Como no momento da morte brilham e resplandecem as verdades da fé para maior tormento do moribundo que viveu mal, especialmente se era pessoa consagrada a Deus e que, portanto, tinha mais facilidade e tempo para servi-lo, mais inspirações e melhores exemplos! Ó Deus, que dor sentirá essa pessoa ao pensar e dizer: Repreendi os outros e fui pior do que eles; deixei o mundo, e vivi preso às vaidades e às afeições do mundo!… Que remorsos terá ao considerar que, com as graças que Deus lhe concedeu, não já um cristão, mas até um pagão se tornaria santo! Que dor não sofrerá, recordando-se que menosprezou as práticas de piedade como fraquezas de espírito, e aprovou certas máximas mundanas, frutos de estima e de amor próprio, por exemplo, como a de não humilhar-se, não mortificar-se, não recusar os prazeres que lhes ofereciam.
O desejo dos pecadores perecerá (Sl 111, 10). Quanto desejaremos ter na hora da morte o tempo que agora perdemos!… Refere São Gregório em seus Diálogos, que havia um tal Crisanto, homem rico, mas de maus costumes, o qual, na hora da morte, dirigiu-se aos demônios, que visivelmente apareciam para arrebatar-lhe a alma, gritando: Dai-me tempo, dai-me tempo até amanhã. Mas estes lhe respondiam:
“Insensato! agora pedes tempo? Não o tiveste e perdeste e o empregaste em pecar? E o pedes agora, quando já não há para ti?”
O desgraçado continuava a gritar e a pedir socorro. Havia ali perto um monge, seu filho, chamado Máximo, e o moribundo lhe dizia:
“Ajuda-me, meu filho; Máximo, socorre-me!”
No entanto, com o rosto chamejante, revolvia- se furioso no seu leito, até que, nessa agitação e gritos de desespero, expirou miseravelmente.
Vede como estes desgraçados, durante a vida, se comprazem em sua loucura, mas na hora da morte abrem os olhos e reconhecem sua demência passada. Mas isto apenas lhes serve para aumentar sua desconfiança de remediar o mal que fizeram. E correndo neste estado, deixam grande incerteza sobre sua salvação… Creio, meu irmão, que, ao leres este ponto, dirás a ti mesmo que é grande verdade. Pois, se assim é, maior será tua loucura se, conhecendo estas verdades, não te emendares a tempo. Esta mesma leitura, que acabas de fazer, ser-te-á, na hora da morte, como nova espada de dor.
Eia, pois, coragem! Já que ainda tens tempo de evitar morte tão deplorável, apressa-te a aplicar o remédio, sem esperar por ocasião oportuna a que não há de oferecer nenhuma esperança. Não o deixes para outro mês, nem o adies por uma semana…
Quem sabe se esta luz que Deus, em sua misericórdia, te concede, será a última exortação que te faz?… É necessidade não querer pensar na morte, que é certa e da qual depende a eternidade. Mas loucura ainda maior é pensar na morte e não preparar-se para morrer bem. Faze agora as reflexões e resoluções que farias se estivesses nesse transe. Aquilo que agora fizeres, o farás com fruto, e naquela hora será em vão. Agora, com esperança de salvação; então, com desconfiança de alcançá-la…
Ao despedir-se de Carlos V um personagem que abandonava o mundo para dedicar-se ao serviço de Deus, perguntou o imperador por que deixava a corte. Respondeu aquele:
“É necessário, para salvar-se, que, entre a vida desordenada e a morte, exista um intervalo de penitência”.
AFETOS E SÚPLICAS
Não, meu Deus, não quero continuar a abusar de vossa misericórdia.
Agradeço-vos a luz com que me iluminais agora, e prometo mudar de vida, pois reconheço que já não podeis suportar minha ingratidão…
Acaso, posso eu querer que me envieis ao inferno, ou que me entregueis a uma vida relaxada, que seria maior castigo que a própria morte? Prostro- me a vossos pés para rogar que me recebais em vossa graça. Não o mereço, mas vós, Senhor, dissestes: “Em qualquer dia em que o ímpio se converter, a impiedade não o prejudicará” (Ez 33,12). Se no passado, meu Jesus, ofendi vossa infinita bondade, hoje arrependo-me de todo o coração, e espero de vós o perdão. Direi com Santo Anselmo: Não permitais, Senhor, que se perca a minha alma, já que a resgatastes com vosso sangue. Não olheis minha ingratidão, mas sim o amor que vos fez morrer por mim, não obstante ter perdido vossa graça. Vós, Senhor, não perdestes o poder de má restituir. Tende compaixão de mim, ó amado Redentor meu! Perdoai-me e dai-me a graça de vos amar.
Eu vos prometo que somente a vós quero amar. Se, pois, me escolhestes para outorgar-me vosso amor, eu vos elejo, ó Soberano Bem, para amar-vos sobre todo outro bem… Precedestes-me carregando a cruz; eu vos seguirei com a cruz que me derdes para levar, abraçando os trabalhos e as mortificações. Para gozo do meu espírito, basta-me que não me priveis de vossa graça…
Maria Santíssima, minha esperança, alcançai-me de Deus a perseverança e a graça de o amar: e nada mais peço.
Preparação para a morte – Santo Afonso