“SENTIR” FÉ?

O arrependimento: um sentimento inútil? - A mente é maravilhosa

Muitos se preocupam por não sentirem nada quando rezam.

Fonte: Apostol nº 200 – Tradução: Dominus Est

Muitos se preocupam por não sentirem nada quando rezam; por não sentirem nada quando vão à confissão pedir perdão pelos seus pecados; por não sentirem nada quando comungam na Missa; por não sentirem nada quando se esforçam para amar a Deus ou perdoar o próximo. Não seria isso um sinal, dizem eles, de que Deus não os está ouvindo; de que seus pecados não estão perdoados; de que sua comunhão é ruim; de que seu amor por Deus é inexistente; de que seu perdão é hipócrita?

Essa preocupação é frequentemente reavivada pela lembrança de agradáveis sensações de bem-estar, plenitude, paz… às vezes até físicos: lágrimas, arrepios, sensações de calor… em certos momentos da vida – especialmente nos momentos que se seguem a uma conversão – a ponto de sermos tentados a associar, ou mesmo identificar, nossos sentimentos com a qualidade de nossa vida de fé.

No entanto, isso seria um grave erro. Pois são duas realidades distintas, que pertencem a dois níveis bem diferentes. Não nos esqueçamos disso! A vida de fé (com todos os atos que ela inspira: o arrependimento pelo pecado cometido, o amor a Deus e ao próximo, a oração…) é essencialmente sobrenatural e, portanto, transcende os sentidos: ela provém da parte mais espiritual da nossa alma. Ao contrário, os sentimentos pertencem à nossa sensibilidade humana, a parte mais carnal da nossa alma. É, portanto, perfeitamente possível amar a Deus verdadeira e sinceramente sem que o nosso coração seja tomado pela emoção. Mais surpreendente ainda: é possível apresentar-se diante de Deus em uma oração verdadeira, mesmo sentindo um certo desgosto; é possível também perdoar o próximo, mesmo sentindo ainda em sua carne uma repulsa visceral por ele.

Mas essas duas realidades aparentemente distintas podem, por vezes, coexistir: ao nos conceder sentimentos agradáveis nos primeiros dias de nossa conversão, Deus quer nos atrair para Si e nos encorajar a segui-Lo; ao nos fazer sentir, em certos momentos da vida, Sua presença sensível, Deus nos traz Sua consolação em meio a uma provação duradoura; ao nos dar a sensação de termos perdoado, Deus completa em nossa carne o perdão que já havíamos concedido em espírito ao nosso próximo.

É bom regojizarmos com esses sentimentos que Deus nos dá de tempos em tempos para estimular, confirmar e enriquecer nossa vida de fé. Também é bom não buscá-los ativamente nem basear nossa vida cristã neles, pois não são feitos para durar. Eles estão muito aquém do que Deus realmente espera de nós: acreditar apesar de qualquer impressão contrária; esperar contra toda esperança; amar além de qualquer aversão instintiva.

Pe. Louis-Marie Berthe, FSSPX