O próprio Jesus Cristo diz que viera ao mundo para acender o fogo do amor divino. Eis ao que o padre deve consagrar toda a sua vida e todas as suas forças. Não tem que trabalhar em adquirir tesouros, honras e bens terrenos, mas unicamente em ver a Deus amado de todos os homens. Somos chamadas por Jesus Cristo, diz o autor da Obra imperfeita, não a procurar os nossos próprios interesses, mas a glória de Deus… O amor verdadeiro não se procura a si próprio; deseja em tudo andar à vontade do amado. Na antiga Lei disse o Senhor: Separei vos de todos os povos, para que fôsseis meus. Considerai estas palavras como dirigidas aos padres: Para que sejais meus, inteiramente aplicados aos meus louvores, ao meu serviço e ao meu amor; e, segundo S. Pedro Damião, para que sejais os cooperadores e dispensadores dos meus sacramentos; e segundo Sto Ambrósio: Para serdes os guias e pastores do rebanho de Jesus Cristo. Acrescenta o santo Doutor que o ministro dos altares não é mais seu mas de Deus.
O próprio Senhor diz que separa dos outros homens os padres, para os ter inteiramente unidos a si. O divino Mestre disse: Se alguém me está associado, que me siga; Si quis mihi ministrat, me sequatur (Jo. 12, 26). Para seguir a Jesus Cristo, deve o padre fugir do mundo, socorrer as almas, fazer amar a Deus, declarar guerra ao pecado. Deve olhar como feitas a si as injúrias contra Deus: Caíram sobre mim os ultrajes dos que vos ofendem. Entregues aos negócios do mundo, não podem os leigos render a Deus o tributo de homenagem e reconhecimento que lhe é devido; por isso, diz um sábio autor, o Pe. Frassen, é necessário escolher dentre os outros homens alguns que, pelo seu próprio estado, sejam obrigados a prestar ao Senhor a honra que lhe pertence.
Em todas as cortes dos soberanos, há ministros encarregados de fazer observar as leis, remover os escândalos, reprimir os sediciosos e defender a honra do rei. Foi para os mesmos fins que o Senhor estabeleceu os sacerdotes: são oficiais da sua corte. Isto fez dizer a S. Paulo: Mostremo-nos verdadeiros ministros de Deus. Estão os ministros sempre atentos a conciliar ao seu soberano o respeito que lhe é devido, e engrandecer a sua glória. Falam dele com veneração; se alguém o censura, logo o defendem com zelo; procuram adivinhar-lhe os desejos, e até expõem a vida para lhe agradar. É assim que procedem os padres para com Deus? Não há dúvida que são ministros seus; é pelas suas mãos que passam e são tratados os negócios que interessam à sua glória. É por intermédio deles que devem ser tirados do mundo os pecados, — fim para que que Jesus Cristo quis morrer, diz S. Paulo. Mas, no dia do juízo, como serão reconhecidos por verdadeiros ministros de Jesus Cristo esses padres que, longe de impedirem os pecados dos outros, eles próprios são os primeiros a conjurar-se contra Jesus Cristo? Que se diria dum ministro que se recusasse a vigiar pelos interesses do seu rei, e se afastasse quando ele reclamasse o seu serviço? É que se diria se este ministro falasse até contra o rei, e conspirasse para o destronar, coligando-se com os seus inimigos? Segundo o Apóstolo, são os sacerdotes embaixadores de Deus; são os cooperadores de Deus na salvação das almas. Deu-lhes Jesus Cristo o Espírito Santo, para que possam salvar as almas, absolvendo-as dos pecados. Donde conclui o teólogo Habert que o espírito sacerdotal consiste essencialmente num zelo ardente, primeiro pela glória de Deus, e depois pela salvação das almas.Não tem pois o padre que se ocupar das coisas do mundo, mas unicamente dos interesses de Deus: = Constituitur in iis quae sunt ad Deum (Hebr.5, 1). Por esta razão, quis S. Silvestre que, para os eclesiásticos, os dias da semana tivessem o nome de Férias, que quer dizer dias feriados, em que não se cuida dos trabalhos ordinários. Assim nos adverte que nós os padres nos devemos empregar exclusivamente em servir a Deus e ganhar-lhe almas, ocupação que S. Dionísio Areopagita chama o mais divino dos ministérios: “Será perfeito o sacerdote se imitar a Deus, se se fizer cooperador de Deus, que é a mais divina de todas as ocupações”.
Segundo Sto. Antonino, sacerdos significa sacra docens; e segundo Honório d’Autun, presbyter significa praebens iter. Assim, Sto. Ambrósio dá aos padres o título de guias e pastores do rebanho de Jesus Cristo. Por S. Pedro é chamado o clero um sacerdócio real, uma nação santa, um povo de conquista, povo destinado a conquistar, — o quê? Almas e não riquezas, conforme a reflexão de Sto. Ambrósio. Os próprios pagãos não queriam que os seus sacerdotes se ocupassem senão do culto dos seus deuses; por isso lhes era vedado o exercício de qualquer magistratura. Este pensamento fazia gemer S. Gregório, que dizia, falando dos padres: “Devemos pôr de parte todos os negócios da terra, para só nos darmos à causa de Deus; mas procedemos ao contrário: deixamos a causa de Deus e só vivemos para os interesses terrenos”. Moisés, estabelecido por Deus para só cuidar das coisas da sua glória, aplicava-se a decidir pleitos, mas Jetro advertiu-o e disse-lhe: Estás a gastar-te loucamente; deixa esse trabalho para cuidares do povo e das coisas relativas a Deus. Que diria Jetro se visse os nossos padres feitos negociantes, servos dos seculares, medianeiros de casamentos, e sem se importarem das obras de Deus? Se os tivesse visto, como observa S. Próspero, empenhados em se fazerem ricos, mas não melhores; em adquirirem mais honras, mas não mais santidade? Ó, exclamava a este respeito o venerável João de Ávila, que abuso subordinar o Céu à terra! Que miséria, ajunta S. Gregório, ver tantos padres que procuram adquirir, não os merecimentos duma vida virtuosa, mas as vantagens da vida presente! É porque, nas funções do seu ministério, não intentam a glória de Deus, mas somente o lucro que auferem delas, diz Sto. Isodoro de Pelusa.
A Selva – Santo Afonso