É grande a dignidade dos padres; mas não são menores as obrigações que lhe andam inerentes. Erguem-se os padres a uma grande altura; mas é necessário que sejam elevados e sustentados nela por uma grande virtude. No caso contrário, em vez de recompensa, um rigoroso castigo lhes está reservado; tal é o pensamento de S. Lourenço Justiniano. S. Pedro Crisólogo diz por sua vez: “O Sacerdócio é uma grande honra; mas é também um fardo pesado, e traz consigo uma grande conta a prestar”. — E S. Jerônimo: “Não é pela sua dignidade que o padre se salva, mas pela obras concordes com a sua dignidade”. Todo o cristão deve ser perfeito, deve ser santo, por isso que todo o cristão faz profissão de servir um Deus santo. Segundo S. Leão, uma pessoa torna-se cristã despojando-se da semelhança do homem terreno, e revestindo- se da forma de homem celeste. Era a razão por que Jesus Cristo dizia: Vós pois sêde perfeitos, como vosso Pai celeste é perfeito.
Mas a santidade do padre deve ser diferente da dos seculares, segundo a observação de Sto. Ambrósio. Ajunta o santo Doutor que assim como a graça dispensada aos padres é superior, assim a vida do padre deve exceder em santidade à dos seculares. E, segundo Isodoro de Pelusa, entre a santidade do padre e a de todo o bom leigo, deve haver tanta distância como do céu à terra. Santo Tomás ensina que cada um é obrigado a cumprir os deveres do estado que escolheu. Por outro lado, assegura Sto. Agostinho que o clérigo, no mesmo instante em que recebe a clericatura, se impõe a obrigação de ser santo. E Cassiodoro escreve: O eclesiástico é obrigado a uma vida celeste. O padre é obrigado a maior perfeição que todos os outros, como diz Tomás de Kempis, porque o seu estado é o mais sublime de todos os estados. Salviano ajunta que Deus ordena a perfeição aos clérigos no mesmo lugar, em que a aconselha aos seculares.
Os sacerdotes da Lei antiga traziam estas palavras gravadas na tiara, que lhes cingia a fronte: Consagrado ao Senhor, ou Coisa santa do Senhor.Era para que nunca se esquecessem da santidade que deviam professar. As vítimas, oferecidas pelos sacerdotes, deviam ser inteiramente consumidas,— e para quê? Teodoreto responde: Para lhes significarem a integridade da vida, que convém a quem se consagra por completo a Deus. Para oferecer dignamente o divino sacrifício, nota Sto. Ambrósio, deve o padre sacrificar-se primeiro ele próprio, oferecendo-se todo a Deus. E, segundo Sto. Hesíquio deve o padre ser um holocausto contínuo de perfeição, desde a sua juventude até à morte. Na Lei antiga disse Deus: Separei-vos dos outros povos, para que sejais o meu povo.
Com quanto mais forte razão quer o Senhor na Lei nova, que os sacerdotes ponham de parte os negócios do século, para só agradarem Àquele a quem se consagraram! É o que ele declara pela voz do Apóstolo: Nenhum soldado de Deus se deve ingerir nos negócios seculares, para agradar Àquele cujo serviço abraçou. E é a promessa que a Igreja exige de todos os clérigos, ao entraram no santuário pela prima-tonsura. Faz-lhes prometer que de futuro só Deus será a sua herança: É o Senhor a parte que me coube em herança, e o quinhão que me é destinado; pois vós, Senhor, que me haveis de dar a devida herança. “Tudo no padre, escreveu S. Jerônimo, reclama e exige a santidade da vida: o hábito que veste, o próprio ofício que exerce”132. Como diz S. Bernardo, não lhe basta fugir de todos os vícios, é necessário que faça esforços em que consiste a perfeição única, que o homem viador pode possuir cá na terra. O mesmo S. Bernardo gemia, à vista de tantos insensatos, que se afadigam por chegar às ordens sacras, sem considerarem na santidade exigida aos que aspiram a tão alta dignidade. E Sto. Ambrosio exclama: Quanto é raro encontrar-se um ordinando que possa dizer: O Senhor é a minha herança, que não se deixe abrasar da concupiscência, aguilhoar pela avareza, distrair pelos cuidados dos negócios seculares!
