação? 

A vida da Fraternidade São Pio X e de todo o movimento tradicional, antes, e até mesmo depois das sagrações, consiste, de fato, em uma vida mais ou menos “paralela” à vida do que pode ser descrito sociologicamente como a Igreja oficial. Não há dúvida de que falta uma comunhão. Mas esta vida paralela é exigida pelas circunstâncias, e a comunhão que falta não é aquela exigida para fazer parte da Igreja. Caso contrário, teríamos que celebrar a Pachamama e a Amoris laetitia, solenizar o jubileu da Reforma – é verdade que não havia indulgência a ser obtida desta vez -, dissertar a perder de vista sobre a sinodalidade, até mesmo fazer estripulias ao longo do caminho sinodal na Alemanha e receber a canonização do Padre Pio.

Essa vida paralela se justifica porque os fiéis ligados à fé e à disciplina tradicional da Igreja raramente encontram em suas paróquias a verdadeira vida cristã em plenitude. Não se trata apenas de uma Missa concedida com parcimônia aos domingos (ou mesmo em alguns domingos por mês). Eles precisam dos outros sacramentos, das aulas de catecismo (às vezes, expressamente proibidas pelo Bispo no âmbito da Missa motu proprio), das escolas, dos cursos de preparação para o matrimônio (2) e de toda a estrutura da vida cristã. Se o Padre de Blignières (3) afirma que a vida cristã integral é possível dentro da estrutura proposta pelos diversos Motu proprio desde 1971, 1984, 1988 e 2007, nós afirmamos o contrário, e não apenas em vista do Motu proprio de 2021. Se nos asseguram que ela acontece por meio da obediência, observamos, ao contrário, que ela consiste, muitas vezes, em “ajustes“, às vezes pelas costas do Bispo. Se afirmam que ela é realizada francamente, permitimo-nos duvidar.

Os considerandos da Traditionis custodes demonstram uma falta de lealdade na aplicação do espírito do Summorum pontificum. Não estamos convencidos de que essa acusação seja absolutamente infundada (4). Em todo caso, não podemos encorajar os fiéis, ou mesmo os aspirantes ao sacerdócio, a viver na ambiguidade.

Não se trata de negar o zelo dos fiéis e clérigos tradicionalistas, os sacrifícios, as humilhações sofridas, nem os sucessos aqui e acolá, tais como relata o Padre. Todos aqueles que fazem parte do movimento tradicionalista contribuem para minimizar os estragos na inconcebível situação atual da Igreja. Mas a franqueza de Mons. Lefebvre, que a FSSPX se esforça em prolongar, foi, de fato, mais eficaz. Seria pretensioso ou indecente dizer que a promulgação do Motu proprio de 2007, que permitiu a numerosos sacerdotes descobrir e amar o rito antigo, descobrir nele o sentido do seu sacerdócio, não é alheia à atitude da Fraternidade? A petição de D. Gérard já tinha sido esquecida há muito tempo quando Bento XVI decidiu publicar esse texto. Ele estava respondendo ao pedido da FSSPX, que a apresentava como condição para uma discussão com vistas à regularização. E, independentemente do que se possa dizer sobre o significado das palavras de Jean Madiran, no filme sobre Mons. Lefebvre [5], é necessário admitir que ele reconhecia o peso que uma presença episcopal daria às ações da FSSPX.

Os fins não justificam os meios. Se as sagrações de 1988 fossem intrinsecamente más, nada as justificaria. Mas o argumento que faz delas um ato cismático em si não é convincente; foi um ato de prudência, em circunstâncias excepcionais. As relações mantidas com Roma, as orações pelo Papa, mostram, à sua maneira, o espírito católico que anima a Fraternidade, que procura manter a necessária comunhão com Roma, reduzida porque ela deve apreciar por si mesma como fazê-lo (por exemplo, na aplicação do direito canônico), dado que ela não conseguiu encontrar diretivas confiáveis em Roma. Pois não nos esqueçamos:  se a FSSPX tem exigido pré-requisitos para uma discussão doutrinária, se ela se mantém afastada de grande parte da vida da Igreja oficial, também é porque a confiança dos fiéis e dos clérigos na hierarquia foi, muito frequentemente, traída, e continua o sendo…

O Padre de Blignières dá à FSSPX a honra de reconhecer em si mesma várias qualidades, o “zelo sacerdotal pela administração dos sacramentos e a clareza na catequese, que contrastam fortemente com o que as paróquias comuns muitas vezes oferecem”, “a luta contra o mundanismo e a frouxidão na moral.” Ousamos acreditar que essa fecundidade é sobrenatural, e que ela provém do fato de que a FSSPX é, de fato, da Igreja, reconhecida ou não.

Notas

  1. Com a óbvia exceção de casos bem conhecidos de magistério infalível.
  2. Ousamos relatar o testemunho de um assistente pastoral alemão que ouviu, por duas vezes, pessoas que se preparavam para o casamento se perguntarem como iriam introduzir um erro formal para facilitar a declaração de nulidade do casamento em caso de fracasso do casal…
  3. Site Claves.org, “Livre Entrevista no verão de 1988”, artigos de 26 a 30 de abril de 2022
  4. Por exemplo, foi levantada a questão da contribuição dos dois ritos para o enriquecimento mútuo.
  5. De acordo com a pessoa que gravou a entrevista, foi o próprio Jean Madiran que insistiu em acrescentar essas palavras quando a entrevista terminou. É difícil imaginar que ele não tenha ponderado suas palavras e entendido o impacto que elas poderiam ter.