No Apocalipse de S. João, lê-se: Fez-nos reino seu e sacerdotes de Deus, seu Pai. Tirino, de acordo com os outros intérpretes explica a palavra Regnum e diz que os sacerdotes são o reino de Deus, ou porque Deus reina neles, nesta vida pela graça e na outra pela glória; ou porque eles próprios são constituídos reis para reinarem sobre os vícios. Quer S. Gregório que o padre seja morto para o mundo e para todas as paixões, a fim de se dar a uma vida toda divina. O sacerdócio atual é o mesmo que Jesus Cristo recebeu de seu Pai: E Eu dei-lhes a glória que me deste a mim. Se pois o sacerdote representa Jesus Cristo, diz S. João Crisóstomo, é preciso que seja bastante puro para merecer tomar lugar entre os anjos. S. Paulo exige do padre uma perfeição tal, que o ponha ao abrigo de toda a censura.
É certo que neste lugar, por Episcopum, se devem entender não só os bispos, mas também os sacerdotes, pois que o Apóstolo passa em seguida a falar dos diáconos. Como não os chamou pelo apelido de padres, quis ajuntá-los sob esse ponto de vista aos bispos; tal é o sentir de Sto. Agostinho e de S. João Crisóstomo, que sobre este ponto especial se exprime assim: O que ele diz dos bispos aplica-se por igual aos padres. Quanto à palavra Irreprehensibilem, todos vêem com S. Jerônimo que ela compreende a posse de todas as virtudes. E eis a explicação que dá Cornélio A-Lápide: Deve o sacerdote não só ser isento de todos os vícios, mas adornado de todas as virtudes. Durante onze séculos, foi interdita a iniciação na clericatura a todos aqueles que depois do seu batismo tivessem cometido um só pecado mortal; é o que nos ensinam os Concílio de Nicéi, Toledo, Elvira e Cartago. E se um clérigo, depois da sua ordenação, vinha o cair em pecado, era deposto para sempre e encerrado num mosteiro, como lemos em muitos cânones e eis a razão que ali se encontra expressa: “Porque a santa Igreja quer que o sacerdote seja isento de censura, a todos os respeitos. Os que não são santos não podem administrar as coisas santas”.
No Concílio de Cartago disse-se: Os clérigos de quem o Senhor é herança devem fazer divórcio com o século. O Concílio de Trento vai mais longe: quer que num clérigo tudo seja santo: o hábito, as maneiras, a linguagem, e todos os atos. E S. João Crisóstomo ajunta que o sacerdote deve ser de tal modo perfeito, que todos os fiéis o possam olhar como um modelo de santidade; porque Deus colocou os sacerdotes na terra, para que eles aqui vivam como anjos, e para servirem a todos os homens de faróis e guias no caminho da virtude. Segundo S. Jerônimo, o nome de clérigo significa: Que tem a Deus como herança. Quer dizer: que o clérigo se compenetre bem na significação do seu nome, e com ele conforme o seu procedimento. Se Deus é a sua herança, que não viva senão para Deus. O que tem a Deus por herança, diz Sto.
Ambrósio, de nada se deve ocupar senão de Deus: = Cui Deus portio est, nihil debet curare, nisi Deum (De Eseau. c. 2). O padre é o ministro de Deus, encarregado das duas funções extremamente nobres e elevadas, que são: honrar a Deus com sacrifícios, e santificar as almas. Porque todo o pontífice, escolhido dentre os homens, é estabelecido para administrar em nome dos homens as coisas que respeitam a Deus. Sobre este texto diz Sto Tomás: Todo o padre é escolhido pelo Senhor e posto na terra, não para adquirir riquezas, atrair a estima dos homens, entregar-se aos prazeres e engrandecer a sua família, mas unicamente para vigiar pelos interesses da glória de Deus. Também nas Escrituras o padre é chamado Homo Dei: um homem que nem é do mundo, nem de seus pais, nem de si próprio, mas só de Deus e que só a Deus procura. Aos padres pois se aplicam as palavras de Davi: Eis a geração dos que só procuram a Deus. Assim como Deus no céu destinou certos anjos para rodearem o seu trono, também na terra, entre os homens, destinou os sacerdotes para tomarem cuidado da sua glória, por isso lhes disse: Separei-vos dos outros povos, para que sejais meus. Vimos já este pensamento de S. João Crisóstomo: Escolheu-nos Deus, para que sejamos na terra como anjos entre os homens. E o próprio Senhor diz: Serei santificado nos que se aproximarem de mim; o que se interpreta assim: A minha santidade será conhecida mediante a santidade dos meus ministros.
A Selva – Santo Afonso